Folha de S. Paulo


Reversão de expectativa

Prometi analisar a batalha da mídia nas explicações da queda da ministra Zélia Cardoso de Mello do ministério da Economia. Os órgãos de imprensa que mais se esmeraram em trazer alguma luz ao episódio, em função do material apresentado domingo passado, são quatro: "Istoé Senhor", "Veja", "Jornal do Brasil" e esta Folha.

"Istoé" se predispunha a explicar como a ministra foi "fritada", "Veja" a apresentar a "trama" da derrubada, o "JB" a contar sobre a "pressão interna" e a Folha a relatar a "história secreta" da queda. Por partes:

"Istoé" fez cronograma do visível e alinhavou bem tudo o que, de certa forma, havia sido divulgado. Acrescentou informações de bastidores como a de que forma Zélia plantou notas contra o dito pivô da queda, Egberto Baptista, em jornais como como "O Globo" e "O Estado de S.Paulo", Deixa claro que Zélia "disputou" influência como o dito "grupo alagoano" que cerca o presidente e perdeu a parada. Não questiona a gota d´´agua (Baptista). Conta em detalhes como Cláudio. Humberto "fritou" a ministra. Soma á cobertura episódio deixado de lado pelos jornais: Zélia divulgou que Collor teria recebido muito bem a idéia da liberalização do jogo no Brasil e acabou desautorizada por Cláudio Humberto. Relata notícia da Globo. Conforme falou Alexandre Garcia no "Jornal Nacional", o importante naquele momento, para Collor, era a preocupação com o combate á inflação e a retomada do crescimento econômico. Garcia repassou informação recebida de Cláudio Humberto. Era mais fritura na panela.

"Veja" afirmou que a ministra ao sair. "roubou a cena". A revista apresentou idéia de que Zélia enredou a si mesma numa teia "cabralina" (referência a Bernardo Cabral), sustentou o caso com Baptista como gota d´água e trouxe revelações interessantes:

Na negociação da dívida no Estados Unidos, Zélia afrontou o subsecretário americano do tesouro, David Mulford. Deu-se mal. Na ocasião, quando Eris tentou dar uma mãozinha á ministra, Mulford respondeu com uma pergunta e um gesto: "Sabe o que o mundo vai dar para o Brasil com esse tipo de atitude? " Respondeu com uma banana.

Zélia procurou jornalista da Abril, Alessandro Porro, para ajuda-la num livro autobiográfico. Iria se chamar exatamente " Besame Mucho". Disse ao jornalista que essa música não foi tocada na festa de seu aniversário era símbolo de muita "coisa sórdida" feita contra ela.

Perguntada se, caso dependesse dela, os brasileiros veriam Zélia e Cabral juntos respondeu: "Se depender de mim, sim".

A revista publica, ainda, ensaio de Roberto Pompeu de Toledo explicando não ter sido somente a ministra a cair, mas um gabinete. Defende a tese de que o sistema de governo no Brasil tem mais de parlamentarismo do que se imagina.

O "JB", em reportagem de Glória Alvarez, diz que Zélia caiu porque era estranha ao "ninho" palaciano formado por Rosane, mulher do presidente; Cláudio Humberto, o porta-voz; Leopoldo Collor, o irmão; Paulo César Farias, o PC, o empresário amigo do presidente; o deputado Paulo Octávio, o general Agenor Homem de Carvalho; Marcos Coimbra, secretário-geral da Presidência e...Egberto Baptista. Acrescenta informação pouco explorada na mídia: Collor também estaria irritado porque "a ministra estaria beneficiando abertamente o governo Fleury através de um tratamento especial dado principalmente á rolagem da dívida do Estado de São Paulo". Essa aproximação com Fleury teria uma razão: " a candidatura de Zélia, pelo PMDB, á Prefeitura de São Paulo".

A Folha, em reportagem de Josias de Souza, revelou encontro acontecido entre Zélia, Cabral e o ministro da Marinha, almirante Mário César Flores onde ela teria feito análise nada otimista sobre o futuro da economia. Collor quis saber detalhes. Zélia respondeu ser coisa antiga. Collor "bateu" a versão de Zélia com o almirante Flores e descobriu ser coisa recente. Teria tido então uma "dupla frustação" : "Zélia havia lhe pregado uma mentira e, após edição do plano apresentado á sociedade como corretivo eficaz ( O plano Collor 2), fazia análises pessimistas sobre o controle da inflação". Reforçou com essa reportagem a idéia da influência de Cabral. Conta também ter Collor se surpreendido com a saída de pelo menos dois auxiliares de Zélia com os quais estava contando: Eduardo Teixeira e Antônio Kandir.

Bastante louvável o esforço de reportagem desses quarto veículos no sentido de investigar, pesquisar e apresentar aos seus leitores a maior quantidade de informação confiável a respeito da queda da ministra. As revistas foram mais abrangentes (tinham o caso todo para contar) e os jornais trouxeram notícias novas.

Chama a atenção, no entanto, o fato de prevalecer em todas essas versões a visão do Planalto sobre a saída de Zélia.

De alguma maneira, portanto, o governo Collor conseguiu reverter, nas edições do fim-de-semana passado, a saída por cima de Zélia - quase santa, heroína do Brazil roxo. Sua passagem pela Globo, na escolinha do professor Raimundo (Chico Anísio) foi o último lance da canonização.

Em todo caso, prevalece o problema levantado aqui na semana passada: ainda existe muita coisa por trás dessa queda. O visível, me parece, foi mais ou menos decupado pela mídia, primeiramente com as versões desejadas de Zélia e, em segundo lugar, com as histórias "off the record" do Planalto, aquelas que são contadas aos jornalistas sem que eles revelem a fonte. Mas a história, mesmo, o que de verdadeiro está por atrás dessa queda, nós leitores ainda não sabemos.

Para quem ainda duvida de que o governo Collor conseguiu reverter as expectativas imediatas (as futuras não se sabe) da santificação da ex-ministra, recomendo a comparação de algumas manchetes na sexta-feira :

"Governo promete negociar salários" ("JB")

"Marcílio diz que vai amenizar sacrifícios " ("Estado")

"Governo aceita discutir o fim do congelamento" (Folha)

"Roxo já era ("Jornal da Tarde")

Para finalizar, relembro: o governo- e nem a mídia cobrou - não esclareceu ainda a história da devolução dos cruzados novos, prometidos pelo ministro Marcílio Marques Moreira para Setembro. As doze "prestações" vão ter correção mensal ou não? O Brasil aguarda explicações. Que sejam suaves conforme a ultima moda.


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