Folha de S. Paulo


Pausa para Quadrinhos e Palavras Cruzadas

Ninguém pode negar que a Ilustrada, o caderno de artes e espetáculos desde jornal, já teve melhores dias. Não há como negar, também, que a maneira como ela tem tratado sua seção de Histórias em Quadrinhos é exemplo acabado de desrespeito com o leitor. A extinção das Palavras Cruzadas, realizada há tempos pelo caderno, antecedeu um desprezo pelo leitor e por uma das partes mais lúdicas do jornal. Mas, se as Cruzadas foram abatidas à queima-roupa, aos Quadrinhos foi reservada uma morte lenta cujo acompanhamento se transformou em tortura diária para os leitores e talvez até para pessoas que estão por demais envolvidas com o jornal.

Pois causou espécie em muita gente uma declaração do diretor de Redação da Folha, Otávio Frias Filho, segundo a qual ele começava a leitura do jornal pelas Histórias em Quadrinhos. A afirmação foi feita no ano passado num dos programas "Roda Viva", da TV Cultura. "Meio de blague, meio a sério, falei que eram os Quadrinhos", disse Frias Filho a este ombudsman esta semana. Com ou sem blague, uma coisa parece certa: ele não começa mais a leitura pelos Quadrinhos. Caso contrário, eles estariam sendo assassinados da maneira que estão.

Uma "reforma gráfica" realizada em outubro do ano passado na página onde estão tradicionalmente os Quadrinhos presentou a programação de TV com um tabelão espaçoso e sufocou os Quadrinhos, encaixotando-os no pé da página. Onde cabiam de seis a oito tiras passaram a aparecer apenas quatro. As tiras que têm uma certa continuidade sucumbiram aos caprichos de quem as escolhe para publicação e nem sabe que são sequenciais. O acompanhamento da seção virou uma espécie de loteria. Pode-se apostar quais das tiras menos cotadas (no entender dos editores, óbvio) virão no dia seguinte que as chances de acerto são mínimas. Nunca se sabe quando nem em que lugar elas vão aparecer. Do começo do ano até ontem, por exemplo, não se viu nem o Condado de Bloom, de Berke Breathed, nem o Robô, de Jim Meddick, duas tiras sequenciais. O polêmico Geraldão, de Glauco, só saiu uma vez. O contestado (e deslocado) Doonesbury, de Gary Trudeau, apenas duas. Em 20 dias as tiras mais publicadas foram Níquel Náusea, de Fernando Gonsales (17 vezes) e Chiclete com Banana, do Angeli (15 aparições). Ninguém, talvez nem no próprio caderno, sabe qual tira deve ser publicada em qual dia. Se soubesse daria ao menos alguma ordem nesse caos, alguma lógica nas sequências.

Muitas tiras são ruins? Ultrapassadas? Cansaram os editores como em outros tempos cansou o Bidu, de Maurício de Souza? Pois que as troquem, inventem outras opções, mas suprimir, nunca. A Ilustrada tem pelo menos 11 títulos de tiras diferentes à sua disposição. Isto custa, também, algum dinheiro à empresa. Os responsáveis pelo caderno devem achar que estão realizando mais benefício ao investimento da casa em sonegar aos leitores este serviço que é também lazer, distração e crítica dos costumes. Nem preciso dizer que Quadrinhos também são cultura...

Absolutamente todos os jornais que publicam tiras de Histórias em Quadrinhos, uma tradição na imprensa internacional, levam a sério o espaço a elas dedicado. A fixação do lugar, a publicação sequencial e sem repetições é coisa sagrada. Um dos jornais mais bem feitos do mundo, o "International Herald Tribune" (tem sede em Paris, é produzido com reportagens do "The New York Times" e do "Washington Post", impresso simultaneamente em grandes metrópoles do planeta, escrito em inglês) dedica quase metade de uma de suas tradicionais 18 páginas para oito tiras diárias. O "Washington Post", outro exemplo, publica 27 tiras em duas páginas de jogos e outras diversões. Aqui no Brasil, "O Globo" traz 20 tiras por dia, todas num tamanho honesto, como o das tiras do "Jornal do Brasil" e de "O Estado". Na Folha, além de espremidas pelo peso da "caixa" da programação de tevê, as tiras são de tamanho reduzido, o que muitas vezes torna difícil a leitura das mais prolixas, como a dos Anos Noventa, de Angeli.

Como Quadrinhos e Palavras Cruzadas convivem geralmente na mesma página em muitos jornais, saiba que nenhum jornal sério deixa de ter suas Palavras Cruzadas e a Folha faria bem se as recuperasse. Foram dispensadas porque partiu-se do equívoco de que são importantes apenas para um micropúblico ocioso, como o de aposentados. Então o público "ocioso" não interessa ao jornal? Então o aposentado não assina jornal? Mesmo se a resposta for positiva, o que é um erro, o argumento continua enganador. Quem faz vestibular não é ocioso, mas usa Palavras Cruzadas para melhorar seus conhecimentos da língua. Quem está à espera de alguém, de um ônibus, de um avião, seja lá o que for, pode encontrar num jornal um momento de distração com as Palavras Cruzadas. Muitos redatores desta Folha saberiam melhor português -e o jornal teria menos erros de grafia-se eles exercitassem diariamente com umas boas Palavras Cruzadas.

Não importa se os jornais são velhos ou novos. Na França, as Palavras Cruzadas estão tanto no vetusto "Le Monde" quanto no modernoso "Libération". O decantado "El País", da Espanha, que também é um jornal jovem, 14 anos, tem sua seção Agenda. Até o sisudo financeiro inglês "Financial Times" tem sua "Crossword" embutida nas tabelas de câmbio.

Mesmo que tragam 1% de leitura, o que é geralmente o caso das Palavras Cruzadas (e já foi também o das Histórias em Quadrinhos), elas nunca devem ser suprimidas. Funcionam como elemento de ligação, um fator de aumento de tempo que o leitor depende com o jornal. Serve até como publicidade da própria publicação. O jornal fica exposto nas mãos de pessoas em lugares públicos, por exemplo. E há jornais que se tornam conhecidos porque têm boas Palavras Cruzadas. As do "Jornal da Tarde" de São Paulo, por exemplo, sempre foram melhores do que as da Folha. Sempre foram mais difíceis, inteligente e, na pior das hipóteses, as respostas estão lá sempre. As da Folha eram mais fáceis e as respostas comumente vinham trocas e até adiantadas em relação ao que ela já havia publicado.

Entrei nestes dois tópicos porque, ao prestar um serviço, o jornal tem obrigação de fazê-lo bem-feito, seja com Quadrinhos, que merecem espaço digno, seja com os jogos do tipo Palavras Cruzadas, que ensinam e divertem. Quem paga é o leitor. Ele nunca merece menos do que já lhe foi dado.

RETRANCA

- Foi realmente um exagero a maneira como a Folha de ontem em sua primeira página o caso do prefeito de Washington, Mario Barry, pego em flagrante fumando "crack", uma droga derivada da cocaína. A notícia, com direito a foto colorida e manchete principal do jornal, ocupou dois terços da metade superior da capa. Nada contra o investimento que a Folha fez nesse caso, uma página e meia de noticiário -quanto mais informações e análises, melhor. Mas a coisa fica esquizofrênica quando se vê que notpicias de maior peso histórico, como a do ataque das tropas soviéticas a Baku, capital do Azerbaijão, foram subdimensionadas na primeira página. O caso do prefeito de Washington não foi manchete ontem, por exemplo, no "New York Times", um dos jornais mais importantes dos EUA. Ganhou apenas titulo de duas colunas no alto da capa. O "NYT" optou por manchetar a crise no sul da URSS. O prefeito foi manchete de duas linhas, corretamente, no "Washington Post", o principal matutino da cidade. Aqui, os três principais concorrentes da Folha registraram o assunto sem exageros em suas capas e o "Jornal do Brasil" provou mais uma vez sua sensibilidade jornalística: deu manchete para as tropas soviéticas que começaram a atirar no Azerbaijão.

- Há leitores que consideraram a manchete de ontem ("Polícia pega prefeito negro de Washington com drogas em 'festa'") racista. Mas ela tem um erro básico, dá a impressão de que existe outro prefeito em Washington, que seria branco.

- Uma leitora telefonou e um leitor escreveu para comentar uma nota publicada na segunda página da Ilustrada de quarta-feira. A notícia dava conta da morte do ator escocês Gordon Jackson. Ali se dizia que ele morreu vítima de um "pequeno problema de saúde". "Parece que o problema era mesmo pequeno pois não teve outra consequência mais grave que a morte", escreveu Paulo Gomide (de São Paulo). "Imagine se fosse grande o problema!", exclamou Roberta Assumpção (também de São Paulo).

- Outra leitora, Vânia Vasconcelos, de Porto Velho, enviou carta para comentar notícia dada no dia 2 deste ano na Folha segundo a qual o primeiro bebê dos anos 90 nasceu aos 20 segundos em Florianópolis. Ela registra, para descrédito geral do jornalismo onipresente: "Na Folha o primeiro bebê da década nasceu em Florianópolis, no 'Jornal Nacional', nasceu em Porto Alegre, no 'Jornal de Rondônia', em Porto Velho...".


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