Folha de S. Paulo


Uma semana de vários equívocos e um acerto

O Brasil entra na era Collor ou Collor já era?

Leitores telefonam e escrevem para atacar ou elogiar o caderno da Folha com este nome. Os responsáveis pela Redação me garantem não existir absolutamente segunda intenção, a de passar ideia do "já era". Alguns leitores acham que sim. Outros dizem o contrário e insistem na inclusão do artigo "a" antes do Era. Houve quem encontrou neste nome até subserviência ao futuro governo, prova que o jornal "colloriu".

Análise cuidadosa e comparativa do jornal durante a semana, no entanto, mostra que não se trata nem de uma coisa nem de outra. A Folha tropeçou várias vezes na cobertura de fatos ligados ao novo governo. Quase perdeu notícia importante, inventou intrigas onde ela ainda inexiste, deu informações desencontradas sobre o mesmo assunto, revelou ingenuidade e antecipou planos factíveis -todo mundo sabe–, mas que a imprensa nitidamente pró-Collor tem horror de noticiar.

No domingo, quando toda a grande imprensa dava com estardalhaço que o futuro ministro da Educação, Carlos Chiarelli, já estava escolhido e seria anunciado na segunda, a Folha conseguiu incluir esta informação somente em parte da sua edição, no segundo clichê, quando o "Jornal Nacional" de sábado revelara a escolha e outros jornais a traziam até em manchete.

A intriga veio na terça-feira, através de um título maroto na primeira página: "Ozires diz que não aceita determinações de Zélia". Ao pé da letra, o enunciado é defensável. Mas o leitor que ouviu a declaração na TV notou que o "tom" da sub-manchete desta Folha estava várias notas acima do que realmente tinha declarado Ozires da Silva, o futuro ministro da Infraestrutura. Ele precisou estar no governo para agir "em consonância" com os planos do presidente eleito, Fernando Collor, e da futura ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. "Agirei por convicções próprias, que têm mais força que qualquer determinação", respondeu ele a uma pergunta provocativa. Nada contra a pergunta. É função do jornalista ser impertinente, provocador, espicaçador.

Deve, no entanto, respeitar contextos tanto na hora de transcrever as declarações quanto ao editar o material. Neste caso, a edição forçou a barra. Pior, no mesmo dia a quarta página do jornal desmascarava a sub-manchete. Intitulada "Em Paz", nota do Painel sustentava que Zélia e Ozires estavam "vacinados" contra fofocas: "não há incompatibilidade entre eles, muito menos brigas por maiores fatias do bolo do poder".

Acreditar em qual dessas duas notícias, a da capa ou a do Painel? Foi esta a pergunta feita desde Uberaba, por carta, pela leitora Guilhermina Hunsebe. A carta chegou quando o ombudsman tentava destrinchar três outras notícias desencontradas inseridas em três páginas consecutivas do caderno Era Collor de quinta-feira. Na capa, o leitor era informado de pretensão de Collor em "transformar o PFL no principal partido de sustentação de seu governo no Congresso". A reportagem se baseava em afirmações neste sentido feitas pelo líder do PFL no Senado, Marco Maciel. Na página seguinte, o leitor soube, em manchete, da "determinação" de Collor aos seus líderes políticos: podiam fazer as "primeiras articulações com vistas à fusão do PFL, do PDS e do PRN em um grande partido de sustentação do novo governo". Na terceira página, em meio ao texto principal, o leitor podia ler: "Ele (Collor) deixou claro que não pretende ampliar o PRN e nem criar um novo partido para dar sustentação" ao seu governo. "Não pretendo governar com um partido de governo, mas com um bloco de partidos", era a declaração textual do presidente eleito recolhida de uma reunião dele com políticos.

É de deixar qualquer um atônito. As três coisas podem ter realmente acontecido e tudo não passar de conversa de Collor para encantar seus interlocutores, pode ser manobra política etc. Mas cada reportagem dava uma dessas informações como "notícia" pronta e acabada, com começo, meio e fim -duas delas em títulos disparados. Faltou, no mínimo, uma leitura anterior desse material e uma edição à altura da inteligência do leitor.

Aliás, o "estilo" Collor tem deixado muito jornal atônito e faz de outros instrumentos "colloridos" com sua própria ingenuidade. Veja na terça-feira quando todos (jornais, rádios e TVs) noticiaram a visita do jogador Bebeto e família ao presidente eleito. Qual foi a razão do encontro? Bebeto estava "devendo visita" é o máximo que o leitor da Folha fica sabendo. Nem sua "dica" segundo a qual Carlos Alberto Torres era o mais cotado para a secretaria de Esportes se concretizou. Zico foi para o posto. Mas Collor ganhou fotos e reportagens sobre o importantíssimo encontro. Jornais, como "O Globo", deram até na primeira página. A Folha publicou texto e foto. E ainda hoje cabe pergunta sobre importância jornalística desse encontro. Alguém sabe?

Nem tudo o que se refere a Collor foi problema para a Folha, entretanto. Este jornal foi o único a ressaltar com destaque temores de empresários em relação à possibilidade do congelamento. Também destacou sozinho, na sexta-feira, estudos referentes ao congelamento seguido de uma discussão sobre um redutor de preços. É o tipo de assunto tabu na imprensa a favor de Collor, por ser muito delicado. Mas é, ao mesmo tempo, o tipo de assunto obrigatório numa imprensa crítica, cujo compromisso não é com governos, mas com seu leitor.

Critiquei aqui uma manchete da Folha dada no início de janeiro, "Collor vai congelar preços para cortar avanço da inflação". Discordei porque mostrava-se pouco consistente em comparação com a afirmativa peremptória do título, porque baseada numa fofoca. Escrevi que o jornal deveria ter dado a notícia, mas não da forma escandalosa como foi feita. Daquela maneira estimulou remarcações de preços.

Ao contrário daquela vez, pouquíssimos leitores ligaram para reclamar das duas notícias referentes ao congelamento dadas agora. O leitor percebe quando a notícia é apresentada dentro da sua medida, sem exagero nem sensacionalismo. Uma delas deu conta do temor do congelamento e a outra mostrou a existência de um estudo pertinente -quando se sabe que o futuro presidente vai receber um país com taxa de inflação nestes níveis estratosféricos. Collor não tem muitas outras opções além do congelamento de preços. Neste caso, equivocam-se os jornais, rádios e TVs que omitem esta discussão e o fazem mais para bajular o futuro governo do que para servir o público consumidor.

RETRANCA

- Este jornal está de logotipo novo, reforma gráfica finalizada, plasticamente mais bonito, mais sóbrio e mais agradável de ser visto e lido. Mas eu gostaria de chamar a atenção para um equilíbrio gráfico cometido na Ilustrada, principalmente nas páginas de Quadrinhos (eles voltaram!) e Televisão. O novo projeto horizontalizou a página. Ou seja, o Horóscopo, o quadro com a programação de TV, os Quadrinhos, todas essas massas de textos e desenhos foram blocados horizontalmente no espaço, quando a vocação plástica de uma página de jornal é a sua verticalização. Há uma coisa que não se muda no hábito de leitura dos ocidentais. O seu movimento de olhos ao ler, ao abrir um livro, ao olhar um jornal. É assim: da esquerda para a direita e de cima para baixo. Quanto mais confortável for este movimento para o leitor, melhor. É por isso que os livros têm este formato tradicional, vertical, e os jornais também. Se a linha de texto for muito extensa, ela cansa os olhos e o leitor pode enfadar-se sem nem mesmo saber por quê. Por esta razão, os textos são dispostos em colunas não muito largas nos jornais. Só amadores tentam "desestruturar" este movimento criando colunas larguíssimas ou dispondo horizontalmente o material -como está dispostos a programação de Televisão, os Quadrinhos e o Horóscopo, os exemplos mais gritantes. Uma ou outra horizontalizarão (como reportagens dispostas no rodapé da página) podem ser aceitas e muitas vezes são utilizadas com maestria por artistas gráficos. Mas, do jeito que estão estas duas páginas, elas causam desconforto e espantam o leitor.

- Numa conferência que não deu, mas escreveu, Rui Barbosa definiu a imprensa como a "vista" de um país (ele escrevia da nação, um cacófato) e dizia que é pela imprensa que a "a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa e se acautela do que a ameaça". O texto é de 1920 e está em "A Imprensa e o dever da verdade", uma brochura de 82 páginas que acaba de ser co-editada pela ConArte e Edusp, ambas editoras da Universidade de São Paulo.

- Outra novidade na área jornalística é a edição em português de "Jornalismo versus Privacidade", uma coletânea de textos de professores de jornalismo dos EUA organizada por Deni Elliott, da Universidade de Utah. Tem 180 páginas e foi editado pela Nórdica, do Rio de Janeiro.


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