Folha de S. Paulo


O afeto que se encerra

Sinto ter de voltar ao assunto Paulo Francis. Espero incomodar com este caso pela última vez. Há uma velha lenda sobre a passagem de Francis por Londres. Ao cobrir a viagem de um presidente americano, Francis foi abordado no saguão de um hotel pelo jornalista Hermano Alves, então correspondente de "O Estado de S.Paulo". Cumprimentaram-se.

"Olá Hermano, você por aqui?"

"Sim, meu caro. Estou indo cobrir o briefing do secretário de Estado..."

"Não perca tempo, Hermano -soltou Francis. Este sujeito não tem a menor importância. Já mandei despacho dizendo que nada de importante será discutido".

Hermano distanciou-se alguns metros em direção à porta, fez meia volta e falou alto para registro dos jornalistas brasileiros ali perto:

"Francis, me faça um favor!"

"Pois não Hermano!"

"Enquanto eu vou lá, segura o planeta para ele não cair".

Silêncio no Hall. Hermano Alves foi cumprir sua obrigação. Os leitores de Francis saberiam no dia seguinte que o assunto não tinha importância.

O ocorrido ilustra o que eu disse sobre o articulista Paulo Francis na semana passada e prova que não falei nada de novo. Há tempos Francis é ridicularizado por colegas seus na imprensa.

Seu estilão o transformou numa espécie rara -um ficcionista de sucesso apenas nas páginas de jornal. Sua imaginação é grande mas não o suficiente para fazê-lo dar certo como escritor e o impede de fazer jornalismo, porque precisa inventar fatos para ajustá-los às opiniões imaginosas. Nem é cronista de campo, mas de gabinete. A leitura diária de jornais, revistas e livros alimenta sua produção. Se lhe tirarem os jornais por uma semana acaba o Paulo Francis. Na realidade, ele se chama Franz Paulo Trannin Heilborn e Paulo Francis (nome típico de bailarino, conforme ele próprio) é um pseudônimo, dado por Paschoal Carlos Magno quando Franz era ator.

A imagem de que ele pode segurar o planeta, como Atlas, define um dos mais fortes traços de sua personalidade, o da vaidade extremada. Foi ele que animou seus vitupérios às minhas críticas, que nada tinham de extraordinário. Todo mundo sabe que Francis chuta dados, distorce fatos e pratica um opinionismo desenfreado. Os que ainda o leem o fazem porque encontram algum sabor nisto e até lhe dão uma taxa de desconto. Se tenho algum mérito foi o de evidenciar uma impressão geral.

Mas veja bem a crônica na qual Francis me consagra como "canalha menor", "lagartixa pré-histórica" e demonstra vontade de dar palmadas onde eu guardaria meu "intelecto". Enfiou até minha família na história. Foi publicada na Ilustrada de quinta-feira. É a reação de alguém muito ferido na sua vaidade. Gasta um arsenal de infâmias e não responde a uma linha sequer das críticas técnicas que lhe fiz. Nada de novo. Esta é a tática manjada do "polemista" Francis. Quando levado à lona por argumentos lógicos, que escancaram sua irresponsabilidade, ele revida com ataques pessoais. Fez isso comigo no ano passado. Deixei passar. É sua única defesa possível porque não tem como assumir suas invencionices, fruto da preguiça de investigar, pesquisar, trabalhar um pouco.

Francis fez a mesma coisa quando nocauteado por José Guilherme Merquior, por Caetano Veloso, por Rogério Cézar de Cerqueira Leite... Uma vez apanho de verdade. Levou uns sopapos, desfechado por Adolfo Celli, marido de Tônia Carrero, infamemente agredida por Francis numa crítica teatral. Mas agora foi grave. Acabou sendo observado severamente pelo ombudsman em crítica metódica, racional, fruto do acompanhamento minucioso, do trabalho de um jornalista disposto a fazer do ombudsman uma instituição. Por isso ele precisava neutralizar o "canalha" desmistificador. Nada mais fácil do que caluniar o profissional para atingir a instituição. Inseguros reagem assim.

A pusilanimidade do ataque na Ilustrada mostra algo mais do que insegurança e desequilíbrio mental. Francis reagiu com ódio porque foi espetado no lugar certo. Ainda existia uma impressão de que ele pudesse fazer jornalismo. Não há mais. Não há uma única verdade no que escreveu sobre este ombudsman.

Ensandecido, teve a desfaçatez de afirmar que eu "arrumei" uma desculpa para criticá-lo ao citar uma "suposta nota que não saiu na Folha, mas em 'O Popular', de Goiânia". Acovarda-se até nisto. Não assume nem o que escreveu e foi censurado na Folha. Mente depois de ter lido as explicações do diretor da Redação aqui nesta coluna. A "suposta" nota foi escrita por Francis e reproduzida pelos jornais detentores dos direitos de reprodução de suas crônicas, como a "Tribuna da Imprensa" e outros.

Despejado na lona, ele ainda conseguiu levantar-se no ringue e esmurrar o ar para todos os lados: inchado, cego e surdo. Mostre aqui alguns de seus inumeráveis equívocos e distorções de informações, falei de seus livros que não são best-sellers (um único livrinho meu, "O que é Anarquismo", editado pela Brasiliense em 1981 e hoje na décima-quarta edição, vende mais de cem mil exemplares, muito além da soma da venda de todos os seus livros juntos), recomendei sua leitura e critiquei a censura operada em seu texto. Fiz o favor de pedir que o publiquem na íntegra.

A rigor, Francis devia agradecer-me. Não contei que tudo o que escrevi é exatamente o que seus amigos íntimos pensam a seu respeito mas têm dó de dizer a ele. Não disse que imaginava sua cara gorda de barata descascada se retraindo a cada revelação minha. Não lembre que, quando criança, apanhava no bumbum e respondia "cogito ergo sum" (o que ele nega). Não inventei que ele é quadro a soldo no PRN, o partido de Fernando Collor. Não disse que, cutucado, faz beicinho e choraminga: "o carro do meu pai é mais bonito... "Nem sugeri que quando toma purgante sua cabeça murcha".

Tudo isto é baixo demais. Submeto você, leitor, ao parágrafo acima apenas para mostrar como é fácil ser abjeto numa "polêmica". Sua incontinência verbal desvela sua fraqueza. Decidi não meter mais a mão nessa lama mesmo que ele se levante de novo e cambaleie babando outros ataques vis. Tenho certeza, no entanto, de que aprendeu alguma coisa com tudo isso e acho que ele vai reler o que escreve e conferir ao menos as informações que copia dos jornais americanos.

Acredito que uma de minhas tarefas de crítico deste jornal -alertar que Francis pratica algo que não é jornalismo-está cumprida. Basta.

RETRANCA

- A Folha dá sinais de que realmente não consegue furar o bloqueio de informações junto ao staff do presidente eleito. O "Jornal do Brasil", "O Globo" e "O Estado de S.Paulo" deram vários informações nos últimos dias sobre os planos econômicos de Collor que este jornal não teve. Coisa previsível porque o jornal foi advertido publicamente -pelo assessor Cláudio Humberto Rosa e Silva-de que não teria nenhuma facilidade. A Folha perdeu pontos na semana que passou e até reagiu mal na segunda-feira. Sem informar que "O Estado" tinha revelado vários dos projetos econômicos em sua edição de domingo, a Folha saiu com uma manchete dizendo que a assessora econômica, Zélia Cardoso de Mello, temia que os "vazamentos" (frutos de 'traição") de informações do plano econômico estariam atrapalhando sua ida para o ministério da Economia. E a Folha não relatou em nenhum momento que a irritação de Zélia era exatamente contra as informações divulgadas no domingo por "O Estado". O leitor deste jornal merecia não somente este dado, mas a lista das medidas adiantadas pelo concorrente -cujo nome também deveria ser citado. Jornalismo é assim mesmo. Um dia um jornal dá um furo, noutro dia é o concorrente.

- As redes de televisão, apesar dos esforços semanais dos grandes jornais, continuam servindo muito melhor aos telespectadores que precisam de informações e conselhos sobre como aplicar as economias nesta complicada fase de espera do novo governo. Me refiro ao acompanhamento diário do assunto. Esta semana, por exemplo, a Folha conseguiu prestar um bom serviço na capa do caderno de Economia, na quinta-feira. Um quadro sintético e claro dizia exatamente o que deve ser feito com quantias grandes e pequenas. Tratava do over, dos fundos de curto prazo, dólar, ações, ouro e poupança. Este quadro merece reprodução e atualização diária.

- Muito gozada uma notícia publicada com foto na contracapa do caderno de Negócios na quinta-feira. Era sobre gambá em conserva. Mas o leitor até hoje se pergunta de que tipo de gambá se trata: gambá prensado, filé de gambá, paté de gambá, fígado de gambá? Ninguém sabe.

- A Ilustrada revive, nas últimas semanas, um tema que se imaginava morto desde que os jornalistas passaram a ouvir falar em economia de mercado. Críticos de cinema deste jornal têm discorrido sobre o "comercialismo" de determinados filmes -principalmente os americanos. Esquecem o principal, se a obra é ou não de qualidade. Mas estão autorizados a fazer esta análise desde que provem duas coisas: 1) que nenhum cineasta quer recuperar o investimento de seu filme, prefere o prejuízo; 2) que ele, crítico, escreve para o jornal gratuitamente, não liga para salários e pagamentos das colaborações. E tome cinema "de arte".

- Sobre a "polêmica" deste ombudsman com Paulo Francis esta seção e o Painel do Leitor receberam até quinta-feira (a distribuição interna das cartas se atrasou na sexta-feira) 23 cartas e telegramas. Dessas, 15 eram pró-ombudsman, três pró-Francis e seis com críticas genéricas ao correspondente de Nova York. Dos 97 telefonemas atendidos pelo ombudsman nesta semana, 49 foram do mesmo assunto: 44 de solidariedade ao ombudsman e 5 telefonemas de leitores que fizeram questão de dizerem-se solidários com Francis.


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