Folha de S. Paulo


As notícias e a língua

Achei estranha a manchete da Folha na quarta-feira: "Magri resiste ao abono para salários. Acompanhando pela imprensa a trajetória do ministro do Trabalho, Rogério Magri, e sobra-me a impressão de que a opinião dele não é lá a mais importante no ministério. Mas o texto da primeira página naquele dia informava que Magri era "contra" o abono salarial para quem ganha até três salários mínimos. Instigado pela chamada fui buscar mais informações na capa do caderno de Economia. A manchete interna ia na mesma linha: "Magri é contra pagamento de abono". A reportagem explicava que a tendência, no governo, era a de conceder o abono "como forma de compensar o veto de Collor à indexação dos salários à inflação aprovada pelo Congresso. "Pensei então que o abono deveria sair mesmo e a opinião do ministro Magri não tinha a importância dada pela manchete. Continuei a ler o texto e percebi, no segundo parágrafo, que o Magri previa uma decisão política e não técnica. Estava confirmado então. O abono iria sair independente da posição de Magri. No mesmo dia a manchete de "O Estado de S. Paulo" afirmava que o governo poderia dar dois abonos de 6%.

O matutino carioca "O Globo" também ressaltava algo parecido: "Governo pode dar abono de 12%". Foi quando me dei conta: se o abono ia sair mesmo e a opinião de Magri não era assim tão importante, então a Folha quis ressaltar o fato de o ministro do Trabalhado ser contra os trabalhadores. Só não entendi por que o jornal não escreveu no texto da primeira página que um abono poderia sair - como saiu.

Muitas vezes é curiosa a maneira como uma notícia vai e vem nos jornais - ou num mesmo jornal. Acompanhe, por exemplo, o caso da liberação do preço dos combustíveis.

Numa segunda-feira, 26 de março, a manchete no caderno da Economia desta Folha afirmava: "Combustíveis vão ter preços livres se a inflação for baixa". Baseado em entrevista do secretário-executivo do ministério da Infra-estrutura, Paulo César Ximenes, o jornal pôde bancar o enunciado. Quase três meses depois, em 21 de junho, três notas sobre o mesmo assunto abriram a seção Painel. Diziam, em síntese: o governo concluíra estudos para liberar o preço dos combustíveis : por causa do transporte o produto seria vendido mais caro quando distribuído longe dos locais de armazenamento; para divulgar a idéia, o Ministério da Infra-estrutura aguardava apenas o descongelamento das tarifas e preços públicos. Menos de um mês depois, no dia 5 de julho, "O Estado" manchetava: "Combustíveis terão preços liberados".

No texto de capa anotava: "até o final do mês o governo anunciará a libertação dos preços dos combustíveis, incluindo o gás de cozinha". Acrescentava ser esperada uma "acentuada queda nos preços, sobretudo nos grandes centros do Sul". Dezenove dias depois, em 24 de julho, terça-feira passada, foi a vez de a Folha voltar ao mesmo assunto, agora na manchete de capa: "Ozires quer fim do controle de preços para combustíveis". O texto indicava a disposição do governo de anunciar, nos próximos dias", a liberação do preço dos combustíveis. Não há problema jornalístico quando um jornal recupera ou amplia informação importante (bem ou mal aproveitada) dada por um concorrente. O que leva à reflexão nesse caso é a maneira como a informação foi sendo aproveitada até chegar à manchete da Folha depois de ter sido manchete - com termos semelhantes - em "O Estado". A rigor não era essa a noticia nem a manchete, uma vez que o leitor já sabia da disposição do governo. Poderia ser manchete a informação de que a coisa sai "nos próximos dias", vá lá, menos o que saiu. Afinal, o governo não tem feito outra coisa se não pregar o liberalismo e depois controlar os aumentos. Cochilo do mancheteiro? Memória curta? A não ser o anuncio de que o governo prepara a libertação dos preços "para os próximos dias" (anúncio incompleto porque não define quando) inexistia novidade no material publicado em relação ao que prometera Ximenes e às notas do Painel.Enquanto isso, o leitor (e consumidor) espera os fatos.

Não me sinto suficientemente esclarecido pela imprensa acerca das circunstâncias da morte de Alberto Salustiano Borges, o Chocolate. Segundo a política carioca ele teria se matado por enforcamento. Chocolate foi preso no Paraguai, acusado de integrar o comando de quadrilhas de sequestradores. Acabou morto em sua cela num presídio de segurança máxima, o Bangu 1. "Polícia tem certeza do suicídio de Chocolate", escreveu a Folha em título na sexta-feira (era melhor ter escrito "polícia diz ter certeza", mas tudo bem). O jornal "O Globo" trouxe foto curiosa na quarta-feira. Chocolate estava pendido na cela com as mãos amarradas para trás. A laçada no pulso esquerdo parece frouxa e a do direito não. De certa forma, isso pode levar à interpretação segundo a qual ele teria preparado seu suicídio e amarrado as mãos antes de se suicidar. Conforme a polícia carioca, suicidas amarram o pulsos para não soltar o laço do pescoço com as mãos livres. Não seria o caso de investigar melhor essa história?

Recebo com frequência telefonemas e cartas de leitores reclamando dos erros de português na Folha. Eles realmente são muitos e, de acordo com o último levantamento, atingem uma média de 3 erros de gramática e digitação por página - o mesmo levantamento, feito pela Folha, aponta 3,5 erros em média por página em "O Estado", 3,4 no "Jornal do Brasil" e 3 em "O Globo". Mas o assunto é outro. Com a abundância do noticiário sobre sequestros os leitores voltaram suas baterias contra a falta do trema na letra "u". o sinal gráfico existe em português para indicar exatamente que a letra "u" deve ser pronunciada.

Palavras como sequestro, frequência , sequela, equidade ou pinguim levam trema e o sinal jamais aparece. O jornal, nesse sentido, estaria desenformado e ensinando errado a língua. Tenho explicado aos leitores a origem técnica do problema. As máquinas que fazem a composição das letras, as fotocomponedoras, trabalham com uma matriz de sinais gráficos onde não existe o trema. Essa matriz se chama fonte. Mesmo que um jornalista digite a tecla dos tremas em seu terminal de computador na Redação esse sinal não vai aparecer no jornal impresso. No entanto apareceu agora um fato novo. Mudou o processo de fotocomposição e o jornal passou a ser feito por paginadoras computadorizadas que enviam os textos diretamente para uma máquina a laser onde é possível conseguir o trema com algumas modificações no sistema. Daqui para frente, então, basta a direção do jornal estudar o caso e, se decidir pela grafia correta, solicitar aos técnicos que providenciem as modificações necessárias para conseguir o trema.

Outra coisa que irrita continuadamente os leitores é a regência dos verbos assistir e visar, ambos transitivos diretos nesta Folha. Assim, aqui, as pessoas assistem a televisão e não à televisão visam o bem público e não ao bem público. O "Manual Geral da Redação" não admite contestação: "Na língua moderna o verbo assistir é transitivo direto no sentido de ver e de prestar assistência. "A mesma justificativa, a da modernidade da língua, vale para o verbo visar. O jornal se baseia em gramáticos mais novos e conta como erro sempre que "escapa" um "assistir ao em suas páginas. Esse caso é diferente do trema - que não é usado por um problema técnico, agora com condições de resolução - e decorre de uma análise diferenciada da gramática. Em todo o caso, essa é a explicação para esse erro continuado - para muitos é um grave erro e a explicação não convence. Eu defendo revisão dessa norma. Não se moderniza língua bombardeando essa regência verbal. Mas enquanto a norma do "Manual" vigorar ela está valendo e o ombudsman tem entre suas tarefas a de colaborar na fiscalização do seu cumprimento.


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