Folha de S. Paulo


Dados preocupantes

O presidente Fernando Collor anunciou que a inflação está "liquidada". Economistas discutem se isso procede. Divergem também quanto ao tamanho da recessão, se pequena ou grande. Quase ninguém a descarta. Há quem diga que o plano econômico do governo já naufragou. Em poucas palavras: não existe consenso, ainda, sobre os resultados das mudanças efetivadas na economia brasileira.

Pesquisas de opinião têm sondado a disposição da população. Assalariados alimentam o consumo, a classe média muda seus hábitos e empresários se viram para arrumar dinheiro para honrar seus compromissos. Para sentir mais de perto qual a situação real de várias empresas, a Federação das Industrias do Estado de São Paulo (Fiesp) realizou na terceira semana de abril uma sondagem entre 755 empresas paulistas , responsáveis por 497 mil empregos. O levantamento ganhou destaque na grande imprensa.

"Fiesp: Indústria retoma o ritmo", escreveu em manchete "O Globo" de terça-feira. "Indústrias já dão sinais de reaquecimento", anotou "O Estado de S.Paulo" no mesmo dia, também em manchete. Esta Folha optou por leitura diferente dos dados e, se evitou sensacionalismo com sua interpretação em manchete, não deixou de registrar em sua primeira página que a pesquisa revelava que "os empresários planejam aumentar as demissões como forma de enfrentar a recessão". Internamente a Folha dizia em título: "Demissão deve subir, diz pesquisa da Fiesp."

Enquanto "O Globo" e "O Estado" faziam aquilo que se pode chamar de um "press-release" da pesquisa (e portanto do governo, porque ressaltaram o lado mais positivo da sondagem), a Folha fez o caminho inverso e destacou os seus aspectos mais negativos - não sem deixar de registrar informações as quais os dados indicaram também uma melhora nos pedidos da segunda quinzena de março.

A maneira crítica como a Folha abordou o assunto é louvável, porque realista. Jornal não existe para repetir como matraca o falatório oficial ou oficioso. Mas não existe também para fazer generalizações apressadas. Nem para distorcer informações. Ao descarregar sua criatividade na interpretação da pesquisa da Fiesp Folha acabou cometendo dois equívocos.

Primeiro, o da generalização: escreveu duas vezes que "os" empresários do Estado planejam aumentar as demissões e uma vez que planejam reduzir jornadas de trabalho (e consequentemente os salários) para enfrentar a recessão. O jornal seria mais preciso, mais exato, se dissesse que "pare" dos empresários do Estado pensam em adotar esses procedimentos. Na realidade, uma minoria deles revela que pretende efetuar demissões : 14,37%. Quando à redução da jornada de trabalho; são 28,99% que planejam negociá-la com os empregados.

Esses dados estão na própria Folha e não autorizam a generalização. A-i-n-d-a não autorizam - para ficar no ceticismo saudável que norteou a reportagem

Segundo, o da distorção: conforme a Folha o questionário da Fiesp mostrou outro "dado preocupante" : 1,85% dos consultados "afirmara que não pagaram sua folha salarial em março". Um exame no original da sondagem mostra que, na realidade, 1,85% disseram que não pagaram "totalmente" a folha salarial de março, o que é bem diferente de simplesmente não pagar. Além do que, a porcentagem (1,85%) é muito pequena para corroborar o uso da expressão "preocupante". Mesmo que se leve em conta que ela tenha a ver com a frase seguinte da reportagem - dava conta de que 10,43% dizem não ter recursos para honrar os salários em abril - o dado "preocupante" ficaria nos limites de uma recessão pequena, algo inevitável quando a decantada liquidez foi tão violentamente estancada. Mais uma vez , esse dado ainda não é preocupante. Pode sinalizar preocupação, isto sim.

Entro nesse assunto porque a Folha se recusou a corrigir esses dois equívocos nas suas páginas com um simples "Erramos". O ombudsman observou esse problema em sua crítica interna diária, recebeu relatórios contestando-o, respondeu com argumentos lógicos e teve como retorno um arrogante "a editoria da Economia mantém as informações publicadas sobre a sondagem da Fiesp", assinada pela própria editora do serviço. Foi requisitado o original da sondagem e, depois de analisado, solicitada formalmente uma retificação à direção do jornal, que decidiu não fazê-la.

A Folha entende ter acertado na análise global da pesquisa. Mas, se saiu-se bem no atacado, erros no varejo. As considerações de que a recessão que se esboça é mais forte do que se imagina, que o desemprego deverá ser grande, precisam ser respeitadas. No entanto, minhas observações me parecem cristalinas antes às exigências de precisão do próprio "Manual Geral da Redação". Não se fará um jornalismo com credibilidade neste país enquanto não houver uma obstinada preocupação com a exatidão da informação. Transcrever com fidelidade os dados é a tarefa primeira de qualquer jornalista.

RETRANCA

O esforço do jornal carioca "O Globo" em promover o governo Collor é sensibilizador. Ele trouxe informações em sua capa, na quarta-feira, dando contra de que a "Inflação em cruzeiros pela Fipe foi de 0,72%". Mas título e texto esquecem o fundamental. "O Globo" omite em sua primeira página que o dado se refere apenas ao "município" de São Paulo. Dava a impressão de referir-se a todo o país.

  • O leitor Lázaro Curvêlo chaves, de Niterói (RJ), escreveu pedindo para a Folha criar um "espaço novo, diário ou semanal" para o debate entre leitores, no mesmo estilo da seção Tendências/Debates. Sua carta foi analisada pela direção do jornal. Ela esclarece que "por enquanto, o espaço reservado aos leitores é o Painel do Leitor". Isto foi escrito em carta ao leitor. Ele escreveu de volta sugerindo que eu publicasse sua solicitação e a resposta. Está feito.
  • Nove leitores ligaram para contentar os critérios utilizados pela Ilustrada na elaboração dos quadros publicados na sua capa de sexta-feira. Ali se listavam os artistas que "já vieram ao Brasil", "não deveriam ter vindo" e "não precisam vir". As idéia da brincadeira não é ruim mas a maneira como foi realizada é de um amadorismo pueril. Ali se diz, por exemplo, que Madonna "poderia vir" e cantora australiana Kylie Minogue "não precisa vir". Podia ser o contrário nesse vale tudo.
  • O que mais incomodou os leitores que ligaram no entanto, foi a falta de método, de uma lógica na escolha dos nomes. O jornal precisava ter dado alguma razão para a inclusão de um ou outro nome nessa ou naquela lista, se é que queria criar polêmica inteligente. Acabou provocando uma irritação desnecessária. "Não estão listados outros quarenta artistas que já vieram", disse o leitor carioca Vitório Giovanni. Ele se referia a Frank Sinatra e Alberta Hunter (mencionada em outra reportagem da mesma Ilustrada), por exemplo, que já estiveram no Brasil e fora esquecidos pelo quadro. Ele acrescenta: "Não sei de quem é a responsabilidade e até meio fascista, não é gentil, há gosto para tudo".
  • O presidente Collor continua esbanjando competência na administração de seu marketing pessoal. Esta Folha, depois de dedicar quase a metade superior de sua capa, na segunda-feira, para uma péssima foto do presidente a bordo de F5-B, decidiu registrar sem muito destaque sua incursão a um supermercado em Brasília, na quarta-feira. Corrigiu o exagero com carência. Deu um texto muito resumido sobre a visita do presidente ao Carrefour. O leitor da Folha não soube por exemplo que ele mandou recolher as batatas estragadas, pediu autuação do supermercado por causa disso e pechinchou na compra de fósforos. Não é omitindo informações, perdendo oportunidades de contar boas histórias e publicando resumos mal feitos que se vai ser mais ou menos crítico em relação aos gestos publicitários de Collor.

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