Folha de S. Paulo


Déficit de memória e criticidade

Os leitores dos grandes jornais foram bombardeados com novos dados sobre as contas publicadas. Vale a pena comprar o noticiário. "O Globo" adiantou a notícia em manchete na quinta-feira: "Zélia anuncia o fim do déficit publico". O matutino carioca explicava, na capa, que o déficit público de 1989, de 7,2%do Produto Interno Bruto (PIB) "vai se transformar em superávit de 0,8% a 0,9%, segundo anunciará hoje a Ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello". O anúncio foi feito e a cifra era um pouco maior: 1,22%. "Governo corta gastos e anuncia superávit público", afirmou "O Estado de S.Paulo" em manchete na sexta-feira. "Governo promete corte inédito em sua despesas", conforme o "Jornal do Brasil".

Tudo bem. "O Globo" dá o superávit como favas contadas e os outros dois jornais ainda não. O que faltou destacar na capa dos três, tanto nas manchetes quanto nos textos? Algo que apenas os leitores desta Folha e da "Gazeta Mercantil" tiveram nas respectivas primeiras páginas: o governo Collor fez uma revisão de meta. Há havia anunciado a mesma promessa no início do governo. A meta anterior a de atingir um superávit (gasto menor do que a arrecadação) nas contas públicas equivalente a 2% do PIB. Assim, conforme manchete da Gazeta Mercantil. "Reduz-se a previsão do superávit", ou à maneira da capa da Folha, "Zélia altera sua previsão de superávit". Outro dado importante aparece nos dois enunciados: a palavra previsão. E mais outro, não ressaltado: o governo volta com nova promessa bombástica. A ministra Zélia afirmou com toda a pompa tratar-se de "um ajuste sem precedentes na história recente do Brasil e do mundo". O balanço dos cinco enunciados de cinco grandes jornais evidencia mais uma coisa: déficit de memória e criticidade na imprensa.

Aconteceu algo de extrema importância para o Brasil, na quarta-feira. Foi durante a reunião anual de cúpula, em Houston, nos EUA, dos representantes dos sete países mais industrializados, o chamado Grupo dos Sete (Alemanha Ocidental, Estados Unidos, Japão, França, Grã-Bretanha, Itália e Canadá) apesar de serem oito porque o representante da Comunidade Econômica Européia também participa dos encontros. Pois eles mudaram a retórica em relação à Amazônia. Por iniciativa do chanceler alemão Helmut Kohl, os países industrializados acertaram a promoção e o financiamento de um plano de ação multilateral para "salvar" a floresta amazônica, conforme li em "O Globo". Até pouco tempo, países como a França e a Holanda promoviam reuniões internacionais para criar uma política internacional do meio-ambiente e forçar países, como o Brasil, a aceitar seus planos de salvação da Amazônia - à custa de sua própria soberania. Agora, a "política ambiental" do governo Collor ganhou até elogios de Kohl, de acordo com informação publicada em "O Estado". Sem dúvida, o discurso em relação ao Brasil mudou, mas as intenções continuam as mesmas. O leitor da Folha não soube em detalhes do acontecido em Houston porque o jornal não mandou jornalista para cobrir a reunião. "O Globo" e "O Estado" estavam lá e trouxeram noticiário consistente.

A Folha teve de contentar-se com a superficialidade das agências internacionais. "Grandes anunciam plano par salvar a Amazônia", afirmou este jornal sem entender direito que raio de plano é esse. Há uma notícia atrás dessa complexa história sobre a persistente devastação da Amazônia, que mexe com a soberania nacional, atinge poderosos interesses. Os líderes dos países mais industrializados (e mais poluidores) continuam firmes na idéia de garantir a intocabilidade do "celeiro do mundo". Os leitores da Folha souberam disso superficialmente. O jornal considera desnecessário deslocar um jornalista para acompanhar uma reunião de cúpula. Dela saiu notícia importante e delicada par o Brasil. Não existe lógica no jornalismo que justifique esta atitude.

"Festa da Copa mata 4 na Alemanha", dizia título na primeira página dessa Folha na terça-feira. No caderno de Esportes, manchete em página interna não deixava por menos: "Festa do título deixa 4 mortos na Alemanha". Em meio ao quatro parágrafo da reportagem, vinha a "informação". "O balanço da noite de júbilo terminou em quatro mortes". Telefonou-me o sr. Thomas Kemper, alemão radicado no Brasil, para cobrar detalhes tipo como, onde e em quais circunstâncias foram as mortes. "Vocês fazem sensacionalismo com este título e não informam direito", reclamou. O máximo que a Folha conseguiu noticiar, no outro dia e por interferência do leitor, foi que três mortes aconteceram em Bonn e uma em Colônia. E aquela velha regrinha do "lead", sobre informações básicas necessárias em qualquer notícia - o que, quem, quando, onde e como -, foi para as cucuias.

Recebi telex do diretor de Redação de "O Globo", Evandro Carlos de Andrade, cujo teor, na íntegra, é o seguinte: "Ao ombudsman Caio Túlio de Tal. O seu rancor por haver eu tido ocasião de retirar pessoalmente o que já é do conhecimento geral - ou seja, que a Folha cometeu o deslize de contratar para ombudsman um venal que se rebaixa a aceitar estranhos convites do reverendo Moon - leva-o a confirmar-se: além de desonesto, burro, como bem observa Paulo Francis. Que você procure me atrair para a sua companhia, ao referir-se à prática de jornalismo marron (sic), é compreensível. Mas inútil: tenho uma vida dedicada ao jornalismo, e sempre respeitado. Não há de ser um tipo à toa qualquer que conseguirá manchá-la. Imagino a solidão em que se sente, nesse particular, na Redação que emporcalha com sua presença. Poucas vezes vi em jornal tamanha impostura como à sua, de arrivista e aproveitador. Mas, paciência, vivemos, nesta profissão, uma era que abre espaço, às vezes privilegiado, para vigaristas. É parte do preço da liberdade, reconheço."

Como se sabe, faz parte do meu trabalho semanal a crítica dos meios de comunicação. De vez em quando faço reparos ao jornal carioca "O Globo". Na semana passada o próprio Evandro Carlos de Andrade foi criticado aqui. Como sempre, minha observação são lógicas e ponderadas, regidas pelo bom senso. Os termos baixos do telex do jornalista Evandro Carlos de Andrade comprovam que, desacostumados com a crítica racional, muitos reagem na tentativa de desqualificar o ombudsman. Destemperaram-se em ofensas pessoais, calúnias e mentiras - como Evandro já havia feito antes comigo quatro vezes em "O Globo". Nunca respondem nem explicam os erros que cometem. Três também o objetivo de intimidar o ombudsman. É evidente que não conseguirão.

O jornalista Marcelo Moralez não é autor do plágio cometido na "Folha da Tarde", conforme informou sua direção a este ombudsman publicou-se aqui na semana retrasada. O plágio consistiu na cópia inequívoca de trechos de reportagem sobre câncer do "Jornal da Tarde", Moralez procurou-me pessoalmente par defender-se e, a meu pedido. O Editor Responsável da "Folha da Tarde", Adilson Laranjeira, voltou a apurar o ocorrido. Laranjeira descobriu, então, que Moralez não tem culpa e informa que tanto o sub-secretário quanto três redatores envolvidos na edição da página em questão não trabalham mais no jornal. Laranjeira reconhece ter sido injusta à acusação feita a Moralez e acrescenta: "O erro, grave, saiu daqui mesmo, da Redação."

SOBRE OS SEQUESTROS

Sessenta por cento do leitores que ligaram ou escreveram para dar opinião a respeito da publicação de notícia de sequestro em andamento - tendo em vista a situação traumática no Rio - acham que esta Folha erra ao deixar de noticiá-los.

A leitora Vera Lúcia Souto, estudante de Jornalismo e Ciências Sociais em São Paulo, resumiu, de certa forma, a opinião mais corrente. Ela considera a Folha certa ao bloquear a informação em respeito à família e à vida da vítima, propõe uma "grande discussão" do assunto na seção Tendências/Debates e conclui: "já que os outros veículos estão dando a notícia, então a Folha precisa noticiar".

O fato de emissoras de televisão (como Globo, SBT e Manchete) darem a notícia, como estão fazendo já desautoriza o argumento da Folha. Não seria a informação no jornal que iria colocar em risco a vida de ninguém. Entre cartas e telefonemas, recebi 24 manifestações a favor da publicação e 17 contra.


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