Folha de S. Paulo


Sobre a devolução dos cruzados retidos

Nas duas últimas colunas cobrei tanto da mídia quanto do governo esclarecimentos sobre a devolução dos cruzados novos confiscados. As doze parcelas da tal devolução terão correção e juros, mês a mês ?

Em tese, está tudo esclarecido. O leitor que tem cruzados retidos e não os retirou com a ajuda Justiça deve ter suas doze parcelas devolvidas integralmente com correção e juros. Os meios de comunicação divulgaram mal a notícia quando a devolução das parcelas foi regulamentada, no último dia de outubro do ano passado.

A legislação a respeito é clara. Para sanar a dúvida, no entanto, o Banco Central emitiu circular (número 1.960), na quinta-feira passada, na qual reafirma que tudo vai ser devolvido conforme está na lei.

Ainda no domingo passado, enquanto eu cobrava esclarecimentos, a seção Caixa-Alta (do caderno Dinheiro), demonstrava, de maneira muito tímida, que a devolução deverá ser toda corrigida. Mas a coisa ficou assim, na letra da lei:

O parágrafo segundo do artigo quinto da lei 8.088, publicada no "Diário Oficial" de 1º de Novembro de 1990, definia a maneira da devolução: "As quantias mencionadas no parágrafo anterior (os cruzados retidos) serão atualizadas monetariamente pela variação do BTN Fiscal, verificada entre o dia 19 de março de 1990 e a data do efetivo pagamento das parcelas referidas no dito parágrafo, acrescidas de juros equivalente a seis por cento ao ano ou fração pro-rata". Grifo meu.

Como acabou o BTN, o artigo sétimo da lei 8.177, publicada no "Diário Oficial" de 4 de Março de 1991, estipulou: "Os saldos dos cruzados novos transferidos ao Banco Central do Brasil, na forma da lei número 8.024, de 12 de Abril de 1990, serão remunerados, a partir de primeiro de fevereiro de 1991 e até a data de conversão, pela TRD, acrescida de juros de seis por cento ao ano, ou fração pro-rata, e serão, improrrogavelmente, convertidos em cruzeiros na forma da lei número 8.024, de 12 de Abril de 1990".

Apesar dessas leis, pairava dúvida porque a medida provisória que confiscou o dinheiro da população (contas-correntes, poupança, over, fundos) falava em restituição por intermédio de doze prestações consecutivas e iguais. A mídia não se preocupou em destrinchar isso, O tempo foi passando e a devolução só foi regulamentada sete meses depois do confisco. Agora, com a aproximação da devolução - prevista para comemorar em 16 de Setembro próximo- era fundamental saber como ela se dará.

O jornal que mais bem serviu esse assunto aos seus leitores foi o carioca "O Globo". Na sexta-feira, a partir do esclarecimento do Banco Central, o "Globo" manchetou : "Liberação de cruzados terá correção até a última parcela". Demonstrou ser o único entre os quatro grandes jornais que está preocupado com assunto diretamente ligado ao bolso do leitor. Mostrou sintonia com o cidadão e os seus problemas.

Esta Folha escondeu a informação em quatro linhas em meio a um texto sobre a remuneração de cruzados novos dentro do caderno Dinheiro. "O Estado de S.Paulo" publicou a notícia na capa de seu caderno de Economia, mas não a levou para a primeira página.

E por falar em notícia de interesse direto do leitor, os grandes jornais brasileiros, no geral, parecem concorrer para ver quem é que traz mais notícia sem interesse direto específico na sua primeira página.

No caso da devolução dos cruzados pela justiça, os jornais (e as emissoras de televisão também) só acordaram quando as filas em torno do prédio da Justiça Federal ameaçava dar a volta no quarteirão. Ou seja, aqueles que deviam se antecipar aos problemas e servir um material didático aos seus leitores (ou telespectadores) reagiram a reboque dos acontecimentos.

A notícia de que as parcelas de cruzados novos serão devolvidas com correção e juros, integralmente, é notícia boa. E as notícias boas quase nunca ganham primeira página. Mas ela não é somente notícia boa. É também uma promessa. Escancará-la com destaque, para que todos os leitores vejam que o governo mudar a regra, fica mais fácil cobrar o prometido, inclusive na justiça.

Não foi apenas uma notícia boa que o "Globo" teve sensibilidade de retratar na sua manchete, mas uma promessa que pode não ser cumprida. Como se sabe, é difícil confiar em quem elegeu-se, entre outras artimanhas, porque disse que o oponente iria confiscar a poupança dos cidadão como nas suas contas correntes. O esclarecimento sobre a devolução dos cruzados é um alerta que a mídia brasileira devia aos cidadãos.


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