Folha de S. Paulo


Sobre a confiabilidade na fonte de informação

O diretor de redação de "O Estado de S.Paulo", o jornalista Augusto Nunes, escreve para contestar informação dada nesta coluna no domingo retrasado. Nunes diz que não mandou a carta (veja a íntegra abaixo) para o ombudsman da Folha, mas para o Caio Túlio, porque o ombudsman deve "cingir-se a questões ligadas apenas ao jornal que lhe para o salário". Nunes esqueceu-se porém de que o ombudsman do "Washington Post", por exemplo, faz crítica da imprensa em geral -e também para isso eu sou pago pela Folha.

Detalhe menor. Nunes diz ser falsa a informação publicada nesta coluna no dia 8 de outubro. Escrevi numa pequena nota que em "O Estado" a preocupação naquela época era saber quais as chances reais de Afif Domingos na eleição presidencial. Foi providenciada uma reunão com o pessoal do Gallup e a análise feita pelo instituto não agradou. Feitas as contas, Afif não teria condições de chegar ao segundo turno.

Nunes afirma que essa reunião não aconteceu e o que fazem é conversar com o pessoal do Gallup "imediatamente após a entrega dos resultados" para buscar detalhes que expliquem os diferentes aspectos do levantamento e "permitam algumas projeções". Muito bem, então houve uma conversa. Mas a preocupação de Nunes é de outro calibre. Ele quer deixar claro para seus leitores e para seus comandados que o jornal que dirige não estaria em campanhaa favor de Afif.

Se está ou não, os leitores de "O Estado" poderão julgar com a autoridade de quem compra e sustenta a publicação. O que me interessa aqui é explicar o mecanismo da notícia que está sendo negada. Todo jornalista tem as suas "fontes de informação". Elas podem ser mais ou menos confiáveis. Muitas delas manipulam o jornalista passando informações com interesses escusos e "plantam" notícias -como se diz no jargão da categoria-que podem até prejudicar pessoas ou interesses legítimos.

Para ter a confiança de seus leitores o jornalista tem que saber distinguir a boa fonte da má fonte. Tem que estar consciente também de que mesmo fatos rigorosamente verdadeiros podem vir a ser contestados porque não poderiam vir a público. E, se vierem a público, então precisam ser "desmentidos". Algumas informações passadas pelas fontes não carecem de provas, muitas vezes o próprio desenrola dos acontecimentos acaba provando sua veracidade. Outras informações necessitam de provas. O famoso caso revelado nesta Folha por Janio de Freitas (da fraude na concorrência da ferrovia Norte-Sul) é um exemplo de informação recolhida de boa fonte que possibilitou a prova cabal da fraude.

Quando escrevi que houve uma reunião em "O Estado" (ou uma conversa, como quer Augusto) eu estava dando uma informação que me foi passada por uma "fonte" extremamente confiável. E mesmo agora, depois da carta de Nunes, eu não tenho a menor dúvida sobre a veracidade dela.

Mas a noita, repare, sequer dizia que Afif é o candidato de "O Estado". Não havia razão para se incomodarem em sair dizendo o contrário. O mais interessante é que o jornal ttem até exagerado nessa disposição. Na edição de domingo passado escancarou o peso de sua consciência ao publicar um texto onde tentava explicar porque a pesquisa do Gallup (contratada pelo jornal) era a única entre os grandes institutos de pesquisa que dava uma vantagem maior para Afif.

Na precipitação em mostrar que não estava privilegiando o candidato, "O Estado" chegou até a escrever besteiras como a que o DataFolha e o Gallup trabalham com métodos diferentes e por isso os resultados seriam distintos. Na realidade, os dois institutos -até a semana passada pelo menos-trabalhavam com o mesmo sistema, dito probabilístico. E mais, em pesquisa de opinião, historicamente, o normal é que métodos diferentes cheguem a resultados parecidos.

Na história do jornalismo também não há a menor contradição no fato de jornais conservadores como "O Estado" escolherem seus candidatos e procurarem saber quais são suas chances. Na França, nas últimas eleições presidenciais, o direitista "Le Figaro" apoiou o candidato da direita, Jacques Chirac, sem o menor constrangimento. Nos Estados Unidos, o liberal "The New York Times" fez o editorial a favor do democrata Michael Dukakis mesmo sabendo que ele não era o favorito nas pesquisas eleitorais.

Quanto à última observação da carta de Nunes, o mais certo é dar tempo ao tempo. Mas ele convida à pergunta: por que "O Estado" não tem a coragem de instituir também um ombudsman -com a liberdade que o cargo requer-na sua Redação?

RETRANCA

- O ombudsman recebeu e respondeu 68 cartas esta semana e atendeu a 90 telefonemas. A maioria das queixas foram contra a maneira pela qual a Folha abortou a atitude do candidato Mario Covas no debate da TV Bandeirantes. Todos os que telefonaram discordam que Covas teve uma participação retraída. Disseram, em síntese, que Covas acabou sendo punido pela Folha porque seguiu as regras do jogo. "A Folha sempre pediu ética dos políticos e o Covas não serve por ter sido ético?" perguntou o leitor Luís de La Giustina, de Florianópolis (Santa Catarina).

- A Folha cometeu duas injustiças contra a prefeita Luiza Erundina num título publicado na primeira página do jornal de sexta-feira: "Erundina folga 5 dias na Europa". Primeira injustiça: o texto da primeira página informava que Erundina tinha feito palestra em Paris, teve um dia agitado e nem teve tempo para compras ou passeios. A reportagem publicada lá dentro dizia que ela mal teve tempo para passear e que ela estava ali a convite do Partido Socialista francês para falar da experiência petista. Ou seja, até aquele momento a Folha não tinha nenhuma evidência de que Erundina viajou para folhar cinco dias. Segunda injustiça: dizer que ela "folga", no título, passa uma carga pejorativa, como se ela não pudesse descansar. E se Erundina resolvesse viajar para realmente espairecer? Qual o mal? Prefeita não pode folgar? E o jornalista que fez este mesmo título, nunca folgou?

-A seguir reproduzo a íntegra da carta enviada pelo diretor de Redação de "O Estado de S.Paulo", jornalista Augusto Nunes:

"Meu caro Caio Túlio: não estou escrevendo ao ombudsman da Folha (que, como acontece nos países civilizados, deve cingir-se a questões ligadas apenas ao jornal que lhe paga salário). Escrevo ao Caio Túlio que sempre respeitei e, sobretudo, a um leitor do "Estadão" -você, no caso-que recebeu e deu curso a uma informação falsa envolvendo a Redação que dirijo.

"Como estive fora do país desde o dia 6, soube só hoje de uma nota publicada no dia 8, domingo, afirmando que pessoas da 'Estado' se reuniram com diretores do Gallup para examinar a situação da candidatura de Guilherme Afif Domingos. Trata-se de pura ficção: tal reunião nunca existiu. O que fazemos nas conversas que temos com o pessoal do Gallup imediatamente após a entrega dos resultados de cada pesquisa, é buscar detalhes que expliquem os diferentes aspectos do levantamento e permitam algumas projeções. Nada mais Imagino que vocês ajam assim quanto ao DataFolha.

"A notícia publicada em tua coluna é, portanto, falsa Talvez porque não tenha havido consultas a todas as partes envolvidas, como recomenda qualquer ombudsman.

"Quando você começou seu trabalho, vários de seus amigos que conhecem a Folha, fizeram uma previsão: se o ombudsman agir com independência, ninguém ficará muito tempo no cargo; se ficar, terá deixado de ser independente. Espero, sinceramente, que exista uma terceira opção. E torço por você. Um abraço",

(a)Augusto."


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