Folha de S. Paulo


Desembolso antecipado por conta da Folha

Desde os tempos da campanha eleitoral que o ombudsman não recebia tantos telefonemas contra a Folha como nesta semana.

Muitos leitores se sentiram prejudicados com a manchete de quarta-feira, "Collor vai congelar preços para cortar avanço da inflação". Dos que ligaram para falar do assunto, 33 até sexta, todos condenaram o jornal. O superintendente-técnico da Federação do Comércio, Antônio Carlos Borges, sentiu um "arrepio profundo" ao pegar seu exemplar de manhã. "É uma típica notícia fabricada", reclamou. Flávia de Castro Lima ligou de São Carlos para dizer que o congelamento é um "segredo de Polichinelo" mas a manchete "só tem justificativa para novas altas de preços". O açougueiro da leitora Maria Helena Bueno Vieira de Castro, de Santo Amaro, que há uma semana vendia o quilo do contra-filé a NCz$ 56,00, remarcou para NCz$ 96,00 no dia da manchete. "Pensa que não li a Folha?" justificou ele à leitora. Ela afirma ter ficado com "o maior ódio" do jornal. Até o presidente José Sarney se referiu à remarcação de preços no dia seguinte como "efeito Folha".

Muitos leitores defendem a não publicação deste tipo de informação. "Deveria ser guardada como se guarda notícia de sequestro", conforme o engenheiro Michel Labaki (SP). Houve quem qualificasse a manchete de "criminosa" e o jornal de "terrorista". O leitor Dimas Alberto Ferreira (SP) achou "decepcionante que a Folha não tenha identificado a fonte". Várias questões éticas foram levantadas. É lícito dar isto agora? O jornal não mediu as consequências? Esqueceu-se dos congelamentos anteriores?

Vamos por partes. A notícia foi colhida por um dos repórteres especiais do jornal, o titular da coluna "São Paulo", Clóvis Rossi, um jornalista completo. Mas que notícia o jornal tinha nas mãos? Muito simples: a de que um dos assessores de Collor deixou escapar, numa longa conversa, que o novo governo usará o congelamento de preços. A pergunta mais pertinente, neste caso, é quanto ao grau de sua importância jornalística. Tanto quanto é obrigação do repórter recolhê-la, cabe aos editores do jornal a sua avaliação. Em nenhum momento, portanto, está errado o jornalista que investiga e entrega o resultado a seus superiores.

Richard Harwood, o ombudsman do "Washington Post", discutia na semana passada o slogan do concorrente, o "The New York Times", segundo o qual "all the news that fit to print" (todas as notícias que devem ser publicadas, numa das traduções possíveis). Harwood dizia que não há verdade nesta "propaganda" mas que ela não deve ser entendida literalmente, porque é impossível recolher e publicar tudo o que é adequado. O mundo seria muito grande para tanta pretensão.

Esta Folha é mais radical. "A recomendação é publicar tudo o que se sabe, tudo o que é notícia", reza o "Manual Geral" na página 35. O próprio "Manual" relativiza esta máxima, no entanto, ao dizer que em casos excepcionais, quando estiver em risco a segurança de uma ou mais pessoas ou a segurança de uma ou mais empresas, pode decidir-se pela não publicação de informações. A regra tem funcionado no caso dos sequestros.

No sentido radical que impõem suas regras, o jornal agiu corretamente ao dar a notícia. Mas agiu certo ao elegê-la a manchete do dia? Evidente que não. A rigor, o jornalista tinha em mãos uma pequena nota. A notícia cabe toda em três linhas datilografadas. No texto que a Folha publicou, de 42 linhas, vê-se claramente que o recheio é composto de um raciocínio que leva à possibilidade do congelamento para servir de apoio às medidas "em estudo" pelos alquimistas do novo governo. Isto dá a própria notícia do congelamento um caráter idêntico de "medida em estudo", o que por si só desmancha o enunciado afirmativo da manchete. Tudo está dentro de um contexto. "Só um congelamento não resolve", teria dito o economista anônimo na conversa da qual não se sabe, com certeza, se foi com o repórter ou com outra pessoa.

Para ter uma manchete em mãos o jornal precisava ter-se resguardado com outras confirmações -a coisa mais difícil nestes dias e basta ver a disparidade de planos "em estudo" divulgados atabalhoadamente por toda a imprensa. E, se tinha outras confirmações, não as evidenciou, num procedimento obrigatório dada a delicadeza do assunto. Num assunto deste porte, que provoca os efeitos que provocou, esta notícia só seria manchete se estivesse calçada em mais de uma confirmação, se viesse acompanhada de mais detalhes do que os contidos na fofoca que o assessor deixou escapar. Não era manchete, era uma boa nota, no máximo uma reportagem especulativa (no bom sentido) de página interna.

Ontem o jornal voltou ao assunto para cometer um segundo equívoco em manchete, o que só vem demonstrar o quanto andamos longe de um jornalismo ponderado e adulto. Em Teresina, o líder do PRN, Renan Calheiros, teria declarado que o congelamento não está descartado mas também não está incluído nas medidas de emergência. "Líder do PRN já admite o congelamento", lançou a manchete marotamente. Aproveitou somente a parte da informação que interessava no apoio à manchete de quarta-feira. O título interno, no entanto, refletiu com precisão o conteúdo da reportagem: "Congelamento não será imediato, diz líder do PRN". Se ele realmente disse isso (o que hoje nega) nem era tão grave.

Mas quem paga a fatura são os leitores e consumidores que já estão desembolsando -adiantado e mais caro-por conta de especulações em cima de um projeto de governos. E estes planos, omitiu a Folha na quarta-feira, podem incluir outras opções que não o congelamento -como reajustes pré-fixados de preços e salários.

RETRANCA

- Foi uma vergonha a maneira como a Folha tratou a publicação das tabelas do imposto dos carros, o IPVA. Começa que atrasou-se ao dar a primeira tabela em relação a "O Estado de S.Paulo" e "Jornal da Tarde". Na primeira publicação (na sexta-feira retrasada) errou na indicação da alíquota e fez confusão com os valores. Mandava pagar imposto até para modelos que não existiam no ano indicado. No segundo dia, sábado, corrigiram alguns erros mas apareceram outros. Estes se perpetuaram no domingo, em "Veículos" e na edição de segunda-feira. Nem o código do município de São Paulo estava certo. Somente na terça, depois de quatro tentativas frustradas, é que o jornal conseguiu soltar uma tabela aceitável; no último dia de prazo para os contribuintes que optaram pelo pagamento parcelado. E na quarta-feira, encerrado o prazo, o jornal coroou o desrespeito ao leitor com o seguinte título na capa do caderno Cidades: "Pagar parcelado é vantagem para o contribuinte". Como o prazo para o pagamento parcelado tinha acabado um dia antes, o leitores que vinha sendo judiado desde sexta-feira só podia achar que era mesmo gozação. Apenas uma leitora atenta do texto interno lhe deixaria claro que o pagamento parcelado, mesmo com a multa, é que era vantajoso.

- Simpatizantes de Fernando Collor ligam para criticar o jornal por insistir em revelar os custos da sua viagem À África e Europa. Não cabe reparos aos jornais que tentaram descobrir quanto custou a viagem. Collor é hoje o homem mais importante do Brasil, é figura pública e é dever e obrigação de uma imprensa livre acompanhar cada suspiro que ele der. Critico a Folha, isto sim, é pela verdadeira confusão que aprontou na cabeça dos leitores ao revelar, em edições sucessivas, montantes distintos da conta de viagem sem explicar que tinha errado anteriormente. Sábado retrasado foi um tanto (US$ 600 mil), quarta-feira outro tanto (US$ 164 mil). Somente na sexta-
feira passada o jornal reconheceu a confusão e fixou-se na estimativa de que os gastos foram de pelo menos Us$ 355,6 mil.

- Mas a Folha não conseguiu resolver ainda o problema que arrumou ao noticiar (na semana passada) que Cláudia Raia tinha passado o réveillon junto com Collor, nas ilhas Seychelles. As duas reportagens que saíram até agora não convencem e deixam no ar a versão de que a atriz esteve lá. Tudo indica que Cláudia Raia ficou mesmo no Rio de Janeiro. O jornal deve uma satisfação cabal aos seus leitores.

- Dois leitores apontam um caso de reprodução de informações sem a citação da fonte original na Folha. O Caderno de Informática (dia 3 de janeiro, página G-3) reproduziu quadro sobre vírus que atacam computadores. O quadro foi reproduzido exatamente da maneira como foi concebido e fornecido pela McAfee Associates. O jornal não creditou o copirraite para a empresa americana. Consultada, a Redação reconhece que errou ao deixar de citar a fonte. Os leitores que apontaram o erro são Francisco Lois Gonzales (de Curitiba) e Edison Coutinho (de São Paulo).


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