Folha de S. Paulo


Ainda os sequestros; além dos chatos

A propósito da coluna de domingo passado. "A imprensa sequestrada", ligou-me Juca Colagrossi, secretário-geral do PRN carioca, amigo da família Medina e um dos homens que negociou com os sequestradores de Roberto Medina. Colagrossi desejava discurtir problemas levantados aqui e acrescentar dados.

Para ele, o "rigorosso controle da qualidade da informação" em casos de sequestros precede a discussão sobre a oportunidade ou não da publicação da notícia. Ele revela ter mudado de opinião, depois do sufoco, e considera a divulgação do fato em andamento importante por duas razões: para a sociedade cobrar medidas das autoridades e ao mesmo tempo "se vacinar", ou seja, permitir que os sequestradores em potencial se defendem de crimes deste tipo. Mas ele reitera que a publicação de alguns detalhes pode ser o diferencial entre a vida ou a morte do sequestrado.

Colagrossi reclama da divulgação de algumas notícias "erradas, mal apuradas" que teriam tumultuado as negociações. Elas também teriam provocado maus-tratos a Roberto Medina por parte de seus captores. Aí vão ao menos três das informações equivocadas anotadas por Colagrossi:

1 - O jornal carioca "O Povo" foi o primeiro a furar o blecaute das informações (o que ele não contesta, hoje), mas estimou o valor do resgate em 10 milhões de dólares enquanto os sequestradores teriam pedido 5 milhões. Ele diz que os sequestradores passaram a desconfiar uns dos outros e "uma parte da quadrilha achou que estava sendo passada para trás". E mais: a informação de "O Povo" se generalizou por toda a imprensa quando a notícia foi desbloqueada.

2 - "Veja" noticiou, durante o sequestro, que a família teria 3 milhões de dólares e não era isso que estava sendo dito aos sequestradores. Ele viu que a revista reafirmou a procedência da informação sem explicar a fonte. Considera irresponsabilidade porque a família não tinha aquele dinheiro naquela semana e os captores se consideram tungados.

3 - "O Globo" editou cronologia do caso no domingo (15 de junho) e afirmou que Rubem Medina, irmão do sequestrado, não tinha "condições emocionais" para negociar e o empresário Alberto Cacciola assumiria seu lugar. Colagrossi não sabe de onde veio a história e sentiu que ela irritou os bandidos. Eles estavam negociando com o próprio Rubem e passaram a duvidar disso.

Colagrossi acha, com razão que a qualidade da informação publicada - bem checada, garantida, verdadeira - é fundamental. Nada de novo em relação à ética do jornalismo, mas coisa que precisa ser repetida ad nauseam neste Brasil. No entanto, o fato de uma pessoa que esteve tão perto de um sequestro ter mudado de opinião e agora concorde com a divulgação da notícia de um sequestro em andamento é uma peça a mais na discussão que se processa hoje em dia sobre os casos de sequestro onde o que interessa, repito, é assegurar o direito à informação sem colocar vidas em risco.

  • Manchete do "Correio Braziliense" na quarta-feira: "Nova medida do Governo penaliza salários". Foi o ex-presidente José Sarney o maior responsável pelo uso do verbo penalizar (causar pena ou desgosto a alguém, afligir, desgostar; conforme o "Aurélio") como sinônimo de punir. Pois o erro já foi para as manchetes e quem acaba punindo é sempre o leitor.
  • Infelizmente sou obrigado a voltar à discussão sobre os limites da crítica. Depois do caso do "mico", contestando nesta coluna há três semanas, a Folha voltou ao ataque. Trocou os micos pelos chatos mas a estratégia permanece igual. Na impossibilidade (estrutural?) de uma crítica racional e metódica, é mais fácil zombar de forma gratuita.

Foi na Ilustrada. "Espécimes da chatolância infestam a telinha", afirmava um título na página de televisão domingo passado. Uma pseudo-radiografia das "zonas mortas" da televisão pretendia detectar os chatos de plantão. Alguns foram identificados como chato gosma, outros como chato missionário, chato esperto, chato beleza, chato telúrico ou chato boca-boca. Além de tudo, nenhuma novidade na pauta. "Veja" já havia se ocupado de assunto idêntico, em janeiro, quando arrolou o "festival de asneiras" na televisão brasileira num tom um pouco acima no índice de ligeireza de uma reportagem .

O empresário Henry Maksoud, contemplado com a definição de "chato missionário", me telefonou indignado. Ele tem um programa nas noites de quinta-feira, na Bandeirantes, e a "critica" da Folha anotou que ele, depois de fazer mais de cem programas , "já conseguiu se soltar bastante, a ponto de incorporar surpreendentes gestos no seu repertório, como piscar e sorrir para a câmera". Seu nariz e orelhas (avantajados) também foram usados para compor o modelo do chato, um Frankensteen estilizado com terno e testa de Fernando Vanucci, cabelo e óculos de Ney Gonçalves Dias, boca (torta) de João Mellão Neto, bigode de Hélio Ansaldo, dentes de Juca Kfouri e a voz de Elia Jr.

Não havia crítica técnica às personagens em questão. Apenas observações sobre dotes físicos ou aspectos de suas personalidades , coisas pessoais, baseadas em idiossincrasias. Como escrever que Sérgio Mallandro tem "dois neurônios", Chico Anysio aprimora seu "reacionarismo" à medida que envelhece... Não se crítica os profissionais pelas informações que trazem ou deixam de trazer, pelo primor na sua apuração, mas pelo que o autor do texto "acha" de cada um deles.

Vejam o exemplo de Alexandre Garcia, jornalista da Rede Globo. Ele é incluído na mesma categoria de Maksoud, a dos "chatos missionários", aqueles que se sentiriam na "missão de levar a Verdade aos lares brasileiros". Se o objetivo era falar mal de Garcia não seria mais correto pesquisar suas aparições na tevê ou então, se isso é muito trabalhoso, pegar o seu livro recente ("Nos bastidores da notícia", editora Globo) e conferir algumas afirmações? Alexandre Garcia chega a dizer que foi até Windhoek, na Namíbia, e fotografou "negros e loiras andando juntos na rua principal, para mostrar os slides aos brasileiros que falam de um racismo que tem mais no Brasil que na África do Sul. Se ele afirma besteiras como estas por que ficar na agressão gratuita?

Criticar é examinar, analisar, expor, comparar, revelar, iluminar. Não é sinônimo de xingar. Não seria mais prático cronometrar o tempo gasto pelo próprio Maksoud consigo mesmo no seu programa e depois conferir com o espaço deixado para seus convidados? Não era mais honesto com os leitores botar na mesa e discutir algumas das idéias do próprio? Veja que o mesmo crítico dos micos, Luís Antônio Giron, foi chamado em ajuda para, na mesma página, destilar suas fantasias em cima dos cronistas de futebol, todos, naturalmente, uns invejosos.

Cultiva-se no Brasil - e já faz tempo - o jornalismo confortável do rótulo, da pecha, do deboche pelo deboche, do maneirismo maneiro. Uns o fazem com mais competência, outros menos, mas a receita é a mesma. No caso dos chatos da Folha ficou chato até a falta de imaginação. Repetiu-se cansativamente o estilozinho impressionista onde a crítica foi trocada pela zombaria, a irreverência substituida pelo ultraje e a liberdade de imprensa, novamente, confundida com irresponsabilidade.

- Mais uma denúncia de plágio chega às mãos deste ombudsman. Desta vez se refere a trechos de dois textos produzidos por Lígia Kosin para o "Jornal da Tarde" descaradamente copiados na "Folha da Tarde" um mês depois. Numa reportagem de saúde, sobre câncer, o "JT" começava assim: "Prevenção e educação. Estas são as palavras de ordem que definem os desafios do Brasil no combate ao câncer nas próximas décadas." Reproduzido agora a primeira frase de um dos textos da "FT": "Prevenção e educação são as palavras de ordem que definem os desafios do Brasil no combate ao câncer nas próximas décadas." São quatro parágrafos, ao todo, que foram reproduzidos com ligeiras alterações.

O editor-responsável da "FT", Adilson Laranjeira, esclarece que o plágio foi detectado na "FT" poucos dias depois de publicado. E acrescenta: "Marcelo Moralez, autor da matéria em questão, free-lancer, foi imediatamente desligado do quadro de colaboradores do jornal por causa do fato."


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