Folha de S. Paulo


Uma história de árabes e judeus

Tenho recebido queixas segundo as quais este seria um jornal "anti-semita". Mas um leitor me ligou certa vez com uma reclamação ao contrário : A Folha "protege" Israel e só dá "noticia ruim" sobre os países árabes.

Nassib Rusdv Rabeh, 37 anos, médico psiquiatra, filho de libaneses, mora em São Paulo - eis o leitor. O Painel do Leitor já publicou uma carta dele e uma queixa telefônica que me fez foi passada à Redação. Os esclarecimentos da editoria de Exterior - na forma de relatório de Jaime Spitzocovsky, o editor - anotavam que o jornal tenta se manter numa posição de equidistância entre as partes envolvidas no conflito do Oriente Médio. A presença de artigos de Paulo Francis sobre este assunto, por exemplo catalisam queixas de perseguição a Israel e anti-semitismo. Leitores de origem árabe se sentem prejudicados quando se noticia o horror de guerra civil no Líbano. Enfim, a editoria analisou a queixa através do prisma das reações "emocionais", típicas num assunto que envolve sem dúvida alto grau de emotividade.

Nassib Rabeh não se contentou com minha resposta, que corroborava a análise do editor. Telefonou novamente e combinamos que ele iria fazer uma comparação sistemática do noticiário da Folha com o se seu concorrente maior. "O Estado de S.Paulo". eu passei a prestar maior atenção no noticiário. Os resultados não são muito bons no que toca à equidistância.

Minha crítica interna da edição de terça-feira (22 de maio) perguntava, se um palestino disparasse sua arma contra vários judeus desarmados, como ele seria chamado pela Folha (e pela imprensa ocidental em geral). Certamente de "terrorista", "pistoleiro" ou algo semelhante. Um dia antes a Folha dava conta de que um "fanático" israelense havia fuzilado árabes desarmados. Fanático é diferente de terrorista. Naquele dia a mesma página relatava a reação de um palestino que atacou um ônibus de turistas na Jordânia, em represália ao ataque do dito fanático. Foi tachado de "pistoleiro" sem o menor pestanejo. A editoria, há que se dizer em seu favor, recheou a página com três textos tentando explicar a conotação política do ataque do "fanático" e informava que a mídia israelense ignorou o contexto político da agressão. Mas, ao mesmo tempo, talvez inconscientemente o "pistoleiro" palestino estava lá para mostrar que o inconsciente se estrutura como linguagem, como disse Jacques Lacan.

Notei também que a Folha estava cobrindo a reunião de cúpula árabe, nos seus dois últimos dias, de uma maneira estranha, dando destaque para coisas menos relevantes. Na última quarta-feira chegou a chamar em sua primeira página um "non-event", algo que não era a notícia. Noticiou o "adiantamento" da decisão da cúpula árabe. Se foi adiada, registre-se mas elimine-se da primeira página. Não havia "noticia" ali. Esta veio no dia seguinte e a Folha colocou-a em segundo plano. A reunião terminou com uma declaração conjunta dos países árabes atacando os EUA pelo apoio a Israel. A Folha preferiu abrir seu noticiário contando que os "moderados" venceram. Punha em segundo plano o resultado prático do encontro e dizia que a declaração final tinha evitado termos "duros".

"O Estado", um jornal conservador, manteve-se equidistante. Informou, por exemplo, que os países responsabilizaram os EUA pela política de "agressão terror e ocupação" de Israel. Se esses três termos - agressão terror e ocupação - são "moles" então a política de Israel é de afago aos palestinos. A Folha omitiu esta frase importante, e nada mole, do comunicado final.

No dia em que a crítica interna registrava esses problemas, o leitor Nassib veio até o ombudsman. Trouxe recortes da Folha e de "O Estado", de 15 a 27 de maio. Apontou problemas importantes que escaparam à leitura do ombudsman e revelam falhas deste jornal.

Em 15 de maio, a Folha dava de barato que os territórios ocupados por Israel (Cisjordânia e Gaza) já seriam territórios israelenses. Noticiava uma manifestação contra a política de ocupação dos territórios (Israel pretende ocupar os lugares com judeus soviéticos) e registrava: Os manifestantes protestavam contra a imigração de judeus soviéticos para Israel".

No mesmo dia "O Estado" era mais equilibrado ao dizer que tropas do exército jordaniano dispersaram manifestantes "que tentavam entrar na Cisjordânia ocupada por Israel". Na edição seguinte, a Folha ignorou notícia segundo a qual policiais reprimiram colonos israelenses que invadiram bairros árabes em Jerusalém, apedrejaram casas e destruíram veículos. "O Estado" deu bem. No mesmo dia, a Folha noticiou que o líder soviético Mikhail Gorbatchev condenou o assentamentos de judeus soviéticos nos territórios ocupados ( neste dia a Folha acertou os termos) e afirmou ser essa a primeira vez que Gorbatchev demonstrava "apreensão". Comparado com o noticiário de "O Estado", a Folha ficou aquém na notícia Gorbatchev não estava só apreensivo. Disse mais : "Obrigar quem se estabelece em Israel a fazer isso (ir para os territórios) é uma brincadeira imoral e perigosa". Mais dois termos - imoral e perigosa - nada moles...

"O Estado" noticiou em 18 de maio a uma reportagem sobre profanação de túmulos que dois israelenses haviam pichado 15 túmulos em Haifa, com a seguinte inscrição: "os árabes destruirão os judeus". A Folha não teve dúvida. Como se tratavam de pichadores judeus o título era simples: "Loucos de Haifa profanaram para unir população". As duas últimas palavras vinham aspeadas. O uso da palavra "louco", é significativo. Qualifica moralmente o protesto. Se fossem árabes, certamente não seriam loucos...

"Manifestações se alastram por Israel, 4 mortos", foi a manchete da página inteira da Folha em 22 de maio. Mais uma vez se toma território ocupado por Israel. Como o texto informava, os protestos mais violentos e as quatro mortes ocorreram em Gaza. Ness mesma página Jerusalém é ressaltada em mapa, em negrito, como se fosse a capital de Israel. "Nem os americanos reconhecem Jerusalém como a capital e a Folha já aceita?", perguntou Nassib Rabeh.

Ele fez outras observações. No entanto, o importante nessa comparação é que falta equidade no noticiário da Folha sobre o Oriente Médio. Não vejo esse problema como algo deliberado, fruto de polícia editorial definida ou "lobby" judaico. O jornal chegou a cometer exageros ao contrário. Noticiou a profanação de túmulos judeus na França, por exemplo, com um dia de atraso. Acredito, contudo, na necessidade de um equilíbrio - o suficiente para contentar os dois lados e contemplá-los com informação mais isenta possível. Se o leitor Nassib Rabeh acha que "O Estado" conseguiu isso no período examinado, toureando até as agências de notícias americanas, então por que a Folha não pode fazer o mesmo?

RETRANCA

Este ombudsman foi alvo de um ataque sórdido e covarde por parte do jornal "O Globo" na quinta feira. Nota intitulada "Moonsman", na página 10, afirmava: "Os organizadores da recente reunião de Ombudsmans, realizada em Chicago, só tardiamente descobriram, com enorme constrangimento, que, entre os inscritos, infiltrara-se um dissidente moonsman - que faz viagens internacionais pagas pelo famoso Reverendo Moon. Após maiores apurações, soube-se que o infiltrado é brasileiro e trabalha numa paulista.

  • O ataque é covarde porque sequer tem a coragem de dar o meu nome. Caio Túlio Costa, o único ombudsman em São Paulo e em toda a América Latina, por enquanto. Omite meu nome para se precaver um processo por difamação, calúnia e injúria - daí sua pusilanimidade. Covarde porque mente ao dizer que a reunião foi em Chicago (ou então é burrice, mau jornalismo). Ela aconteceu em Williamsburg, nos EUA, conforme sabem os leitores desta coluna - e os diretores de "O Globo" são meus leitores assíduos. Ao grafar Chicago, o autor pretendia alegar em juízo que se tratou de "outra" reunião e eu não teria do que reclamar. Não irei à Justiça. Prefiro desnudar a manobra aqui e agora com a transferência que caracteriza todos meus atos e críticas.
  • A nota de "O Globo" é uma invencionice. A julgar pelo seu conteúdo desinformativo, os leitores do matutino carioca estão autorizados a duvidar da veracidade de suas informações. Pertenço desde o ano passado à ONO, Organization of News Ombudsmen. Fui convidado para o encontro anual como todos os colegas Ombudsmans. Minha viagem foi paga pela Folha, jornal para o qual trabalho. A nota é mentirosa quando diz que o ombudsman "faz viagens" internacionais pagas pelo Reverendo Moon. Fiz uma única viagem a convite da World Media Association, entidade que pertence ao Reverendo Sung Myung Moon. Prestei contas disso nesse espaço, em 15 de abril passado. Participei de um congresso internacional de comunicações em Moscou. Os leitores de minha coluna sabem o que aconteceu lá e quem financiou a viagem.
  • Tentei falar com o diretor de Redação de "O Globo", Evandro Carlos de Andrade, na quinta-feira. Ele esteve em reuniões, almoçou até as 16h e às 18h05 já tinha ido para sua casa, conforme me disseram no seu gabinete. Consegui falar com Merval Pereira, da direção do jornal. Ele disse que não tinha lido a nota no dia anterior, perguntou-me se eu era o único ombudsman em São Paulo e assegurou que iria transmitir o meu protesto ao autor da nota. Merval foi muito cortês.
  • Na sexta-feira pela manhã, Evandro Carlos de Andrade me ligou. Eu disse que a nota era sórdida, insidiosa. Ele retrucou reclamando que sou eu o sórdido tenho "preconceitos" em relação ao "Globo" e já declarei "preferir" o "Jornal do Brasil". Desafiei-o a provar então quando é que eu tinha qualquer coisa para atacar o "Globo", porque eu não invento notas conforme eles fizeram comigo. Faço críticas racionais e lógicas, todas comprovadas. Evandro disse que não queria continuar o "bate boca" e bateu o telefone no gancho.
  • A propósito, eu presto contas de minha viagens em público, Evandro Carlos de Andrade, por exemplo, foi um dos que acompanharam o então presidente José Sarney na sua viagem à URSS, França e Portugal, no ano passado. Viajou às custas do dinheiro do contribuinte, como cortesão de Sarney. O jornal carioca sequer informa quem é que pagas as viagens de seus jornalistas, como faz esta Folha. Para finalizar saiba o leitor que isto não me intimida e que continuarei o meu trabalho de crítico dos meios de comunicação enquanto dura4r meu mandato. Doa a quem doer.

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