Folha de S. Paulo


No Carnaval, a Folha dança

Para os próximos Carnavais este jornal precisa rever drasticamente sua cobertura da folia. O resultado final não resiste à comparação com seu principal concorrente nesses dias, o carioca "O Globo". Ambos são os únicos matutinos da grande imprensa com circulação diária e garantida durante os festejos.

Tanto para a televisão quanto para a mídia impressa, o Carnaval é, sobretudo, uma festa pictórica. No jornal, a foto congela instantes de beleza plástica (no caso dos desfiles carnavalescos), sensualidade (das mulheres bonitas), luxo e graça (das fantasias), humores e emoções (nos flagrantes dos foliões), tragédias (nos acidentes, nos desastres). Uma única fotografia no sambódromo pode transmitir muito mais informações do que reportagens de páginas inteiras. Não, o texto não precisa ser descartado nessa cobertura. Ele é imprescindível para reportar, analisar, esclarecer, decantar alegrias e tristezas. Mas a imagem é pra lá de fundamental.

A Folha entende o contrário. Nas três edições "fortes" do Carnaval (de segunda, terça e quarta-feira de cinzas) sua cobertura foi muito discursiva e pouco pictórica. Numa rápida comparação com "O Globo", os números são gritantes. A Folha dedicou no período oito páginas para a festa do Carnaval contra 27 do jornal carioca -ele contemplou seus leitores ainda com dois cadernos especiais. Deixo de lado o caderno especial editado pela Folha na sexta-feira retrasada porque não era de cobertura, mas de apresentação do evento. No período, a Folha deu apenas 21 fotos da folia contra 130 em "O Globo". Isto dá uma média de 2,6 fotos por página da Folha e 4,6 em "O Globo".

Estes números são suficientes para mostrar o quanto "O Globo" esteve mais informativo no tocante às fotos. E portanto plasticamente mais bonito e consequentemente mais completo. Além das fotos, faltou na Folha o investimento na cobertura dos bailes noturnos (tanto os do Rio, famosos, quanto os de São Paulo), dos desfiles de fantasias, da ressaca pós-baile e pós-desfile, um acompanhamento exaustivo dos trios elétricos na Bahia, do Carnaval de Olinda... Faltou, enfim, uma visão mais pictórica, ainda mais factual e mais analítica do Carnaval brasileiro em sua totalidade. Não peço quase nada para um jornal que se pretende nacional.

Há dificuldades, reconheço, na apresentação das fotos. Não basta publicar o "slide" de uma garota bonita e simplesmente inventar uma identificação. Há jornais e revistas especializados nisto. A revista semanal "Manchete" já foi a rainha das legendas imaginosas. Agora identifica melhor suas fotos, dá o nome das pessoas fotografadas. Em alguns casos, poucos em sua edição da última quinta-feira, a "Manchete" ainda não consegue refrear a "criatividade". Como numa página inteira de um destaque da Portela. Ninguém sabia ao certo quem era e mesmo assim a página ganhou um título insinuante ("Na passarela, a mulher sacralizou sua beleza e sedução") e a moça foi aquinhoada com uma legenda libidinosa: "Dominando um dos luxuosos carros da Portela, a destaque se transmutou em virginal ave rara. No corpo estrategicamente desnudo, a paixão pelo rito da festa pagã levou a carne a vibrar em sutil erotismo. Mais que deusa do sexo, a bela foliona foi uma exaltação à mulher". Arre!

Nesse capítulo, o das mulheres bonitas, a Folha também saiu-se lamentavelmente. Seus leitores tiveram apenas fotos de Isadora Ribeiro (em São Paulo), Luiza Brunet, Luma de Oliveira (meio corpo) e Lilian Ramos. O jornal passou a impressão de que evitou as mulheres nuas, dando ideia de uma falsa castidade. "O eterno feminino nos atira ao alto", escrevia Goethe faz mais de 150 anos. A Folha insiste em fingir que não vê a mulher, "o futuro do homem", no dizer de Aragon. Os leitores da Folha -numa rápida comparação com outras publicações-não puderam ver Isadora Ribeiro desfilando na Estácio de Sá, as mulatas da Imperatriz Leopoldinense, as Paquitas, Monique Evans, Marlene, Paula Vanier, Enoli Lara, Vanessa de Oliveira, Flávia Cavalcanti, Angélica, Piná (grávida) e muitas, muitas outras colunáveis, não colunáveis, feias, bonitas e anônimas.

Há quem ache tudo isso uma chatice, mas o belo no Carnaval, aquele instante que pode ser captado e congelado em imagem -as pessoas, os sambistas, os passistas, os carros alegóricos, as alegorias, a riqueza das cores-é parte da folia nacional. E nenhuma publicação de grande público pode ficar indiferente. Podem escrever sobre a decadência do Carnaval, lembrar a festa "sadia" de outrora, lamentar a falta do lança-perfume, o impacto das drogas e o diabo a quatro. Mas nunca negligenciar uma cobertura dessas. São momentos intensos, vividos por milhares de pessoas. Merecem o adequado registro histórico. Com a invenção da fotografia (e já se vão anos e os jornais agora esbanjam até cor) a imprensa ganhou um instrumento a mais na captação e apresentação da realidade, ou de fugazes instantes dela. É um recurso diferente do texto jornalístico que, se tem suas artimanhas e pode vingar pela destreza no manejo da língua, pouco consegue fazer diante da fotografia do belo: o instante mágico da entrada de uma escola de samba na avenida.

RETRANCA

- Ao contrário da indicação da ministra da Ação Social, Margarida Procópio, feita ontem pelo presidente eleito Fernando Collor, o anúncio de Zélia Cardoso de Mello para a Economia foi antecipado pela tevê e por todos os grandes jornais. Pequeno detalhe: "O Estado de S.Paulo" teve o cuidado de anotar que, ao anunciar Zélia, o presidente eleito não repetiu a frase de que ela veio para acompanha-lo até o último dia governo –conforme fez na apresentação dos outros ministros. O detalhe é interessante e não podia passar despercebido da imprensa.

- São muito bem-feitos alguns dos textos que o "Jornal do Brasil" insere costumeiramente em sua primeira página. Às vezes eles destacam detalhe de uma notícia, dão interpretações, opiniões ou contam um caso. "O Globo" resolveu aproveitar a mesma ideia e acabou captando um momento interessante durante o anúncio de Zélia para a Economia. Ela foi beijada nas bochechas pelo futuro secretário-geral da Presidência, embaixador Marcos Coimbra. "Ele não devia ter feito isto", disse Zélia, "tímida", conforme o jornal. "Sonho há mitos anos em beijar um ministro de Economia", comentou Coimbra, bem-humorado. Foi um momento de descontração muito bem aproveitado pelo matutino carioca em sua primeira página de sexta-feira.

- Na bolsa de apostas sobre quem seria o ministro da Ação Social, nenhum dos grandes jornais acertou. A Folha garantia ontem que o favorito era o senador José Agripino Maia (PFL-RN). "O Globo" descartava Agripino e dava com mais chances Alceni Guerra (PFL-PR), Collor, mais uma vez pegou de surpresa a imprensa indicando Margarida Procópio.

- Não posso deixar passar em branco um título de primeira página de "O Globo", dado quinta-feira. Era sobre a Nicarágua, virada de ponta-cabeça pela vitória de Violeta Chamorro: "Ortega ameaça com uma nova guerra civil". Os outros grandes jornais abriram seus noticiários com informações de que Ortega estava empenhado no cessar-fogo. Sem comentários.


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