Folha de S. Paulo


Os limites do ombudsman

O ombudsman acaba de completar seis meses na Folha, neste período foram atendidas mais de 3.600 ligações telefônicas, cerca de duas mil cartas respondidas de próprio punho e mais de oitenta leitores foram recebidos, em pessoa. Estatísticas, neste caso, dizem pouco. Um pequeno balanço desse semestre inicial mostra porque.

A data coincide com o recebimento de três cartas arrasadoras. A começar pela crítica do próprio termo, ombudsman (pronuncia-se ombudsman), de fato horroroso - que já pegou; no entanto. Numa dessas cartas sou acusado de ter "derrapado" nas funções e ficado "em cima do muro" no episódio da invasão daFolha perla polícia do presidente Collor. Noutra, passo por um profissional preocupado com as "matters og high relevancy, but of no practical importance" (assuntos de alta relevância, mas de nenhuma importância prática - o leitor escreveu em inglês). Um terceiro revela: "nunca compactuei com as críticas deste ombudsman pelo fato de não trazer nenhum enriquecimento jornalístico ao jornal".

Como se vê, além do fogo cruzado de leitores pró e contra o governo Collor, enfrento leitores contra mim mesmo. "O ombudsman do "The Washington Post", Richard Harwood, se debatia há pouco tempo em sua coluna com uma carta ainda mais severa porém anônima: "Você não é ombudsman coisa nenhuma. Você normalmente não é nada a não ser um articulista da página de opinião ou algum professor de faculdade fazendo uma palestra. Eu acho que você passou muito tempo na cama das elites do 'The Post' para fazer o papel de ombudsman.

Nem o principal e mais comentado dos ombudsman de imprensa está livre da contestação. Os maiores problemas que enfrento estão, no entanto e de certa forma, sintetizadas nas cartas citadas. Os três leitores reclamam, no fundo, do próprio jornal, de atitudes, princípios, posições editoriais e jornalísticas do jornal - ou do ombudsman que não o chama às falas. Cabe saber quais os limites do ombudsman, o xis da questão.

Um deles afirma que eu me limito a "apontar erros e criticar de forma arrogante". Outro acha que se eu lesse a Folha teria percebido que "Joelmir deve vir antes de Joyce no índice da primeira página" (isto foi corrigido depois dessa carta). O terceiro sentencia que eu "era" a consciência crítica do jornal.

Depois de seis meses eu acreditava que algumas coisas simples teriam ficado claras. Primeiro: o ombudsman não é super-homem. Segundo: ele não resolve problemas particulares de leitores imaginosos, aqueles que sempre encontram jeitinho par sentiram-se "prejudicados" pelo jornal e exigir soluções fora da alçada deste profissional( que é o ombudsman da Redação da Folha e não da empresa que a edita) e do próprio jornal.

Ainda não ficou muito clara, no entanto, a existência de problemas objetivos e subjetivos. Neste sentido, uma definição mais objetiva do papel do ombudsman se impõe. Se alguém me liga apontando um erro factual (uma informação errada de nome, de localização, data, cifra, um fato histórico, um evento, uma declaração distorcida, etc.) isso tem uma pronta retificação. Já mostrei aqui a duplicação de "Erramos" depois que o ombudsman passou a atender os leitores. Ainda assim, alguns problemas bem objetivos ainda estão sem solução e apesar de apontados. Os leitores do primeiro clichê, por exemplo, continuam sem os resultados dos jogos de futebol das quartas-feiras. Eis aí um problema objetivo criticado e não resolvido.

Mas as questões mais subjetivas nem sempre são resolvidas pelo jornal conforme o leitor deseja. Exigem outros métodos de aferição e análise. As opiniões dos leitores são sempre passadas à Redação, na forma de comunicados, relatórios ou cópias das cartas recebidas. O jornal as analisa e procede de acordo com sua linha editorial. Tudo o que ajuda a melhorar o produto eu sinto que é bem recebido pela direção. Nem tudo, porém, pode ser resolvido a contento. Há leitores que insistem em ditar para o ombudsman a manchete do dia seguinte:

"Viva a democracia! Viva o Congresso! Viva o Judiciário! Via o Executivo!" - conforme me exigia um leitor anônimo ainda esta semana. Não é assim que se fazem manchetes. Elas dependem de algum fato específico. Existem também os que ligam para discordar da "linha" do jornal e telefonam de novo para dizer que o jornal não mudou a "linha". Nessa hora, realmente, a conversa fica difícil.

Neste caso, o papel do ombudsman é o de intervir a favor dos leitores, representar as diversas opiniões (mesmo quando discordantes), levá-las até a direção do jornal para conhecimento. Isto tem sido feito. O que o ombudsman não pode, entretanto, édiscutir opiniões, dizer qual idéia está certa ou errada, enveredar pelo caminho fácil da retórica e sair disparando dardos contra tudo e contra todos, ou a favor, como se estivesse acima do bem e do mal.

Cabe ao ombudsman a crítica técnica. Se uma opinião está embasada em em um fato distorcido, ele deve demonstrar racionalmente como ocorreu a distorção. Isto sim pode colocar em dúvida determinada opinião, porque baseada em dados ilegítimos. Quando aponto má intenção de alguém em divulgar alguma informação tenho de provar isso por a + b, como num teorema. Caso contrário estarei fazendo proselitismo e não crítica. E a crítica, Walter Benjamim ensinou, pode ser ela mesma uma obra de arte autônoma.

Independente desta coluna, não estou na função para discordar ou concordar. Tenho de servir de elo, antena, representante das causas dos leitores desde que elas tenham algum fundamento jornalístico. Em março, referindo-se aos Ombudsmans de bancos ingleses, o "Financial Times" sentenciou que eles podem "remover montanhas". Força de expressão, evidentemente. O ombudsman da Folha não remove montanha mas realiza diariamente uma crítica interna do jornal onde são incorporados muitas das observações feitas pelos, leitores (em carta ou por telefone) e recebe, analisa e checa todas as queixas relativas à parte editorial. Há casos que viraram volumosos "processos" contendo observações dos leitores, defesas dos jornalistas e a sugestão final do ombudsman. Cabe ao jornal acatá-las ou não. O ombudsman da Folha é uma espécie de promotor que investiga e um sem-juiz que sugere saídas. Ele tem como último recurso essa coluna à qual recorri em pouquíssimos casos (seis vezes em seis meses) para corrigir equívocos que o jornal não conseguiu resolver nas suas próprias páginas. E o farei quando for necessário.

Nestes seis meses, quero crer, os leitores da Folha tiveram a quem recorrer. Muitos, seguramente, não viram seus casos ou pedidos resolvidos. Mas sabem que eles foram encaminhados. Das pessoas que me procuraram, e se identificaram corretamente nenhuma, absolutamente nenhuma ficou sem resposta.

RETRANCA

O ombudsman da Folha participa nesta semana da décima primeira Conferência Mundial de Comunicação, em Moscou. Serão discutidos assuntos ligados ao estreitamento nas comunicações entre países do Leste e do Oeste, cooperação internacional na preservação do meio ambiente e as implicações globais da glosnost e da perestroika. Estão sendo esperados em Moscou mais de trezentos profissionais das comunicações e líderes políticos. Lech Walesa e Hemur Schmidt entre eles. Dos jornais brasileiros somente este ombudsman foi convidado. É uma promoção conjunta da Novosti, uma das agências de notícias soviéticas e da World Media Association de Washington.

  • Em virtude dessa viagem, os leitores não poderão falar com o ombudsman por telefone durante esta semana. Mas podem deixar recados no tel. (011) 874.2896. o retorno será dado. A partir do dia 16 de abril o atendimento volta ao normal
  • Recebo do estudante mineiro Fernando Furtado uma denúncia de plágio. Ele tem 25 anos, estuda jornalismo na PUC de Belo Horizonte e costuma ler e recortar jornais. "Para montar um arquivo", disse-me ao telefone. Foi numa destas que descobriu dois textos idênticos em jornais diferentes e sob assinaturas distintas.
  • Fernando Furtado havia lido na Ilustrada, 14.2.90 um crítica a um álbum duplo comemorando os dez anos da gravadora 2-Tone. "The 2-Tone Story", recém lançado no Brasil. O texto era assinado por Jean-Yves de Neufville, da Folha.
  • Qual não foi a surpresa de Furtado ao ler a mesma crítica na "Segunda Seção", do "Estado de Minas", o jornal de maior circulação no Estado. Ele me mandou um fac-símile. Realmente o articulista Paulo Boa Nova não teve receio de copiar vários trechos da crítica de Neufville. Omitiu apenas algumas frases e mudou algumas palavras. Copiou também um quadro realizado pela Folha onde Jeery Drammes comentava o trabalho de quatro bandas incluídas no tal álbum, aquilo que a Folha chamou de "estrelas" da gravadora 2-Tone.
  • Reproduzo o primeiro parágrafo da Folha: "Editada ano passado na Inglaterra, essa coletânea comemorativa dos dez anos da criação da gravadora 2-Tone é um registro precioso da história recente do rock britânico. Suas 26 faixas, na maioria compactos raros, são representativas de um período (1979-84) em que uma única música poderia mobilizar a juventude simultaneamente nas pistas de dança e em torno de uma causa política."
  • Segue agora o primeiro parágrafo assinado por Boa Nova: "A Emi-Odeon põe na roda o álbum duplo. "The 2-Tone Story", uma coletânea comemorativa dos dez anos de criação da gravadora 2-Tone. Sem dúvida, trata-se de um registro preciso da história recente do rock britânico. São 26 faixas, na maioria compactos raros representativos de um período (1979-1984) em que uma única música podia ao mesmo tempo mobilizar a juventude nas pistas de dança e em torno de uma causa política. "E por aí vai."
  • Falei com Paulo Boa Nova. Ele estuda jornalismo em Belo Horizonte,. Tem 23 anos e é um colaborador eventual de "Segunda Seção" do "Estado de Minas". Disse-me que havia coletado material sobre o disco, deixam na redação e "alguém" publicou em seu nome. "É um problema infeliz e chato, não houve má fé", sustenta.
  • O editor da "Segunda Seção Ângelo Oswaldo, também diz que aconteceu um "equívoco" e o texto "não era para ter sido assinado". Ele informa ainda que o estudante Fernando Furtado o havia procurado com o mesmo caso mas não pôde comprar os textos. Com ou sem assinatura no entanto, o plágio é inegável.

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