Folha de S. Paulo


Ética, polícia e política

Moradores de Alphaville, condomínio em Barueri, nas imediações de São Paulo - além de leitores de outras cidades - congestionaram o ramal do ombudsman na quinta-feira. Por causada reportagem "Polícia usa mulheres para achar estupradores". Cinco investigadoras da polícia estavam circulando pela região em locais onde poderiam servir de isca aos bandidos que agem ali e já violentaram e mataram uma estudante de 18 anos

"Se vocês colocam o plano sigiloso no jornal, ninguém vai pegar o assassino", reclamou a engenheira Thereza Cristina Ricco. Ela considerou a atitude do jornal "desumana" e "sensacionalista". Para a relações-públicas Rosa Maria Junqueira, a notícia era "irresponsável". Isidoro Salomão Kutno, músico do Rio de Janeiro, acha que a reportagem "só ajuda os estupradores". Erivaldo de Oliveira Lima, dentista em São Paulo, considera-a do tipo "espanta-ladrão".
Todas as reclamações tinham o mesmo fundamento: o jornal estaria entregando o plano da polícia aos bandidos ao revelar a ardilosa missão das investigadoras. Uma leitora de Alphaville, Olga Miranda, analista de sistemas, atacou a revelação do ardil e disse mais: "Gostaria que a polícia mantivesse tudo em sigilo".

O diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, acha o assunto discutível mas, em tese, pensa que o jornal está certo ao noticiar e a polícia errada ao informar ou deixar vazar o esquema. O editor de Cidades, Mauricio Stycer, conta que a informação, um furo, foi dada naturalmente ao jornal pela polícia, conferida com moradores, confirmada e publicada. Ele analisa a questão à luz do verbete "Razões de segurança" do "Manual Geral da Redação" e, como ela não coloca em risco a vida de ninguém, acha normal sua publicação.

Do ponto de vista da ética jornalística, o jornal não errou. A leitora Olga Miranda e o diretor de Redação vão ao ponto quando tocam no problema da divulgação feira ela polícia. O jornal tem a obrigação de publicar tudo o que sabe e pode comprovar - respeitada a discussão dos casos individuais onde estão em risco a vida ou a segurança de instituições e empresas.

Se seguisse à risca o protesto dos leitores, o jornal estaria censurando a informação comprovada e verídica. O mesmo raciocínio serviria para riscar dos meios de comunicação qualquer notícia ou imagem capaz de insinuar ou instigar indiretamente comportamento deplorado pela sociedade.

Se o jornal não pode dar a notícia do esquema montado pela polícia em Alphaville (dois suspeitos foram presos no dia seguinte, independente da operação), então não pode revelar como acontecem determinados assassinatos (porque ensinaria a assassinar); determinados atos terroristas (porque ensinaria a praticar o terror) e, no limite, a televisão não poderia veicular filmes ou imagens violentas (porque estimularia a violência) e nem cenas de amor (porque incitaria a libidinagem). Jornal não existe para fazer a censura moral dos fatos que ocorrem mas sim para reporta-los com exatidão, apresentá-los corretamente e dentro dos padrões sociais do bom gosto. Se determinada informação é sigilosa, cabe a quem a detém (no caso a autoridade policial) zelar para que ela não chegue à imprensa; se ela chega, cabe a imprensa apurar e divulgar.

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Em almoço na Folha, no mês de janeiro, o governador do Paraná, Álvaro Dias (PMDB), reclamou de "parcialidade" do jornal no noticiário sobre o seu governo. Deu como exemplo caso de jornalista da Sucursal de Brasília, Paulino Viapiana, enviado ao Paraná para realizar reportagens sobre o primeiro turno da eleição para o governo estadual, no ano passado. Depois do primeiro turno, o jornalista Viapiana deixou o jornal alegando desejo de voltar à sua cidade, Curitiba. Alguns dias depois a Redação foi informada que ele havia se empregado na assessoria de imprensa de José Carlos Martinez (PRN), então candidato ao governo do Paraná. Para o governador Álvaro Dias, as reportagens de Viapiana serviram aos interesses de Martinez.

Dossiê com a reclamação do governador e cópia do material publicado foi passado a esse ombudsman para exame. Em relatório à direção do jornal, bastante detalhado, eu analisei o caso. Foram seis textos, publicados entre 16 de setembro e 7 de outubro de 1990. Em resumo:

Paulino Viapiana está morando em Curitiba, tem 30 anos, 10 de jornalismo. Me contou ter deixado a Folha no começo de outubro. No dia 20 do mesmo mês foi assessorar o candidato Martinez nos contatos com a mídia nacional. Deixou o emprego após o segundo turno da eleição - Martinez perdeu-a para Roberto Requião. Hoje, o jornalista vive de freelances.

Viapiana considera os seis textos "equilibrados" em relação a todos os candidatos. "Todas as reportagens são verdadeiras", sustenta. Para Viapiana, desde meados de 1989 o governador Álvaro Dias não gosta dele e pretenderia destruí-lo. Essa perseguição teria inicia em análise feita por ele e publicada junto a reportagem da Folha sobre os "altíssimos" gastos do governados com publicidade. O jornalista analisou o desejo de Dias ser a "única" liderança no Paraná.

Do exame do material publicado constatei que o nome de Martinez (ou referência a ele) aparece em quatro dos seis títulos. Dos 172 centímetros do total dos textos, 55 centímetros são sobre Martinez, quase um terço do material, o que mostra certo equilíbrio de espaço entre os três principais candidatos, Roberto Requião (PMDB), José Richa (PSDB), além do próprio Martinez.

O candidato Martinez ocupa o Lide (abertura do texto) de quatro reportagens. Seu programa na televisão é elogiado no quinto texto. Ele não aparece como figura principal do noticiário somente no primeiro dos textos, onde o enfoque principal é para a "crise" do PMDB. Martinez também foi o candidato mais ouvido nas reportagens. Três delas falam sobre seu marketing - copiar Collor - a única crítica encontrável, se é que se pode chamar isso de crítica.

A análise do conteúdo principal de cada reportagem, na ordem de publicação, mostra: a) o PMDB estava em crise; b) o programa de Martinez era o melhor na televisão; c) o PMDB "manobrou" mandando descarregar votos em Richa para evitar Martinez; d) Martinez teve o apoio de Collor; e) o apoio ajudou-o a passar para o segundo turno; f) Martinez se empenhou em alianças para o segundo turno.

Minha conclusão: o enviado especial privilegiou o candidato Martinez (que em setembro, quando começaram as reportagens, sequer estava na frente nas pesquisas do DataFolha - Requião era o primeiro - e acabou ganhando o primeiro turno com pouca vantagem, 25,7%, contra 24,4% de Requião) e tornou-o a figura central de suas reportagens. Não sei se ela "serviram ao seu interesse" mas é inequívoco que os textos eram mais simpáticos a Martinez do que aos outros dois principais candidatos. O distanciamento crítico foi praticado somente em relação aos candidatos do PMDB e do PSDB. O governador e os outros candidatos têm o direito de se sentir prejudicados.

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Diversos leitores responderam à proposta de discutir as reformas do jornal. Passados sete dias é possível ter visão mais abrangente das modificações. Em geral, as mudanças foram muito bem recebidas. Interessa aqui, no entanto, menos os elogios e mais as reclamações, já que o ombudsman catalisa as críticas. Ninguém, até sexta-feira, havia criticado as mudanças em bloco. Os problemas apontados estavam sempre setoralizados. Relato algumas das reclamações mais constantes:
1. Há protestos contra a fusão de parte do caderno de Economia com o de Negócios na criação do caderno dinheiro. Para o publicitário Renato Parente, Negócios "perdeu" com a fusão. Leitores como Sofia Carvalhosa, exigem a volta de informações mais "positivas" sobre empresas e acham que o caderno dinheiro está muito "baixo astral". Outros, como Leonardo Sérgio Nogueira Teixeira, pedem mais informações sobre empresas e o mercado internacional, ponto de honra do antigo Negócios.
2. Os esportistas insistem na volta do caderno de Esportes diário. "Foi um retrocesso", suspira João Bosco, ex-prefeito de Pindamonhagaba.
3. Protestos contra o nome folhateen. Sempre no mesmo no mesmo tom. "Vocês não podiam arrumar nome menos colonizado?", conforme questionou Marília Moreira, de Santo Amaro.
4. A seção "Mortes" ganhou letras maiores mas os leitores pedem mais detalhes sobre locais, nomes de parentes e missas.
5. A foto de satélite sumiu na nova seção sobre o tempo. Para o professor Eduardo Soares, a fotografia é muito importante para quem avalia o clima. Sato Ikebe, dono de loja de material de pesca, usava a oro para orientar pescarias em alto mar.
6. Além dos protestos registrados, pode-se notar que o caderno brasil ainda não conseguiu resolver espacialmente a divisão dos diferentes assuntos em suas páginas. Na sexta-feira, por exemplo, ele aglutinava notícias de escândalos governamentais com as do Congresso, política nacional e estadual, saúde, meio-ambiente, abastecimento, Justiça, Igreja e Polícia. O ordenamento desses assuntos num único caderno continua sendo o grande desafio de paginação da Folha.

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A exemplo do ocorrido na semana retrasada, os brasileiros tiverem seus aparelhos de televisão ocupados na quinta-feira à noite por uma hora de propaganda política na televisão. Primeiro foi o Enéas, do Prona, e, na última semana, o governador eleito do Rio, Leonel Brizola (PDT). Enéas foi praticamente ignorado pelos meios de comunicação. Idem para o programa de Brizola que mereceu deste jornal apenas menção em nota curta. Isso mostra a falta de sensibilidade da Folha (e da mídia) com o cotidiano da população. Nenhum telespectador deixou de comentar as aparições, ver o programa ou desligar a televisão - não deu bola, gostou, ou detestou. Esse distanciamento das coisas do dia-a-dia, da vida, pode custar caro aos jornais.

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Esta Folha publicou, na segunda-feira entrevista exclusiva com Yasser Arafat, líder da OLP, a Organização para Libertação da Palestina. Ela foi concedida em Amã, na Jordânia, ao jornalista José Arbex, atual editor de Exterior e ex-correspondente em Moscou. Ele viajou até lá especialmente para ouvir Arafat. A entrevista - onde Arafat diz que não haverá paz enquanto forem desprezados os direitos dos palestinos - foi o grande diferencial da Folha em relação à imprensa brasileira na semana que passou.


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