Folha de S. Paulo


Ritmo de Collor é demais para a Folha

A Folha perdeu mais uma batalha na guerra das informações nesta semana. O presidente eleito, Fernando Collor de Mello, faz planos para enfrentar uma recessão e seus efeitos -desemprego, queda de poder de compra, falências...-e este jornal não destacou, não aprofundou, não foi a fundo nessa notícia e nos seus desdobramentos. De segunda-feira até sábado, a Folha usou a palavra recessão apenas uma vez em manchete de primeira página, exatamente ontem. E, mesmo assim, para dizer que a equipe de Collor a defende como "branda".

Os sinais de que se prepara para uma recessão em seu governo, Collor já os havia emitido no dia em que deu a primeira entrevista coletiva como presidente eleito, em 22 de dezembro. "Nós imaginamos que uma recessão possa acontecer, pequena", disse. A Folha e o "Jornal do Brasil" não perderam a oportunidade de destacar o que fora mais importante no discurso e usaram a palavra recessão nos títulos que deram em suas primeiras páginas. Foi no mesmo dia em que a ditadura de Nicolau Ceauseseu era derrubada pela insurreição na Romênia e ganhava as manchetes. "O Estado de S.Paulo" e "O Globo" optaram por destacara o lado político da entrevista. Disseram que Collor não queria antecipar a posse.

Desde terça-feira, no entanto, que se sabe o quanto o presidente eleito está preocupado com os efeitos da recessão junto às camadas de baixa renda da população (conforme entrevistas de sua assessora Zélia Cardoso de Mello) e os jornais têm noticiado tudo isto sem aprofundar a questão recessiva.

A performance da Folha, até sexta-feira pelo menos, foi deplorável. O jornal não conseguiu sequer acompanhar o ritmo das notícias imposto pelo "Indiana Collor", segundo definição feliz do "Jornal do Brasil". Na quarta-feira, o mesmo "Jornal do Brasil" abria seu noticiário para a outra pista nas preocupações recessivas: "Equipe de Collor planeja dar cesta básica a pobres". Nesse mesmo dia, "O Globo" furava os concorrentes noticiando que Collor estava em um "rápido repouso" (atentem para estas duas palavras, o presidente eleito não descansa, faz repouso rápido) nas ilhas Seychelles. Enquanto os assessores econômicos de Collor se deslocavam para Roma, a Folha contentava-se com ingênuas especulações políticas na sua primeira página: "Collor no Planalto quer buscar apoio até do PT".

Na quinta-feira, "O Globo" abria espaço para as "medidas de emergência" que o novo governo pretende implantar para "minimizar" os efeitos de uma recessão sobre os mais pobres (distribuição de tíquetes para aquisição de alimentos da cesta básica, aumento do prazo do aviso prévio e aumento do valor do seguro desemprego) enquanto o "Jornal do Brasil" e "O Estado" davam conta da reunião dos assessores em Roma. E esta Folha, que também noticiou a reunião, mostrava-se a mais desinformada ao ignorar a presença do economista Daniel Dantas na capital italiana.

Na sexta-feira, quando os jornais investiam na colheita de dados sobre os planos de Collor, a Folha também perdia a oportunidade de levar a fundo o aprofundamento da recessão. Não somente do ponto de vista econômico, mas político. Nem era necessária leitura atenta para ver que pelo menos o presidente José Sarney e o oposicionista Luís Inácio Lula da Silva já estavam respondendo à recessão de Collor. "Sarney diz que foi pressionado a provocar recessão", dizia a Folha em título interno. Apesar da infelicidade do enunciado (dá a impressão de que Sarney fez a recessão), a reportagem dava conta de que Sarney saiu declarando pelo país que queriam que ele fizesse a recessão e nunca cedeu. Ao lado, reportagem sobre reunião do Partido dos Trabalhadores explicitava: "Collor pretende implantar política econômica recessiva, afirma Lula".

A palavra recessão deveria estar nas manchetes desde quinta-feira. Não esteve. Nesse dia, foi citada apenas nos textos da capa dos jornais cariocas ("O Globo" falou em "efeitos recessivos" do plano econômico, o "Jornal do Brasil" afirmou que "Collor não vê outra saída senão a recessão"). Os jornais de São Paulo preferiram ficar no registro da viagem dizendo que Collor pediu um estudo sobre hiperinflação e salários (Folha) ou que Collor faz reunião "urgente" em Roma ("O Estado").

A velocidade imposta por Collor aos seus planos e à sua própria equipe (deslocamentos intercontinentais decididos em cima da hora) também fez com que a Folha ficasse a reboque do presidente eleito e sequer conseguisse noticiar seus deslocamentos a contento. O jornal não soube a tempo que Collor foi para Roma: não deu no dia certo que Daniel Dantas fora chamado para a reunião (só um dia depois); depois identificou errado um assessor de Collor em foto da primeira página (chamou Luís Carlos Chaves de Ronaldo Monte Rosa); não soube "amarrar" na sua edição as reações políticas contra a "recessão de Collor" e cozinhou por dois dias a oportunidade de sair com este mote em manchete, exemplificando, abrigando opiniões de especialistas, políticos, assessores e oposicionistas. Tudo o que é preciso para levar ao leitor o noticiário mais abrangente sobre recessão, efeitos recessivos, manutenção do poder aquisitivo etc. Que empresário experiente mais velho (micro, médio ou grande) não se lembra da recessão no governo Castelo Branco? Não é importante ouvir estas experiências?

Não resta a menor dúvida de que Collor -como qualquer outro que fosse eleito-tem pela frente um trabalho hercúleo que demanda aperto de cintos. O grande problema é saber qual o tamanho desta recessão. E óbvio que para os meios de comunicação comprometidos com Collor, a palavra recessão vai virar tabu logo, logo. Cabe aos jornais independentes trocar em miúdo tudo isto. Ainda há tempo.

RETRANCA

- O Painel do Leitor publicou ontem trechos de uma longa carta da secretária municipal da Cultura, Marilena Chauí, endereçada ao ombudsman. Nela, Marilena faz observações e perguntas sobre a maneira como este jornal editou na terça-feira passada pesquisa de opinião avaliando o desempenho de 23 prefeitos de capitais. Remeti a carta à Redação solicitando observações para a resposta. Recebi um relatório do DataFolha com subsídios para meus comentários. Aí vão eles.

1. Marilena Chauí quer saber "por que a manchete do dia 2 de janeiro esconde dados da pesquisa do DataFolha?"

- Conforme o DataFolha, o critério elaborado para colocação no "ranking" foi o de somar as taxas de "ótimo" e "bom". Mas a prefeita Luiza Erundina continuaria em 18º lugar se fossem somadas as taxas de regular às de ótimo e bom, sempre de acordo com contas feitas pelo DataFolha. E continuaria também em 18º lugar se fossem somadas e consideradas apenas as taxas de ruim e péssimo. Portanto, entre os 23 prefeitos, Erundina está mesmo no 18º lugar. Agora, a pergunta por que a manchete ("Erundina está entre os piores prefeitos de capitais, diz pesquisa") "esconde" dados traz embutida uma distorção. Não é possível dizer tudo numa manchete, nem contentar a gregos e troianos. A manchete está correta tanto quanto estaria corretíssima outra que afirmasse ser o prefeito de Fortaleza o melhor -porque ele ficou em primeiro no "ranking". É discutível o uso do termo "pior", mas ele é jornalisticamente defensável. E a escolhe de Erundina para manchetar me parece óbvia, uma vez que é a prefeita da maior das capitais do Brasil.

2. "Por que foram mantidos e computados nos resultados negativos do desempenho municipal questões que são da alçada do governo estadual e federal?"

- O DataFolha informa que as questões que não são do âmbito municipal foram computadas e mantidas nos resultados negativos de todos os prefeitos, não somente nos de Erundina. Os pesquisadores saem a campo para coletar as opiniões da maneira mais isenta possível, sem interferir na realidade. No entanto, Marilena tem uma certa razão. O noticiário que acompanha a pesquisa informaria melhor aos leitores se esclarecesse quais os problemas são da alçada das prefeituras.

3. "Por que não foram usados os materiais entregues à Folha sobre o desempenho municipal e sobre a situação da Prefeitura em janeiro de 1989 como termos de comparação para a fala do ex-secretário do governo anterior?".

- A redação não me deu resposta para este item e, por isso, não posso sequer opinar.

4. "Por que o jornal não operou no campo propriamente dito da opinião pública, comparando dados oficiais e a experiência cotidiana da cidade pelos cidadãos, informações sobre as áreas de competência municipal e conhecimento ou desconhecimento das atividades governamentais por parte dos cidadãos, juízos emitidos pelos cidadãos a partir desse quadro informativo conhecido-desconhecido?"

- O gerente de Pesquisa do DataFolha, Gustavo Ventura, considera necessários dois procedimentos para anteder a esta solicitação de Marilena. Primeiro, que o jornal tivesse planejado e aberto mais espaço para uma pesquisa mais ampla no caso de São Paulo e, segundo, que o DataFolha tomasse conhecimento dos dados oficiais para subsidiar a formulação de perguntas específicas. Ele fez outra observação no relatório que me chegou às mãos que eu subscrevo: "Não se pode julgar o jornal por algo a que não se propôs". Enfim, ficam aí as observações e sugestões da secretária da Cultura para que o jornal possa avalia-las e, no caso de aceita-las, colocar em prática em outras pesquisas.

OSSOS IDÊNTICOS

Nem a Folha escapa à acusação de plágio. Compare as ilustrações de estrutura óssea reproduzidas acima. A primeira foi publicada num catálogo da indústria farmacêutica Ciba-Geigy, o "Clinical Symposia", sem data, ilustrado pelo médico Frank H. Netter. Sua assinatura e o símbolo do copirraite aparecem à direita do primeiro desenho. O outro desenho, idêntico, saiu na edição de 18 de dezembro passado. A Editoria de Arte alega que se trata de ilustração técnica e que a empresa suíça, através, de seu representante no Brasil, estaria ciente de que o material de divulgação foi usado pela Folha. Mas não há desculpas. É fundamental dizer de quem é o desenho para não correr o risco de ser apontado como plagiador. Quem atentou para a cópia foi o leitor José Luiz Bonfitto, que é médico em Aguaí (SP).


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