Folha de S. Paulo


Quando a grande imprensa se alia a coisa é série

Passado o terremoto Silvio Santos, a grande imprensa brasileira retoma o fôlego e volta à campanha -ela que teve um papel decisivo no episódio que botou fim nos planos do empresário e animador de tevê. Mas uma das perguntas que se faz sobre essa imprensa é referente ao seu comportamento nesta campanha. Como ela está indo no seu papel noticioso, esclarecedor e fiscalizador?

O caso Silvio Santos foi exemplar para mostrar que quando se quer fazer jornalismo se faz; quando se quer refletir se reflete e quando se quer tomar posição tudo fica muito transparente. Falo, por ordem, das duas sensacionais reportagens nas quais o "Jornal do Brasil" saiu das águas mornas em que navegava, publicadas nas suas edições passadas de domingo e segunda-feira, "Dinheiro entrou na conversa que deu na candidatura de Santos" e "Vice do PMDB pediu 600 mil para abrir caminho a Santos". Ou que a Folha soube achar um intelectual de peso - José Arthur Giannotti-para fazer uma reflexão a quente sobre a oportunidade da candidatura SS (nas edições de terça e quinta). Ou ainda do editorial de "O Estado de S.Paulo", domingo passado, que pediu uma "decisão política" aos ministros do Tribunal Superior Eleitoral sugerindo autoritariamente que eles não levassem em conta a lei.

Viu-se no episódio SS-PMB uma aliança firme contra um único nome. Todos os grandes jornais e revistas -você já leu aqui mesmo na semana passada-foram contra a candidatura, ou o oportunismo com que ela foi lançada, o que dá na mesma. Foi por isso que botaram para funcionar seus arquivos e suas equipes. A Folha e "O Estado", para ficar nos dois grandes jornais de São Paulo, gastaram rolos de papel para revelar as discussões entre o presidente José Sarney (um dos mentores da candidatura SS) e Roberto Marinho, da Globo, que apóia Collor. Jornais e revistas gastaram quilômetros de linhas para atacar Sarney por ter urdido a candidatura SS. Até obrigaram Sarney, com a má-consciência dos que devem e temem, vir a publico para bradar que não tem candidato. Ora, não há mal nenhum que o presidente o tenha. Pode até trabalhar por ele. Nada o desmerece em apoiar alguém. Em todo o caso -decisão do TSE à parte–, na batalha entre os articuladores do Planalto e a Rede Globo para saber quem tem mais poder, toda a grande imprensa se aliou à Globo contra a candidatura Silvio Santos. E o Planalto perdeu mais uma.

Mas, no caso SS, a grande imprensa agiu com muita rapidez investigando negociatas, pesquisando a carreira do animador, aglutinando opiniões de intelectuais e juristas contra sua entrada intempestiva e revelando sem opacidade suas opiniões. E mesmo no geral da campanha, nos tempos pré e pós-SS, não se pode afirmar que a cobertura da grande imprensa esteja sendo ruim.

Os leitores têm sido informados e há uma liberdade total de investigação e opinião. Se comparada com a imprensa francesa -que eu acompanhei na eleição presidencial do ano passado–, a brasileira se sai bem melhor. Um bom exemplo aconteceu esta semana em "O Globo", que sustenta Collor de Mello e quer ver Leonel Brizola longe do Planalto. Nunca se poderia imaginar que um jornal de direita francesa, como o "Le Figaro" (uma espécie de "Globo" local), fizesse o que fez "O Globo" nesta semana. Escaldado pelo episódio em que errou ao dizer que Brizola abraçava um traficante de drogas numa foto dada na sua capa, o matutino carioca foi o que mais destaque deu nessa quinta-feira, em capa, para denúncia semelhante contra Collor. Um deputado pedetista revelou que Collor foi padrinho de casamento de Allan Mihai Fauru, um comerciante condenado à prisão por consumo de cocaína e acusado de tráfico de drogas. Os outros jornais registraram a denúncia sem estardalhaço. Porque, em si, o fato de alguém ser padrinho de um cocainômano não prova que essa pessoa também aspire cocaína...

Mas o segundo turno vem aí. Se as pesquisas eleitorais se confirmarem e a eleição opuser um candidato da direita a um da esquerda, os leitores terão outro espetáculo pela frente. Poderão checar até que ponto as promessas de apartidarismo disseminadas em toda a imprensa são coisa pra valer ou retórica editorial de primeiro turno.

RETRANCA

- Leitores escrevem e telefonam intrigados com a Folha por chamar Silvio Santos de "Santos" em manchetes desde que ele desabou na sucessão presidencial. A Folha sempre usou Silvio Santos , ou Silvio, a maneira pela qual ele é conhecido em todo o Brasil. Santos, além de pedante, é nome de cidade e de time de futebol. Numa das críticas internas que faço das edições do jornal também critiquei o recurso. Justifiquei que ia contra o "Manual Geral da Redação" (na página 82 ele manda que o personagem da notícia seja identificado "pelo seu nome completo ou pelo nome através do qual ele é mais conhecido") e disse que parecia coisa de "O Estado" da década de 60, quando o matutino se referia ao então governador Adhemar de Barros como A. de Barros. Mas a Folha não ligou para as críticas de leitores nem para a do ombudsman e continuou como "Santos". Tem suas razões, as mesmas que o próprio diretor de Redação, Otavio Frias Filho, acha discutíveis. Elas não justificam o uso do Santos mas deixam claro os porquês. Ele diz que o nome "Silvio" apresenta uma "relação sentimental muito forte". Ao mandar grafar Santos nos títulos pretendia "quebrar a aura de simpatia emocional" dos leitores com o então candidato. Diz também que na época de Getúlio Vargas a imprensa que queria se mostrar apartidária se referia a ele como "Vargas" e só a imprensa a seu favor o chamava de Getúlio.

- Outra critica interna que fiz à Folha esta semana se refere ao material publicado no domingo passado: "Maluf sempre fez da mentira uma arma política". O texto -tanto o que apresentava o assunto na capa do jornal quanto o publicado no caderno Diretas89-era editorializado, cheio de opiniões contra Paulo Maluf além de confundir o significado das palavras "mentira" e "promessa". Quando Maluf, por exemplo, prometeu que iria mudar a capital do Estado, ele não estava mentindo -podia estar fazendo uma promessa impossível, mas aquilo não era uma mentira. Além disso, a "reportagem" de domingo não ouviu Maluf nem seus assessores. Mandou o famoso "outro lado" às favas. Registrei na crítica interna que parecia que a Folha tinha feito aquilo como que para se penitenciar das críticas que vem recebendo no sentido de que "poupa" Maluf.

- O assunto continuou no outro dia porque a Folha acabou fazendo com Maluf o que não tinha feito com outros candidatos. Na edição de segunda-feira Maluf ganhou 87 centímetros de espaço para responder aos ataques que tinham se espalhado por 100 centímetros de texto na edição anterior. Até elogiei o jornal, disse que tinha agido corretamente e deveria ter feito o mesmo quando outros candidatos -como Collor e Brizola, por exemplo-foram alvos de reportagens que revelavam irregularidades em seus respectivos governos estaduais.

- O diretor de Redação da Folha também acha esse caso discutível. Diz que -por serem excessivamente conhecidos os grandes escândalos do governo Maluf, como o da Paulipetro ou o da Freguesia do Ó-o candidato havia sido poupado "de certa maneira" pela Folha. Era preciso dar aos leitores um texto de memória dos casos mais controvertidos da sua carreira. Ele diz que a confusão entre mentira e promessa foi uma "falha de edição" porque determinados cortes, que visavam suprimir essa falha, não foram realizados. Afirma também que o destaque dado à resposta se justifica porque Maluf "quis responder", o que não aconteceu nas vezes em que Collor foi alvo de revelações. O candidato do PRN sempre optou por enviar uma carta-resposta ao jornal.

- A pergunta crucial, no entanto, é se o destaque dado -corretamente-para a resposta de Maluf não reforça a ideia de que a Folha continua poupando o candidato? Otavio Frias Filho prefere considerar que o jornal vai ser bem compreendido, que é preciso "paciência se houver essa compreensão" e acha que tentou agir certo e não pode "escravizar" o jornal em face das repercussões. "Acho todo o episódio discutível, mas a Folha agiu corretamente", diz ele.

- O muro de Berlim caiu esta semana. A imprensa brasileira mandou seus enviados à Alemanha. O episódio abre uma nova era no futuro das relações internacionais e na geopolítica europeia. As duas Alemanhas caminham para sua reunificação numa velocidade jamais imaginada por qualquer cientista político nesta segunda metade do século. Somente isso já reforça a necessidade de os grandes jornais e redes de televisão colocarem correspondentes permanentes na Alemanha. Os leitores brasileiros merecem acompanhar os eventos futuros com informações mais personalizadas do que dão as agências de notícias.

- Um dos 29 leitores que ligaram para este ombudsman na segunda-feira, Fernando Pelegrini (de Jundiaí) criticou a Folha por ter dado "destaque exagerado" no caderno de Esportes a um campeonato de beisebol e "pouco destaque" para os Jogos Abertos do Interior. Como faço com todas as críticas pertinentes que chegam, mandei um memorando para a direção de Redação. Esse bilhete me voltou às mãos na quinta-feira com uma informação do editor de Esportes: "Os Jogos Abertos do Interior deste ano não foram realizados". A Folha, inclusive, já tinha informado isso. Como sempre peço às pessoas que telefonam o número do telefone, fiz questão de ligar para o leitor e avisá-lo do acontecido. Ele me atendeu e disse que não sabia disso e iria averiguar. Telefonei para ele na sexta-feira para saber, enfim, o que é que tinha ocorrido. Fernando Pelegrino disse que confundiu os Jogos Abertos com a Taça Centenário e pediu desculpas. Conto esse caso para mostrar aos leitores porque preciso saber seus nomes completos e seus números de telefone. Aproveito também para pedir que coloquem problemas reais porque levo adiante as críticas e procuro cumprir com fidelidade esse papel de advogado do leitor. Isto não significa, também, que todas as queixas e reclamações serão resolvidas exatamente conforme solicita o leitor. Mas que elas serão examinadas elas serão.


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