Folha de S. Paulo


Folha sai perdendo na invasão do Panamá

Os leitores do "Jornal do Brasil" e de "O Estado de S.Paulo" estão melhor informados sobre a invasão do Panamá do que os da Folha. O episódio veio mostrar como é frágil o serviço de notícias internacionais deste jornal quando não está apoiado por um enviado especial ao local dos acontecimentos mais significativos.

Na sexta-feira retrasada, quando até o "The New York Times" reconhecia em primeira página que as tropas americanas estavam em dificuldades no Panamá, a primeira página da Folha ressaltava que os EUA estavam realizando uma "operação limpeza" para prender o general Manuel Antonio Noriega. Enquanto o "Jornal do Brasil" investia no noticiário sobre "o certo nível de frustração" que o presidente George Bush sentira por não ter capturado Noriega (conforme suas próprias palavras), a Folha ignorava este estado de espírito e destacava que Bush achava que a operação estava "valendo a pena" apesar da morte dos solados americanos Nem o serviço de imprensa do Pentágono conseguiu tanto otimismo junto.

Até aquele momento, os outros jornais brasileiros estavam trabalhando com material semelhante ao da Folha porque nenhum deles tinha conseguido colocar um jornalista no Panamá. Isto aconteceu exatamente na sexta-feira, dia 22, depois de um chá de cadeira em Miami. "A insistência do comando das tropas americanas em manter fechado o aeroporto da capital panamenha reforçou a suspeita de que o governo dos Estados Unidos está querendo impor um bloqueio das notícias que saem daquele país, preferindo filtrá-las através de Washington", atestou em Miami o jornalista Manoel Francisco Brito, do "Jornal do Brasil". O filtro funcionou em relação ao noticiário da Folha. A exceção ficou por conta dos comentários analíticos, em especial os de Paulo Francis. Naquele seu tradicional estilo deixa que eu chuto, Francis foi o único que deu conta da "censura" à imprensa e de uma certa incompetência na invasão. Aí os correspondentes da imprensa brasileira conseguiram entrar no Panamá. Menos o deste jornal, porque não foi enviado. Há razões para isto e os custos dessas viagens sempre falam alto. No entanto, esta falha da Folha acabou punindo o leitor, que vinha consumindo uma grande massa de informações acríticas e continuou na mesma.

Enquanto os outros jornais podiam dar uma ideia de atmosfera na Cidade do Panamá, a Folha era obrigada a se contentar com os despachos das agências. Por exemplo: o "Jornal do Brasil" foi o primeiro a abrir bem o noticiário a respeito da "guerra de nervos" que os americanos deflagraram contra a Nunciatura e o general Noriega. Cercaram a representação do Vaticano e passaram a utilizar vários artifícios para estourar os nervos de seus ocupantes.

No mesmo dia em que o "Jornal do Brasil" escancarava esta tática, a Folha se resignava a reproduzir despacho da agência americana Associated Press que dava conta, objetivamente, do cerco à Nunciatura. Ali se enumeravam as medidas tomadas pelos EUA: limpeza da vegetação, tiros nas luminárias, fechamento das ruas em volta com arame farpado e música nos alto-falantes. De maneira como deu o despacho, a folha contribuiu para perpetuar uma manipulação objetivosa. Tudo estava noticiado, mas de maneira a não deixar transparecer a importância "psicológica" desse tipo de cerco. Como a de que a música era repetida em alto volume.

São ângulos muito diferentes que não interferem na compreensão da notícia, pode-se retrucar. Não é bem assim. Sem um enviado especial, a Folha podia utilizar melhor os jornalistas que tem nos EUA para dar outras notícias aos seus leitores, diariamente, que propiciassem distanciamento e possibilidade de crítica. Despacho do correspondente de "O Estado" em Washington informava na sexta-feira que o impasse se resolveria "em questão de dias" e explicava o porquê. Podia ser mera especulação, mas enquanto isto a Folha se apoiava nas agências para manchetar que o pessoal que hoje forma o novo governo panamenho soube da invasão só cinco horas antes, uma informação de segunda grandeza. Eles ainda souberam...

Ao entrar na simples reprodução do noticiário das agências internacionais, o jornal submeteu-se à pasteurização inerente à visão que elas têm de jornalismo. Estão comprometidas com a cobertura factual. São relatoras do desenrolar dos acontecimentos sem ordenação crítica -coisas que os jornais americanos fazem com competência através de seus enviados especiais ou correspondentes locais.

Os jornais se posicionaram também sobre o mérito dessa invasão a um país soberano. Deram suas opiniões em editoriais. O assunto Panamá também se embolou com o da insurreição na Romênia, o que pode ter provocado uma certa confusão no seu tratamento. Não vou discutir isto. Importa saber se o leitor da Folha teve elementos suficientes para analisar e julgar o que aconteceu, para discutir criticamente o assunto invasão do Panamá com outras pessoas. Neste caso, os leitores dos concorrentes da Folha estavam melhor servidos.

RETRANCA

-Os leitores (e telespectadores) que se preparam para o "Réveillon da década" a partir dos balanços da imprensa que estarão comemorando o fim do decênio com um ano de antecipação. Erram os veículos que dizem a década está acabando. Até "Veja" sempre ciosa da qualidade de suas informações, cometeu esse erro.

- Assim como o século 20 só acaba em 31 de dezembro do ano 2000, o decênio de 80 só acaba em 31 de dezembro de 1990. Isto porque não existe o ano zero na era cristã, que determina nosso calendário. Remeto os céticos para a página 270 do "Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica", do astrônomo Rogério de Freitas Mourão, editado em 87 pela Nova Fronteira. Ele explica a história do ano zero que inexiste, diz que o descobrimento ocorreu em 1500, o último ano do século 15, e não o primeiro do século 16.

- Nesse mesmo dicionário, Mourão ensina também que "década" é o intervalo de dez dias, mas em astronomia jamais se aplica como sinônimo de "decênio", o intervalo de dez anos. Deixo apenas a ressalva de que alguns veículos optaram pelo balanço dos "Anos 80", uma boa maneira de safar-se do erro. A Folha fez isso num caderno especial esta semana depois de ter recheado um dos suplementos de Turismo com textos sobre o "Réveillon da década". O matutino carioca "O Globo" foi o único que anotou na capa que a década não acaba agora, não.

- E como chegamos, afinal, ao fim do ano, aí vai o balanço das atividades do ombudsman. Nas 14 semanas de funcionamento do novo cargo, o ombudsman atendeu a 1.598 telefonemas, uma média de 23 por dia. Recebeu 1.050 cartas, cerca de 15 por dia, e respondeu a todas dizendo qual o encaminhamento que foi dado à questão, problema ou sugestão do leitor. Sessenta pessoas foram atendidas pessoalmente pelo ombudsman. Os casos mais graves de leitores prejudicados por informações publicadas nesta Folha foram apontados nesta coluna. Outros foram resolvidos nas páginas do jornal, através da seção Painel do Leitor, dos "Erramos", ou mesmo notícias que cumpriram função retificativa.

- Recebi de Mauro Lopes, editor do Painel, a seguinte "Resposta ao Ombudsman": "Domingo último, Caio Túlio Costa confundiu crítica com falta de educação. Falta compostura a seu ataque ao Painel. O texto é calunioso. Anteontem, no Painel do Leitor, o secretário da Habitação de São Paulo, Luiz Carlos Santos, parabenizou Caio Túlio Costa por sua performance. O motivo do ataque de Caio Túlio Costa é uma nota que informava estar Luiz Carlos Santos participando de uma articulação destinada a abrir o PMDB à direita. A nota mencionava o PFL. Luiz Carlos Santos falou comigo ao telefone. Reclamou ter o Painel o "acusado" de homem de direita. Expliquei-lhe que o Painel não fizera isso. Reclamou, em tom mais brando, que o Painel o envolvia numa manobra política da qual ele não estaria participando. Qualificou a nota como "uma plantação do Raimundo Affonso, esse perigoso esquerdista" (trata-se do irmão do vice-governador Almino Affonso). Repliquei-lhe que não, que a origem da notícia era o PFL -e peemedebistas do grupo do próprio secretário da habitação. Luiz Carlos Santos resmungou, mas enfiou a viola no saco-ao menos na conversa telefônica comigo. No dia seguinte à conversa com Luiz Carlos Santos, registrou-se no Painel a sua reclamação original, a de ser 'acusado' de homem de direita. Negamos a 'acusação', se é que isto é uma acusação, que nunca houve. No domingo, fui surpreendido pelo ataque torpe de Caio Túlio Costa. O Painel pode ter errado no caso. Acho que não. Mas a acusação do ombudsman, de má fé, acrescida de uma insinuação de indignidade profissional, é descabida. Indigno é o ataque de Caio Túlio Costa. Luiz Carlos Santos é hoje quercista convicto. Apesar de ter namorado meses a fio, em 1986, a candidatura de Antonio Ermírio de Moraes. É ou já foi do grupo do ministro Roberto Cardoso Alves, a quem deve sua carreira política. Anteontem, Caio Túlio Costa viu publicados aplausos de Luiz Carlos Santos. Às custas de uma calúnia contra os jornalistas do Painel. Parabéns. A vida é feita de escolhas. Caio Túlio Costa escolheu os aplausos de Luiz Carlos Santos". (a) Mauro Lopes, Editor do Painel.

- O que você acaba de ler não é uma resposta, mas uma provocação. Mauro Lopes acaba de distorcer informações, como fez na nota do Painel que comentei. Ele esconde fatos para desenvolver um raciocínio tão petulante quanto o da "notícia" que fui obrigado a corrigir.

- Primeiro: Mauro Lopes omite que o ombudsman foi acionado pelo sr. Luiz Carlos Santos, dizendo-se prejudicado pela Folha através do Painel.

- Segundo: omite que o ombudsman mandou um relatório à Direção do jornal -como faz diariamente com as reclamações que recebe-onde anotou a negativa do se. Luiz Carlos Santos. Dizia não estar articulando uma abertura à direita no PMDB.

- Terceiro: omite que recebeu este relatório.

- Quarto: omite que, posteriormente, a crítica interna do ombudsman anotou que o sr. Santos havia negado as informações dadas no Painel.

- Quinto: omite que a crítica interna abrigava a dúvida de que o pessoal do Painel não tivesse lido o relatório com as negativas.

- Sexto: omite que mandou um bilhetinho ao ombudsman dizendo que o Painel "não se baseou" no relatório para fazer a nota.

- Sétimo: omite que teve uma segunda chance de retificar a nota após ler a crítica do ombudsman. Ali está expresso de maneira cristalina que a nota operava uma distorção de informação e repisava um dado que fora formalmente negado.

- Enfim, a primeira coluna deste ombudsman registrou uma informação precipitada dada por Mauro Lopes na Folha, a de que Pelé tinha "collorido". A realidade -infelizmente para Mauro Lopes-não confirmou aquilo que ele reafirmou teimosamente nesta mesma coluna, num direito de resposta como o de hoje. Até agora, Pelé não "colloriu".

- Pois esta é a segunda vez que Mauro Lopez é pilhado em flagrante delito de desinformação e teima em não reconhecer o erro. É uma pena.


Endereço da página: