Folha de S. Paulo


Explicações necessárias

Pesquisa feita em 1984 junto a 800 colunas de ombudsman norte-americanos - publicada pela "Columbia Journalism Review" - mostrou que, na sua maioria, os defensores do leitor se preocupavam mais em explicar as falhas do jornal ou dos jornalistas em vez de produzir crítica incisiva.

O lastimável acidente ocorrido na semana retrasada, a morte da estudante Carla Barreto Penna, quando realizava trabalho escolar envolvendo este jornal, é desses casos que requerem explicação do advogado do leitor.

Estudantes da segunda série do segundo grau de cinco escolas da cidade de São Paulo estavam fazendo trabalho escolar em conjunto com o Folhateen. A ideia do projeto, denominado "Folhateen por teens", é a de publicar número especial produzido e redigido pelos estudantes.

Um dos grupos de alunos, o do Colégio Bandeirantes, decidiu pesquisar a vida de adolescentes pobres. Acabou saindo a campo para investigar as condições dos transportes públicos para adolescentes de baixa renda, na zona leste da cidade. Na manhã de sexta-feira (dia 14), eles souberam da morte de um rapaz, caído de um trem, Quando se dirigiam para o local do acidente, caminhando pela via férrea, um outro trem atropelou Carla. Ela chegou morta ao hospital. Naquele dia a CBTU registrou a morte de cinco pessoas nos trilhos.

O diretor de Redação da Folha, Otávio Frias Filho, considera o acontecido "um acidente trágico" e explica que o jornal se colocou à disposição da família. O diretor do Colégio Bandeirantes, Mauro de Sales Aguiar, lamentou profundamente a "fatalidade". A família pretende apurar as responsabilidades. A polícia abriu inquérito.

Mas sobram do caso, no mínimo, duas perguntas:

- É legítimo um jornal promover esse tipo de atividade em conjunto com escolas, produzir um suplemente especial só com adolescentes?

- A escola (ou o jornal) deveriam mandar alguém para acompanhar os jovens?

- As atividades em si não tem o menor problema. O Folhateen mesmo esclareceu que o projeto se inspira em edição especial da revista americana "Spin" (a mais lida por jovens depois da "Rolling Stone"), cujo número de fevereiro passado foi editado por alunos de jornalismo da Universidade do Missouri.

Ainda nos Estados Unidos, conforme o correspondente Fernando Rodrigues, o diário "The Washington Post" publica uma vez por semana opiniões de adolescentes em seção chamada "Speak Out" (algo como Diga Aí), incluída na página "Under 21" (Menor de 21), encartada nos suplementos regionais.

O correspondente em Londres, Antonio Carlos Seidl, conta que o "The Daily Telegraph" e o "The Times", jornais ingleses, trabalham com páginas especiais feitas por jovens. Os estudantes da Astley High School produziram uma página do "Telegraph" no mês passado, uma investigação da influência das novelas de televisão nas crianças de 8 a 12 anos e um a entrevista com o ídolo nacional do futebol inglês, Paul Gascoigne. No ano passado, o "Times" publicou trechos de entrevista realizada por jornalistas-mirins com a então primeira-ministra Margaret Thatcher.

No Japão - segundo a correspondente Andréa Fornes -, o maior dos jornais, "The Yomiuri Shimbun"(14 milhões de exemplares em suas edições diárias), publica às segundas-feiras página com artigos de adolescentes feitos com a colaboração de jornalistas. A última trouxe textos sobre cinema, música, excursões e atividade voluntárias.

Não há problema em convidar adolescentes ou repórteres-mirins para participar de jornais. A própria satisfação com que alunos e escolas paulistas acolheram o projeto mostra o acerto da iniciativa. Em reunião terça-feira passada , os alunos e os professores envolvidos no projeto decidiram pela sua continuidade. O Folhateen do dia 1º de julho deve trazer essa edição especial.

Um outro problema emergiu, no entanto, o do acompanhamento desse trabalho. Ninguém pode dizer, com certeza, que a presença de um adulto - junto dos alunos poderia ter evitado o acidente. Mas o acontecido leva tanto a escola quanto o jornal à reflexão sobre os redobrados cuidados necessários em iniciativas como essa - num país onde trens chegam a matar cinco pessoas por dia numa única cidade, onde realidades tão díspares e brutais convivem tingindo a paisagem de contrastes tão degradantes.

É evidente que os envolvidos - alunos, pais, professores e jornalistas - tiraram do caso uma duríssima lição, dessas que só a morte pode ensinar. Irresponsabilidade, tragédia, fatalidade - não há palavra capaz de confortar ninguém, em especial familiares e amigos, num momento desses, de choque e desespero.

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O leitor Plínio Luiz Nunes Dias, médico na cidade de Cruzeiro, interior de São Paulo, ligou para comentar nota publicada na seção Coluna do Estadão, em "O Estado de S. Paulo" de sábado retrasado. Ali se escreveu que o ex-presidente José Sarney "cometeu dois erros" no artigo "Cachorro também é humano", publicado na véspera na sua coluna semanal nesta Folha. "O primeiro foi afirmar que o padre Vieira falava aos peixes - quem falava aos peixes era Santo Antônio". O segundo teria sido "citar" o padre Vieira que dizia ser o Estado do Maranhão um "berço da mentira, da malícia e do ócio".

Plínio não comentou a segunda parte da nota, mas explica que Sarney não errou ao afirmar que o padre Vieira falou aos peixes: "Existe um sermão feito em São Luís do Maranhão, em 1654, no qual, a exemplo de Santo Antônio, o padre Vieira também resolve falar aos peixes. Então, ele fez a mesma coisa. O nome é auto-explicativo: Sermão da Santo Antônio. Sarney está certo, absolutamente correto". Textualmente, essas são as palavras de Vieira: "Isso suposto, quero hoje, à imitação de Santo Antônio voltar-me da terra ao mar e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes".

O leitor remete o "Estado" para as "Obras Completas do Padre Vieira", volume 7, editora Lello e Irmão, do Porto, Portugal, 1959.

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Outro assunto objeto de telefonemas ao ombudsman foram as manchetes de três jornais na quarta-feira:

- "Bush promete seu apoio ao Brasil", no "Globo",

- "Collor ouve de Bush promessa de ajuda", no "Estado",

- EUA afastam ajuda imediata ao Brasil", na Folha.

Alguns leitores ligaram para comentar a manchete da Folha, considerada negativa. O enunciado interpreta a notícia de maneira pessimista, no dizer de alguns; real, no entender de outros. De fato, o tom é crítico. No entanto, o próprio texto de primeira página do jornal "Estado" (que puxou para a interpretação positiva, o apoio) ajuda a explicar as razões pelas quais a Folha optou por não dar uma manchete badalativa. Conforme o "Estado", o presidente americano, George Bush, "deixou claro, no discurso, de boas-vindas, que o auxílio dependerá da disposição do governo brasileiro de privatizar estatais, controlar a inflação e liberalizar o comércio".

Depois de tantas condições para dar apoio, é claro que a manchete da Folha está mais precisa do que as de seus concorrentes "Estado" e "Globo".


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