Folha de S. Paulo


Guerra de opiniões sobre a guerra

A cobertura que a Folha está fazendo do confronto entre Israel e Hamas motivou 136 leitores a se dirigir ao ombudsman para manifestar-se sobre ela. É o maior número de mensagens recebidas sobre um assunto em quatro meses.

A maioria foi em reação a textos opinativos: 24 ao de João Pereira Coutinho, 11 à coluna de Sérgio Malbergier na Folha Online (ambos favoráveis a Israel) e 16 à de Clóvis Rossi (crítico dos israelenses).

Não há muito que o ombudsman possa fazer quando o leitor se dirige a ele para se queixar de opiniões de que discorda. O ombudsman historicamente não trata da opinião de colunistas ou mesmo do jornal.

Porque opinião é uma questão parecida com religião. É muito difícil provar que uma é "certa" e outra "errada". É algo que entra no terreno das convicções, dos valores pessoais.

O ombudsman tem de se ater aos aspectos técnicos do jornalismo, ao factual, ao comprovável, ao verificável, para não cair nesse terreno pantanoso das opiniões.

Desde que o jornal assegure que os vários lados em disputa tenham sua posição publicada de maneira mais ou menos equilibrada, ele estará cumprindo sua tarefa de fomentar o debate público. Creio que a Folha tem agido desse modo nestas duas semanas.

Alguns leitores pediram a minha opinião. Na condição de ombudsman, minha opinião sobre os fatos é irrelevante. Revelá-la publicamente, inclusive, atrapalharia o meu trabalho porque qualquer crítica técnica que eu fizesse depois disso poderia ser interpretada como se eu estivesse me valendo dela como instrumento para favorecer a minha posição individual.

Depois das opiniões, as fotos de crianças foram o ponto lembrado por maior número de leitores: 31, dos quais apenas 3 defenderam a sua publicação. Já tratei desse aspecto na semana passada e mantenho minha posição de que, por enquanto, o jornal tem agido dentro de parâmetros aceitáveis, sem descambar para a morbidez ou sensacionalismo.

Além da manutenção do apartidarismo, o melhor da cobertura do conflito tem sido a atuação do seu enviado especial. A correspondência de guerra é uma das mais difíceis tarefas do jornalismo, especialmente quando uma das partes limita a mobilidade dos repórteres, como faz o governo israelense, que os impede de entrar em Gaza.

Mas o correspondente pode, como o da Folha tem feito, oferecer ao leitor uma perspectiva que lhe interesse de fato, por conhecer bem a maneira de pensar do seu público e por trazer informações que dizem respeito ao Brasil e a brasileiros.

O melhor correspondente, como mostra Evelyn Waugh no genial romance indicado abaixo, é aquele que escreve como se redigisse cartas para a família, alertando-a para os pontos que ele sabe que vai chamar sua atenção.

A cobertura não está livre de falhas. É incompreensível e injustificável a ausência de textos dos correspondentes do jornal nos EUA. As iniciativas diplomáticas brasileiras têm sido bem noticiadas mas pouco analisadas. Até sexta, só um artigo de fundo e nenhuma entrevista de fôlego tentaram destrinchá-la. Não se tem dado, a meu ver, a importância devida ao papel do Irã nesse conflito. A edição tem sido desleixada no que se refere a remissões a outras páginas do jornal onde o assunto é tratado fora das do noticiário.

No geral, no entanto, o jornal tem feito um bom trabalho neste caso.


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