Folha de S. Paulo


Rescaldo das mudanças

Tem sido grande a resposta dos leitores às transformações na anatomia do jornal. Somente na semana passada recebi 26 cartas sobre o assunto, além de telefonemas. Passadas duas semanas, é possível alinhavar os principais problemas que persistem.

Há uma sensação de encolhimento. "Sinto o jornal mais fino, menos noticiário", escreve o leitor Marcos Kruse, de Maringá. Verifiquei, primeiro por meus próprios meios. Comparei a edição da sexta-feira anterior às mudanças com a de anteontem. A primeira tinha meia página a mais na parte redacional. O jornal modificado estava praticamente igual, com 46,5 páginas de Redação, ao anterior, com 47 páginas - uma diferença muito pouco significativa.

O fato é que Folha está realmente menor, em 30%, comparada ao tamanho de outubro do ano passado, mês excepcional por causa das eleições. Em novembro, diminui-se naturalmente o tamanho com um corte de 15%. O agravamento da crise econômica provocou a contenção de mais 15% em dezembro. Em fevereiro, fixou-se uma meta, conforme informa a direção de Redação, de média diária de 44 ou 46 páginas redacionais. Essa meta vem sendo cumprida e a reforma de 17 de fevereiro nada tirou do produto entregue aos leitores nos primeiros 16 duas do mês. Contenção semelhante de papel pode ser verificada também em outros jornais, fruto da crise.

Independente disso existe a sensação de perda. Ela se dá visivelmente quando se fala do antigo caderno de Negócios, literalmente engolido pela antiga Economia, dominadora do caderno Dinheiro. Na Redação se brinca chamando de Kuait o caderno de Negócios, absorvido pelo Iraque, a Economia. O leitor Moacir Peixoto de Castro, de São Paulo, escreveu para deplorar a "mixórdia editorial intitulada Dinheiro, que não é exatamente nem um caderno sobre dinheiro, nem sobre negócios e nem sobre economia". Eu havia alertado para isso em crítica interna e, me garantiu o diretor de Redação, Otavio Frias Filho, que a resolução desse problema é uma das preocupações principais. Os leitores reclamam ainda, especificamente, do sumiço das informações sobre marketing e negócios internacionais.

Outra aresta a aparar é da compatibilização espacial e temática no caderno Brasil dos diferentes noticiários ali abrigados. Este problema - não abordado pelos leitores até agora - continua sendo o grande desafio do jornal.

Alguns escrevem para falar que as mudanças lhe causaram "desconforto" (como diz Plínio Bortolotti, de Fortaleza), ou que a Folha está ficando muito "Walter Ego" por causa da publicação das cartas de congratulações pelo septuagésimo aniversário (como anotou Luiz Paulo Pendenza, de Araraquara). Outros tocam em ponto anterior à transformação, agravado pelo remanejamento de cadernos e não menos delicado: a redução cada vez mais acentuada do espaço dado aos textos, como reclamam Renato Janine Ribeiro, de São Paulo, e Paulo dos Santos Lima da Silva, de Cotia.

A penúltima reforma gráfica aumentou o tamanho das letras, levou à diminuição dos textos, ampliou o espaço em branco nas páginas (conforme o leitor Ribeiro) e criou, em consequência, a imperiosidade da escrita sintética. Em contrapartida, o erro ficou mais visível. Todo leitor vê o quanto continua sofrível o português do jornal. A média de erros tem estado em torno de 120 por dia. De 1988 até agora houve diminuição de apenas 12% na quantidade desses erros. Sabe-se também quanto é mais difícil escrever curto. O texto pequeno exige concisão, trabalho criterioso em cima da macroinformação e argúcia no aproveitamento dos detalhes. Nesse sentido, as sucessivas reformas acabaram expondo ainda mais as deficiências do texto.

Agora, além de permanecer de pé o desafio de que a atual anatomia da Folha nãos seja apenas maquiagem, urge trabalhar o texto, provar que não é vazio nem inconsistente. Nós, leitor e ombudsman, continuamos na vigilância.

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Reportagem publicada em 26 de fevereiro. "Bancos aconselham a aplicação no black", levanta questão ética importante. Sem se identificar como jornalista, u repórter ouviu de alguns gerentes de banco em São Paulo que parte do seu dinheiro poderia ser aplicado no mercado paralelo de dólar, o "black". Dois bancos protestaram contra a reportagem e tiveram suas explicações prontamente acolhidas na seção de cartas. Do ponto de vista técnico, o jornal errou ao generalizar no título. Não eram os bancos que aconselhavam o "black" mas determinados gerentes de determinadas agências na região da avenida Paulista. Mas o problema ético levantado subsiste: deve o jornalista omitir sua condição de jornalista quando está atrás de informações?

A atual edição do "Manual Geral de Redação" é omissa a esse respeito. Na Grã-Bretanha, por exemplo, o código de ética da imprensa é bastante claro: "As informações para publicação devem ser obtidas por intermédio de meios corretos, transparentes, exceto quando de situações de excepcional interesse público". Segundo esse ponto de vista, a Folha estaria errada no procedimento.

Mas há um detalhe que merece reflexão: o jornal revelou aos leitores que o repórter omitiu a sua condição de jornalista quando conversou com os gerentes. E ele acabou colhendo, com rigor, exatamente o que estava sendo aconselhado. Se um gerente recomenda o "black" ao cliente, isto é notícia. Para os bancos, é evidente que a divulgação dessa informação foi negativa, trata-se de aconselhamento ilegal. Para o leitor, no entanto, a informação era importante porque mostrava uma determinada realidade, pelo menos a realidade de cinco agências bancárias.

Tenho dúvidas quanto aos imaginosos artifícios usados por jornalistas para conseguir determinadas informações. Mas, neste caso, a reportagem provocou dois efeitos: prejudicou os bancos (e os gerentes) mas deu informação ao leitor de maneira transparente. Ao revelar o artifício usado, de certa forma, o jornal se redime e, no limite, alerta os bancos.

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Entra em vigor amanhã o Código de Defesa do Consumidor. Como disse Marcelo Gomes Sodré, diretor do Procon, no Fórum do Cidadão inaugurado quinta-feira pela OAB em São Paulo, não se deve esperar milagres. Mas os leitores/consumidores têm agora outro instrumento a seu favor, um arsenal antes de tudo capaz de ajudar na melhoria de qualidade de tido o que se consome no país, do serviço público à alimentação.

Em um ano e cinco meses na função de ombudsman percebi que aquela história de que o brasileiro não sabe reclamar é um mito. Sei, por isso, que o código tem tudo para funcionar - ao contrário de tantas leis que só existem no papel. Seja bem-vindo o novo código.

BRASIL OU BRASIL?
A maior quantidade de queixas recebidas sobre a reforma refere-se ao nome do primeiro caderno. Leitores protestam contra a grafia do nome do país em minúscula. A Secretaria de Redação me explicou tratar-se de uma marca conforme a padronização adota nos nomes dos outros cadernos, todos com o logotipo em letras minúsculas. Para o caso semelhante existe "jurisprudência" firmada pelo ombudsman do jornal espanhol "El País". O seu logotipo é apresentado em letras minúsculas e sem acento agudo na letra i: EL PAIS. O ombudsman propôs a manutenção da marca enquanto tal e, toda a vez que o nome do jornal fosse mencionado em texto, título, legenda etc., que então fosse grafado com o acento: "El País". Propus à Folha que o mesmo raciocínio sirva para o caso do caderno Brasil. Mantêm-se a marca e, em qualquer referência a ele, que se preserve o B do Brasil.


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