Folha de S. Paulo


Pravda, o paquiderme em marcha

Um dos maiores problemas dos diretores do "Pravda" o vetusto diário do Comitê Central do Partido Comunista da URSS, é exatamente o que fazer com a principal de suas editorias de Exterior a que trata dos países socialistas, "Não sabemos mais como vamos chamar esta seção", confidenciou a este ombudsman o diretor-adjunto da Redação, Anatoly Karpichev. "E isso não é brincadeira", enfatizou, ante meu sorriso maroto:

Os ventos de glasnost (transparência) e da perestroika (reconstrução) sopram este enorme e aparentemente inamovível matutino de 78 anos. O próximo congresso do partido, previsto para inicio de julho, deve discutir inclusive a transformação do jornal em órgão do partido e não mais somente do comitê central. Há dois meses Gobatchev colocou na direção da Redação um de seus maiores íntimos amigos, Ivan Florov, visto dentro da redação mais como "filósofo" e "intelectual" do que jornalista (prova de que o esprit de corps entre jornalistas é universal) com a missão de dinamitar vícios arraigados.

"Vamos mudar esta estrutura porque a vida está andando", resume com bonomia o esguio Karpichev, 53 anos. Convidado a definir o trabalho de edição e decisão no "Pravda", ele explica que as notícias são trabalhadas com urgência, escritas e publicadas. "O Pravda é um jornal como todos os jornais", afirma.

Não é. A começar pela estrutura de jornal partidário, porta-voz de partido. Tira mais de oito milhões de exemplares, custa a metade do preço de um jornal brasileiro, perdeu trinta por cento dos leitores somente no ano passado porque não conseguia acompanhar as mudanças na sociedade soviética e, mesmo com o sopro da renovação, continua com títulos tão estimulantes quanto pode sê-lo um catálogo telefônico: "Sete notas para o Parlamento"; "Um passo para a paz"; "Garantias para a juventude", "Reunião do Conselho presidencial", alguns de suas primeiras páginas nesta semana.

Esses títulos introduzem enormes artigos (oito laudas em média) espalhados páginas a dentro nas antiquadas oito colunas de paginação . "Não são muito longos? - pergunto. "Sim" - responde Karpitchev, explicando então que os artigos sempre são extensos porque os jornalistas ganham o salário mais um "extra" pela quantidade de linhas escritas. Quanto maior mais ele ganha. Estão finalmente explicados os tijolaços e a prolixidade dos articulistas.

E a renovação, as mudanças tecnológicas, a inclusão de cores? Nada se faz sem dinheiro, reconhece o diretor-adjunto. E dinheiro para modernizar o jornal do existe. Dentro de um ano o "Pravda" vai aceitar anúncios, no estilo "informe publicitário". O insuficiente, entretanto, para a imprescindível revolução tecnológica. "Estamos atrasados 50 anos", lamenta Karpichev. Sua sala ostenta um terminal de computador encostado num canto, sem uso. As oito páginas diárias do "Pravda" ainda são impressas a quente, em gráfica dos anos cinquenta (aliás, tudo aqui na URSS lembra os anos 50, moda, hábitos e design). Mas o diretor-adjunto me exibe um exemplar comemorativo "a cores" - azul e preto, o máximo!

A redação em nada se parece com uma redação tradicional. Seus profissionais ficam enfurnados em salinhas, às vezes dois em cada uma. Os longos corredores de seu edifício de oito andares no número 24 da rua Pravda (cuja tradução é "o certo" porque "verdade", usada como tradução de pravda, enquanto categoria filosófica, se escreve "istna"), escondem no entanto a maior preciosidade do jornal, que não tem ombudsman, não precisa de crítico interno (porque todos são adeptos da "autocrítica permanente"), mas recebe cerca de duas mil cartas por dia, 25 vezes mais do que esta Folha e o ombudsman juntos.

Elas vêm em envelopes padronizados (como tudo por aqui), acondicionadas em enormes sacos de lona cinza, a maioria manuscrita. Oitenta jornalista trabalham na seção (são mais de 150 na redação, 45 correspondentes estrangeiros e 60 correspondentes espalhados nas 15 repúblicas) e cada um tem a obrigação de responder a 40 cartas por dia. Todas são fichadas com data de entrada, seção encaminhada e data de resposta. Muitas delas são respondidas diretamente pelos jornalistas encarregados dos assuntos específicos.

A chefe do atendimento das cartas a russa Tatiana Samólis (casada com um letão, da Letônia, uma das repúblicas bálticas em conflito de nacionalidade com a URSS e portanto com profundas discussões domesticas) diz que a maioria de moradia. "Quando as autoridades não resolvem o problema, eles escrevem para o jornal", explica, acrescentando que a cara então pode servir como pauta, instrumento de reportagem nas regiões ou localidades de onde procedem. O jornal chega ao ponto de convocar a autoridade em questão pelo telefone. Órgão de partido é assim

Nesse último ano aumentou a quantidade de cartas "politizadas". Para os leitores "de idade", contra Tatiana, o processo pelo qual passa o país é uma verdadeira "catástrofe", uma tragédia pessoal. "Muitos se sentem como se a vida fosse inútil, como se tivessem fracassado na vida inteira". E os mais jovens? "estes querem ações mais rápidas e mais avançadas, eles vêem o que se passa na Europa Oriental e não querem perder tempo", revela Tatiana.

Ela mesma, 43, anos, escreveu um artigo no "Pravda" no ano passado que foi uma verdadeira bomba (no dizer de Oleg Ignatiev, ex-correspondente no Brasil, 66 anos, 20 dos quais no "Pravda") dentro do partido. Sob o título "Limpeza" e com base nas cartas de leitores, Tatiana denunciou a "casa parasitária" no partido. Obteve reação indignada de Igor Ligarchov na tribuna, líder dos conservadores, o maior adversário de Gorbatchev.

O "pravda" dedica também bastante espaço para as cartas. Geralmente elas ocupam dois terços na sua terceira página e às vezes chegam a encher até duas páginas nos grandes momentos, como quando se aproxima uma conferência ou congresso comunista. "Como não temos um judiciário em dia - analisa Tatiana -, o jornal se torna a última instância da defesa do cidadão". Mas na defesa daquilo que, por enquanto, os partidários de Gorbatchev consideram defensável.

RETRANCA

  • Este ombudsman participou nessa semana da décima-primeira Conferência para o Progresso do Intercâmbio Mundial da Informação, em Moscou. O evento conta com a singular co-produção da agência de noticias Novosti e a World Media Association, uma das organizações do coreano Sung Myung Moon, o reverendo Moon, da seita Moon.
  • O reverendo Moon reuniu em Moscou 40 ex-chefes de Estado de diversos países (a maioria latino-ameridanos), uma centena de políticos e quase três centenas de jornalistas e intelectuais de diferentes correntes políticas exatamente para servir de caixa de ressonância à introdução do seu Movimento de Unificação na União Soviética. Neste sentido, o seu marketing foi perfeito.

Depois de quatro dias de discussões sobre o papel dos meios de comunicação, a importância da glasnost e da perestroika em todo o mundo, a preservação do meio ambiente etc., Moon foi recebido por Gorbetchev e sua mensagem ganhou espaço na televisão e na imprensa. É o apóstolo do anticomunismo com espaço e liberdade de expressão no pais que deu à luz ao comunismo e agora se apressa a enterrá-lo.

  • A delegação brasileira na conferência foi formada pelo senador Jarbas Passarinho, pelo ex-embaixador J.O. de Meira Denna e pelo deputado estadual do PDS paulista, Marcelino Romano Machado - além deste ombudsman.
  • O senador Jarbas Passarinho ocupou os microfones no plenário da sessão de encerramento para lançar uma inesperada "moção". Um pouco antes o ecologista inglês Keneth Mellanby havia conseguido aprovar uma moção para que os países em desenvolvimento não "desperdiçassem" o dinheiro "dado" pelos países desenvolvidos para prestação do meio-ambiente. Passarinho deu o troco. Lançou a proposta de que os países desenvolvidos se comprometem a evitar a poluição atmosférica, da qual são os maiores responsáveis por causa das toneladas de gás carbônico que lançam anualmente na atmosfera.

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