Folha de S. Paulo


'O Globo' e a manipulação das pesquisas eleitorais

A manipulação dos resultados das pesquisas eleitorais é um dos assuntos que foi objeto de comentários de muitos leitores. Há um consenso. Ninguém acredita que os grandes jornais brasileiros escapem dessa acusação quanto a títulos e manchetes. Um único ponto percentual de diferença foi usado como queda, ascensão ou empate entre candidatos quando a rigor, pouco significado tinha na mudança das preferências eleitorais.

A maneira como os jornais deram resultados de sondagens já foi examinada aqui, em duas notas. A última delas, na semana passada, foi provocada por um telefonema de Merval Pereira, da direção do matutino carioca "O Globo".

Merval chamou de novo. Também discorda dos termos dessa última nota. Ele havia solicitado que eu retificasse informação segundo a qual seu jornal "escondeu" na primeira página pesquisa do Ibope que registrava um grande crescimento das intenções de voto para o então candidato Luis Inácio Lula da Silva. Ele disse que a Folha e "O Estado" também não destacaram o Ibope, porque ambos, como "O Globo", tinham suas pesquisas contratadas e elas é que deveriam ter destaque.

Anotei as ponderações de Merval e concordei com ele. Ressalvei que enquanto ele afirmava aquilo, "O Globo" voltava a publicar na sequência, sem destacara na primeira página, pesquisa do Gallup contratada pelo jornal. E, mais grave, não informava que os candidatos estavam tecnicamente empatados.

"Não houve, em nenhum momento, intenção de esconder os números contra Collor", sustenta Merval. Ele ajunta duas observações, este colunista teria "má vontade" com "O Globo" e errou ao afirmar que o jornal "escondeu" pesquisa na primeira página porque ninguém esconde nada numa capa de jornal.

Examinei todos os exemplares do jornal durante o segundo turno. De 23 de novembro até 17 de dezembro o matutino carioca registrou nove vezes resultados de pesquisas. Deu cinco resultados do Ibope e o mesmo tanto do Gallup embora só tenha registrado quatro deles na sua capa. Nela, a pesquisa de opinião foi manchete quatro vezes e ganhou títulos pequenos também quatro vezes. Foram duas manchetes pró-Collor, um título pró-Lula (que ressalva a estabilidade de Collor), uma manchete e três títulos pequenos neutros.

"O Globo" favoreceu Collor na edição de suas manchetes através de um mecanismo muito simples. Nunca afirmou que Collor caía em alguma pesquisa mesmo quando a queda foi grande. No dia 10 de dezembro a operação chegou ao seu auge quando o jornal abriu uma manchete de duas linhas para registrar "Pesquisa Gallup: Diferença de Collor para Lula, agora é de 6%". Conforme o texto, a pesquisa mostrava Collor na liderança. Depois informava os números. Ele tinha 48,2% das intenções de votos contra 38,2% de Lula. Dava os números da pesquisa anterior e explicava que a diferença de 11,9% "passou" (atentem ao termo) para 6,2%. Não usou o verbo cair. Errou na indicação porque a diferença era de 6,2 pontos percentuais e não em porcentagem. Para contrabalançar a manchete que não afirmava a queda de Collor, registrava apenas com frieza os números -o jornal incluiu abaixo dela uma menção ao editorial intitulado "Brasil na trilha do fascismo". Nele, "alertava" os eleitores para o mote da democracia popular proposta pela candidatura Lula.

Quando o jornal obteve pesquisas favoráveis a Collor os títulos foram outros. Em 23 de novembro gritava: "Collor vence Lula de 50% a 38%". Cinco dias depois a manchete exultava "Ibope registra avanço de Collor". A única edição em que Lula ganhou um verbo positivofoi na de 3 de dezembro, quando a notícia da pesquisa apareceu em um pequeno título abaixo da manchete (ela chamava para o debate daquela noite entre Lula e Collor): "Gallup: PRN fica estável, PT sobe". Foi só.

De resto, títulos neutros. Mesmo quando Collor caiu 2 pontos (no dia 8), mais 2 pontos (dia 10) e depois no dia 13, culminando com a chamada onde se negava ao leitor da primeira página a informação de que os dois estavam empatados.

Merval alega que a pesquisa só não foi manchete nos dias em que havia um evento maior, como o do debate ou quando Collor usou a ex-namorada de Lula para atacar. Nada desculpa a maneira gélida como o jornal tratou todas as sondagens desfavoráveis a Collor. Nesses dias, o enunciado dos títulos era frio como um relatório da repartição pública. Estava para o jornalismo da mesma maneira que uma tabela de resultados da loteria esportiva. Assim: "Collor tem 45,6%; Lula, 43,8%".

A filosofia editorial imposta ao matutino redundou numa evidente campanha a favor de Collor de Mello. Na carta do jornalista empresário Roberto Marinho a Lula, publicada terça-feira em "O Globo", ele deixou claro o que deseja do jornalismo. Julgou absurda a neutralidade imposta ao "Globo" pelo seu editor na sucessão de Washington Luís. Justificou: "A orientação imprimo aos veículos que cabe dirigir visa estritamente a defesa do que julgo serem reais interesses do País e dos caminhos a serem trilhados para que se possa alcançar o bem estar do povo".

Feitas as contas, é impossível dizer que "O Globo" teve uma atuação equilibrada. Isto não significada que seus jornalistas não tenham procurado o equilíbrio. É legítimo e da tradição dos jornais conservadores tomarem o partido do candidato que os representem melhor. Só não posso engolir que "O Globo" tenha sido equilibrado na disposição gráfica e apresentação das pesquisas.

RETRANCA

-Foi excelente a cobertura realizada pela TV Record, de São Paulo, do cerco aos sequestradores do empresário Abílio Diniz. Com a ajuda do repórter policial Fausto Macedo, foi a emissora que mais esteve presente nos momentos cruciais. Deu um banho em todas as grandes redes que nessa hora revelaram o quanto lhes falta de agilidade para entrar ao vivo. Nos momentos em que a realidade supera a ficção é que a televisão mostra seu valor documental. Quem quis ver toda a operação de cerco aos bandidos e libertação de Abílio Diniz, viu na Record.

- É cedo para avaliar a cobertura da imprensa brasileira no episódio da invasão americana no Panamá. Mas, passando os olhos pela primeira página do "The New York Times" de sexta-feira, deu pra ver que esta Folha -e todos os jornais que dependem de agências de notícias-estava dando um noticiário muito favorável aos Estados Unidos. Mais detalhes na coluna da semana que vem.

- Ainda na área internacional, destaque para "O Estado", o único dos grandes jornais brasileiros a manchetar o assunto Romênia na sexta-feira brava: "Insurreição avança na Romênia".

- A seção Painel deu uma nota segundo a qual o secretário estadual da Habitação, Luiz Carlos Santos, faz parte dos peemedebistas que defendem uma abertura à direita do PMDB. Santos ligou para o ombudsman porque se sentiu prejudicado. "Não estou defendendo abertura nenhuma. Não estou neste processo. Nem na abertura nem na direita", disse. Passei sua negativa à Redação em relatório. Fiquei surpreso com a nota do Painel na sexta-feira. Ela afirmou que ele e outro peemedebista negam que sejam "de direita". O Painel acrescentou que não os acusou de direitistas e somente "registrou" que eles defendem a "direitização" do PMDB. Não discuto a veracidade dessa afirmação e nem da negativa do secretário. Acho apenas que, ao aceitar o registro da negativa, o jornal deve fazê-lo com dignidade. Houve má-fé na distorção operada pela nota. Ela deveria ter registrado a afirmação do secretário de que não defende a "direitização" do PMDB. Jamais deveria repisá-la como se o secretário nem tivesse tocado no assunto. Uma vez anotada a negativa, aí sim a Folha poderia reafirmar o teor de suas informações, o que seria mais adequado e elegante.

- Amanhã é Natal e esta coluna tem uma história ao gosto dos tempos. Telefonou para cá esta semana um leitor de Campo Limpo Paulista. Acusou a Folha de ter publicado por duas vezs uma notícia falsa. Seu filho de 13 anos leu na Folhinha e na Folha D que a Monark estava lançando por NCz$ 1.250 uma nova bicicleta, a Racer Fórmula 1. O leitor ligou então para os grandes magazines e foi informado que a bicicleta não existia. Telefonou para a Monark, falou com duas pessoas, uma delas graduada, que garantiu que a bicicleta não existia e a publicação seria contra-propaganda do concorrente etc. O leitor procurou o ombudsman porque seu filho foi prejudicado -ficou na expectativa, estava sem a bicicleta que deseja e o jornal publicava informações sem checar. Investiguei o assunto e descobri que a informação sobre a bicicleta chegou em novembro no jornal através da assessoria de imprensa da Monark. Liguei para a Monark e falei com os responsáveis pela área de marketing. Eles me explicaram que a bicicleta existia sim, mas que sua fabricação fora retardada em função da falta de tubos, mas estará no mercado em janeiro. Falei com a pessoa com a qual o leitor me garantiu que havia falado. Disse não se lembrar da conversa, mas ficou de entrar em contato com o leitor para explicar tudo. Acabou convidando seu filho para conhecer a Monark e avisou o novo preço: NCz$ 4 mil. O jornal viu-se acusado de publicar informação falsa porque a Monark não se deu ao trabalho de avisar a imprensa que não pudera colocar a bicicleta a venda antes do Natal. Este tipo de desatenção com a imprensa, o leitor e o consumidor é uma constante no Brasil. O consumidor -em geral-não sabe seus direitos e os produtores fingem desconhecer seus deveres. E a Folha, que havia checado a informação da bicicleta antes de publicá-la, quase pagou o pato.

- A exemplo dos jornais ingleses, a imprensa espanhola se preocupa com a redação de um código de ética. A Associação de Imprensa de Madrid aprovou esta semana a criação de uma comissão para elaborar um "código de conducta" para os jornalistas. Os jornais ingleses aprovaram recentemente um código de ética além da instituição do ombudsman em suas redações. O código de ética inglês é baseado em alguns princípios bastante simples: a publicação de fatos sobre a vida privada de alguém deve ter justificativa de interesse público; o direito de réplica deve ser facilitado; os erros cometidos pelos jornais devem ser retificados o quanto antes e com destaque.


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