Folha de S. Paulo


Maneiras de aterrorizar uma fonte da informação

O diretor-geral da Polícia Federal , Romeu Tuma, tem todas as razões do mundo para ter ficado tiririca ao ler a primeira página desta Folha na sexta-feira 13. "Para Tuma, grupo terrorista pode ter agido no caso Sales", diz o título que introduziu notícia segundo a qual "terroristas podem estar envolvidos no sequestro de Luiz Sales". Ali se escreveu que esta afirmação "foi feita" por Tuma em Ica, no Peru.

Não foi isso que Tuma falou. Suas declarações viajaram de Ica até São Paulo corretamente, foram publicadas na página interna do jornal conforme chegaram mas sofreram alterações substantivas no caminho de não mais de 20 metros entre a editoria de Cidades e a Primeira Página.

Se você olhar seu exemplar de sexta-feira vai conferir que no texto da página D-5 está escrito que pessoas de língua espanhola participaram do sequestro do publicitário Luis Sales e que Tuma disse ter "evidências" de que o crime está relacionado com ações semelhantes praticadas por grupos guerrilheiros latino-americanos. No final do texto anota-se que o próprio Tuma acha que não se pode dizer que tenha havido motivação política na ação. O título está correto: "Tuma vê tática de guerrilha no sequestro de Sales".

Não precisa ser formado em jornalismo para saber que as expressões tática de guerrilha e grupo guerrilheiro. Não é necessário ser cientista político para saber que nem todo sequestrador é terrorista -no sentido clássico do termo, aquele cuja motivação é política. Partir das declarações iniciais de Tuma e inferir que os sequestradores podem formar um grupo terrorista –porque as táticas usadas são parecidas-é um erro. A coisa pode soar mais forte, proporcionar um título mais impactante, causar mais barulho. Mas não foi isso que Tuma falou. Ele teve sua declaração distorcida.

Ao leitor e ao próprio Tuma pouco importam as razões deste fenômeno de lesa-notícia. Aos dois interessa a informação exata. Tanto quem deu a declaração quanto quem a consome devem recebê-la da maneira como foi dita. Não importa se o jornalista que leu o texto original na Redação e produziu o texto da primeira página estava com muita pressa, leu na diagonal porque foi pressionado para trabalhar depressa ou mesmo se ele "interpretou" as palavras ditas e decidiu por conta própria que Tuma deveria estar pensando num grupo terrorista quando falou em tática de guerrilha e assim, logo, os sequestradores podem formar um grupo terrorista. Para ambos -gerador e consumidor da notícia-não há desculpas possíveis neste caso. Ninguém precisa saber, obrigatoriamente, do funcionamento interno de um jornal, que um redator faz o título, outro escreve os textos que vão para a primeira página e o repórter nem sempre é o responsável pelo texto final que aparece sob seu nome.

O erro cometido pela Folha exemplifica um dos problemas centrais do jornalismo brasileiro, o da reprodução exata do que foi dito, o da fidelidade na transcrição das declarações. Vem daí a enorme desconfiança das chamadas "fontes de informação" em relação aos jornalistas. Elas têm um receio enorme de falar à imprensa porque nunca sabem como aquilo que disseram vai ser impresso.

No caso de Tuma não foi o repórter quem reproduziu erroneamente as palavras. A mudança foi realizada dentro da Redação. É por essas e outras que também a desconfiança dos leitores em relação à imprensa é grande. Muitas vezes ele ouve determinada declaração no rádio ou na tevê e depois lê coisa diferente no jornal. O grau de responsabilidade do jornalista -e da imprensa em geral-se mede pela confiança que ele tem não só dos leitores mas das pessoas que produzem e dão informação.

Quando mais deturpações o jornalista realizar menos notícia vai conseguir e mais vai ter de inventar. Está fechado assim o ciclo do "jornalismo interpretativo" abrasileirado. A segurança de que isto não dá certo, no entanto, vem de um velho aforisma que muitos desconhecem -não se pode enganar todo mundo o tempo todo.

RETRANCA

- Das 60 cartas e 95 telefonemas que esta coluna recebeu esta semana, 12 e 23, respectivamente, respondiam à pergunta feita aqui na semana passada se está correto o fato de a imprensa deixar de noticia sequestros em andamento. Todos que escreveram e a esmagadora maioria dos que telefonaram acham que sim.

- O telefonema mais dramático foi o do editor-executivo do "Jornal de Brasília", Eduardo Martins Neto. Seu jornal foi o primeiro a noticiar o fato, no dia 4 de agosto, quando toda a imprensa -falada e escrita-tinha se calado sobre o assunto.

- Eduardo ligou para se queixar de toda a imprensa brasileira que, segundo ele, tem-se negado sistematicamente a dar sua versão e acusa o "Jornal de Brasília" de ter rompido um acordo de não publicação da notícia. Ele mandou também dois fac-símiles da primeira página do "Jornal de Brasília" (de 5 de agosto e 7 de outubro) onde se diz que "em nenhum momento" o jornal foi procurado por representantes da família Salles ou da polícia para "informar o sequestro ou propor acordos".

- O editor-executivo do "Jornal de Brasília" reclama que tem levado paulada de "toda" a imprensa brasileira, que "ninguém", tem tido a delicadeza de ouvir o jornal para registrar sua versão. Ela é a seguinte: Eduardo Martins ficou sabendo do sequestro quatro dias depois do acontecido através de um amigo que mora em Belo Horizonte e passava por Brasília. Investigou o assunto, confirmou a informação e publicou-a sem a menor preocupação e ninguém -ele desafie que se apresente alguém-pediu sigilo. "Não pensei nada. Nós tínhamos a informação, a informação estava checada e decidi dar", afirma ele.

- Se a família tivesse pedido, acrescenta Eduardo, não teria nenhum constrangimento em segurar a notícia. Segundo ele, ninguém propôs acordo com o jornal. "Qual seria a atitude da Folha se ninguém pedisse?" questiona ele.

- Eis uma boa questão. O diretor de redação da Folha, Otavio Frias Filho, explica que o critério do jornal é checar sempre com a família. É ela quem tem a última palavra e vai determinar a atitude do jornal nestes casos. O diretor está respaldado pelo verbete "Razões de segurança" do "Manual Geral da Redação". Nele se diz que a Folha publica tudo o que sabe, mas, em casos excepcionais, "pode decidir não publicar informações cuja divulgação coloque em risco a segurança de uma ou mais pessoas ou a segurança de uma ou mais empresas". Esta é, sem dúvida, a atitude mais sensata para o caso.

- Dessa maneira, pode-se considerar que o "Jornal de Brasília" errou por não perguntar diretamente se a família desejava ou não o sigilo.


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