Folha de S. Paulo


Receitas para perseguir um candidato

Na disputa da imprensa brasileira para saber quem persegue melhor um candidato, o jornal "O Globo" leva o melhor prêmio esta semana. O alvo foi Leonel Brizola, do PDT. A Folha também concorreu mas não conseguiu suplantar o desafiante carioca.

"O Globo" estava praticamente "fechado" na quinta-feira, finalizando os preparativos para entrar nas rotativas, quando recebeu uma informação, via jornal "O Dia", de que a Polícia havia estourado um ponto de tráfico e achara uma foto de Brizola abraçando um traficante. O jornal segurou sua primeira página e despachou equipe para o local.

Lá recolheu informação, dada por um detetive-inspetor do Polícia, Horácio Reis, de que Brizola estava abraçando Eureka, um traficante. A notícia acompanhada da foto do abração ganhou destaque na primeira página de sexta-feira: "Polícia acha pôster de Brizola com traficante". A foto ocupava parte da cabeça do jornal e a legenda dizia que Brizola estava "sorridente e abraçado com o traficante Eureka".

O jornal começou a ser impresso com a informação apenas na sua capa, mas foi rapidamente providenciado um segundo clichê e ela também foi incluída nas páginas internas, na seção Grande Rio. Houve uma decisão de tratar o assunto como caso de polícia. "Registramos uma coisa que nos parecia escandalosa", disse a este colunista o diretor de Redação do "Globo", Evandro Carlos de Andrade.

Quando o jornal surgiu nas brancas foi o maior estrago. O rapaz apareceu e disse que não é o traficante Eureka, chama-se José Roque Ferreira, tem 39 anos, foi candidato a vereador no Rio e preside a Associação de Moradores do Morro do Telégrafo, em Mangueira. Esta última informação o próprio Globo tinha na quinta-feira mas não deu importância, preferiu confiar no inspetor Horácio Reis. "Era a responsabilidade de um policial", afirma Evandro. O diretor do jornal argumenta ainda que "não se podia, em função do horário, fazer uma apuração rigorosa".

Agora o "Globo" está sendo processado. Brizola entrou com queixa na Justiça comum (calúnia) e outra na Justiça Eleitoral. Quer direito de resposta. O "Globo" terá que retratar-se uma vez provado que errou. Mas "O Globo" continua investigando a vida de José Roque (que desafiou a polícia a prendê-lo) e reafirmou na sua edição de ontem que o detetive-inspetor Horácio Reis tem certeza de que Roque é ligado ao comércio de entorpecentes. Conforme Evandro, "ainda fica alguma coisa no ar pela indicação do detetive-delegado".

Qual a razão de tudo isto? Por que um jornal se apressa em publicar determinados fatos contra alguém? Critério jornalístico não é uma resposta válida. O ombudsman do jornal espanhol "El País" costuma repetir um velho princípio do jornalismo segundo o qual uma única fonte é insuficiente para bem redigir uma notícia e é desastrosa para redigir uma boa reportagem.

No afã de atingir Brizola bastou a palavra de um inspetor da Polícia carioca para levar o jornal a abrir na sua capa um assunto que "aparentava" ser quente. Tentou bater em Brizola e acabou batido, dada a repercussão do caso. E o candidato ganhou mais munição para sua campanha.

Sem reconhecer objetivamente que errou -na esperança que ao aguardar a decisão da Justiça o tempo passe o assunto morra-o "Globo" perde ainda mais pontos. Não há demérito em reconhecer erros. Está certo, o jornal deu espaço ontem tanto para Brizola quanto para o rapaz ofendido, mostrou em título e chamada de capa que o secretário de Polícia Civil do Rio diz que não há informações sobre seu envolvimento com tráfico. No entanto, não reconheceu o erro porque ainda não se acha de todo errado apesar das evidências em contrário.

Quanto à Folha, ela teve uma participação mais modesta -mas não menos desastrosa- na tentativa de espicaçar Brizola. Vou passar por cima das medições do número de pessoas nos comícios (porque elas são feitas cientificamente) e da irada Nota da Redação publicada na terça-feira contra Brizola (porque os jornais também têm o direito de se irritarem de vez em quando). Mas não posso deixar passar em branco a manchete da Folha de sexta-feira: "PDT em crise suspende a campanha de Brizola".

A afirmação de que Brizola tinha parado a campanha e se trancado no seu apartamento no Rio foi publicada ad nauseam na Folha. Uma leitura atenta do jornal mostrava que Brizola havia suspendido era a campanha de rua. Ele continuava as gravações do horário eleitoral. Então a participação no horário eleitoral não é campanha? Para a Folha não porque ela não corrigiu este erro na sua edição de ontem. Publicou a relação dos compromissos de viagem cancelados mas partiu para outra tentativa de enganação. Repetiu que Brizola esteve trancado no seu apartamento desde segunda-feira e que um assessor de imprensa "procurou contestar" a reportagem da Folha dizendo que o candidato fez campanha na terça-feira e esteve em Montes Claros, Cachoeiro do Itapemirim e Governador Valadares.

Ora, se Brizola percorreu estas cidades na terça-feira então ele não esteve trancado "desde cinco dias" conforme a Folha publicou ontem. Brizola acusa o golpe de queda nas pesquisas e tenta recuperar os pontinhos perdidos, tudo isto é evidente. Mas que jornalismo possa ser confundido com desinformação e publicação de semi-verdades não é correto. Por isto está errada a manchete da Folha de sexta-feira. Brizola promete também entrar na Justiça contra esta manchete da Folha. Tem razão.

RETRANCA

- Os desenhos da moça e do "chinês" reproduzidos por esta coluna foram publicados em jornais diferentes num espaço de 50 anos.

- Eles apareceram pela primeira vez na então "Folha da Noite" (antecessora desta Folha). A moça saiu em 29 de setembro de 1939 sob a legenda "Fascinação". O chinês em 8 de julho do mesmo ano na charge intitulada "Dois valentes". Retratavam assuntos da época, os EUA sendo seduzidos pela Segunda Guerra, o conflito entre URSS e a China.

- São de autoria de Belmonte, um desenhista e cronista que ficou célebre em São Paulo na primeira metade do século, considerado o maior humorista gráfico da paulicéia. Nasceu (1896) e morreu (1947) em São Paulo. Caricaturou todas as personalidades políticas de sua época, nacionais e estrangeiras. Foi o desenhista mais famoso de todos os que traçaram os personagens de Monteiro Lobato. Foi quem criou o personagem Juca Pato, um reclamão de marca maior contra os desmandos da vida, a carestia, a corrupção, o abuso de poder.

- O outro desenho que você vê nesta página (o que junta a moça com o "chinês") foi publicado na edição de quarta-feira passada na segunda página do caderno de Economia de "O Estado de S.Paulo". Leva a assinatura de Montenegro. Trata-se de uma cópia sem disfarce dos traços de Belmonte.

- As homenagens gráficas são comuns entre os caricaturistas e artistas. São normais também as influências de estilo. Quando se homenageia alguém, quando é feita alguma citação de obra, costuma-se deixar isto claro, dizer que o traço foi baseado no desenho de fulano ou é um cumprimento para sicrano etc.

- O desenhista Montenegro não fez nada disso. Assinou uma cópia feita com papel carbono. Esse procedimento tem nome: plágio. Quem descobriu a coisa foi um leitor do "Estado" e da Folha que pede para não ser identificado. Ele mandou para esta coluna -emprestado-um raro exemplar do álbum de caricaturas de Belmonte, "No Reino da Confusão", editado em 1939 pela Empresa Folha da Manhã. Os desenhos originais de Belmonte estão lá. Eles podem ser vistos também nos exemplares do jornal.


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