Folha de S. Paulo


O descaso com a bomba do Riocentro

Os grandes jornais paulistas não deram muita bola para revelações importantes sobre a história do país surgidas na semana passada, principalmente esta Folha. Noticiaram tudo, é evidente. Só não as aprofundaram como era de se esperar. Refiro-me á bomba do Riocentro, cuja explosão se deu há dez anos, em 30 de abril de 1981. Foi tema da manchete de " O Globo" de domingo passado e capa da revista "Veja".

Uma das regras da imprensa séria - já o disse nesse espaço - é não dar muita bola para efemérides. No entanto, o aniversário de dez anos da explosão da bomba no colo do Rosário não se trata de efeméride e sim de um tempo longo demais (uma década!) para que os brasileiros continuem sem saber realmente o acontecido, Mais grave, sem que os culpados tenham sido ao menos apontados para que se saiba que os culpados tenham sido ao menos apontados para que se saiba quem mereceu uma anistia dada por direito constitucional. A pergunta sem resposta concreta até agora é muito simples : de quem era a bomba ?

Em resumo, na noite daquele dia realizava-se show para vinte mil pessoas no Riocentro, no Rio de Janeiro, em comemoração ao Dia do Trabalho. O evento era patrocinado em parte pelo Partido. Comunista Brasileiro, então na clandestinidade. Num carro Puma, dirigido pelo capitão Wilson Machado, explodiu uma bomba e ela matou o seu acompanhante, o sargento Rosário. Uma segunda bomba teria sido achada dentro do Puma, sem explodir. Uma terceira explodiu na casa de força. A "apuração" do Exército concluiu ter sido atentado de uma organização de extrema esquerda já desativada na época. Se as bombas explodissem no lugar para onde provavelmente eram destinadas ninguém pode dizer quais seriam as consequências: Imagine o pânico possível entre as vinte mil pessoas que, naquele momento, ouviam Elba Ramalho cantar ao show.

Pois bem, Tanto o "Globo" quanto a "Veja" foram ouvir, agora, dez anos depois, o mandatário máximo de então, o general João Baptista Figueiredo, o presidente da República. Com isso as duas publicações mostram, no mínimo, atenção e cuidado para com a história do país. "Veja" foi mais além e foi ler o inquérito por inteiro, uma peça risível.

Indiretamente, no "Globo", Figueiredo responsabilizou o capitão pelo acontecido: "A única pessoa que pode dizer alguma coisa é o capitão Wilson, que não vai abrir a boca se incriminando". Para a "Veja", a frase teria sido outra: "Dizem que foi o SNI, mas o Riocentro foi coisa do CIE ". As siglas se referem, a primeira, ao extinto Serviços Nacional de Informações, e a segunda ao centro de Informações do Exército. Na segunda-feira, de novo em entrevista ao "Globo", o general negou ter dado a declaração á "Veja". Mas disse não garantir que o CIE não estivesse envolvido e acrescentou que a explosão poderia ter sido também "obra de civis que estivessem trabalhando contra a esquerda".

Ou seja, o ex-presidente lançou declarações merecedoras, no mínimo, de ampla divulgação e apuração rigorosa. E os jornais paulistas registraram as declarações como se estivessem tratando de observações sobre o tempo ou o tamanho da lua - sem o destaque e o escândalo imposto pela gravidade do caso.

Nas televisões foi a mesma coisa, pouco se falou. No dia da explosão, conforme material divulgado pelo "Jornal do Brasil", a Rede Globo mostrou no ar a segunda bomba encontrada no Puma e depois foi obrigada a "corrigir" o noticiário. Na lembrança do caso, feita na terça-feira passada no Jornal Nacional, nada se falou sobre essa segunda bomba, cujos registros, conforme o cinegrafista que a filmou, Maurício Oliveira, sumiram rapidamente da Globo. Ouvido pelo "JB", o jornalista da rede, contou: "Nós fomos obrigados pelo Exército a desmentir que houvesse uma segunda bomba"

A existência dessa segunda bomba dentro do Puma, desativada, arruína totalmente a versão montada pelos militares segundo a qual alguém, de esquerda, teria lançado a bomba que matou o sargento contra o carro. Os depoimentos do pessoal da Globo envolvidos na cobertura e edição desse material são de imenso valor histórico. Para quem não leu, vale a pena recuperar o "JB" de quarta-feira passada. A investigação sobre a segunda bomba filmada pela Globo está na capa do caderno Cidade.

O chato na história é que os leitores desta Folha não tiveram a oportunidade, ainda, de rememorar condignamente esse acontecimento e nem puderam sentir uma vontade editorial de escarafunchar assunto importante para a história da República. Na sexta-feira, no entanto, soube-se que o procurador geral da Justiça Militar, Milton Menezes da Costa Filho, não aceitou o pedido de reabertura do inquérito sobre o Riocentro. Baseou-se na emenda 26 á Constituição, a qual concedeu anistia a todos os crimes políticos. Todos anistiados, tudo bem. É a lei, Mas a imprensa não esta impedida de ajudar na reconstrução dessa tenebrosa parte da nossa história.


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