Folha de S. Paulo


Por que Collor não é bobo e a Folha é ingênua

Dos cento e quatro telefonemas recebidos esta semana de leitores da Folha, o ombudsman atendeu sete que consideram o jornal empenhado em acabar com a candidatura de Fernando Collor de Melo. O leitor Domingos Menezes Jr., de Ponta Grossa (PR), ligou especialmente para pedir "respeito aos eleitores de Collor". Onze das 65 cartas que chegaram em nome do ombudsman vão na mesma linha.

Nesta semana a Folha publicou mais uma denúncia contra Collor. A edição de terça-feira informava na primeira página que Collor omitiu a herança recebida do pai na sua declaração de renda apresentada em março de 87, quando assumiu o governo de Alagoas.

Não foi a primeira revelação do jornal sobre a vida política do candidato. A Folha já falou que ele entregou um conjunto habitacional sem condições de moradia; endividou Alagoas para pagar usineiros; contratou uma consultoria econômica sem concorrência; dobrou o número de funcionários da Prefeitura de Maceió no final de sua gestão; lançou despesas "secretas" na contabilidade do Estado; gastou quase 1 milhão de dólares em propaganda oficial... O leitor da Folha acompanhou as revelações. Para todas Collor teve explicações, a maioria delas após a publicação das reportagens.

A Folha do dia 12 de junho informa, por exemplo, que foram deixados vários recados em sua residência porque o jornal queria ouvi-lo sobre a contratação da consultoria sem concorrência. No caso das verbas secretas o jornal o procurou durante todo o dia, um domingo de agosto. Não o achou nem ele retornou a ligação.

Collor nada dizia antes das reportagens saírem. Uma vez publicadas, mandava cartas -sempre no estilo "Collor desafia", "Collor restabelece a verdade". Da mesma maneira que aconteceu esta semana. "A verdade sobre a herança de Collor" é o título da carta que ele mandou rebatendo as acusações.

Não se pretende discutir aqui o mérito da coisa, mas a maneira como o gerador da notícia (Collor) e o transmissor da notícia (a Folha) levaram o assunto. O jornal noticiou pelo menos quatro grandes escândalos na vida pública de Collor. Tinha a obrigação de estar escaldado, de entender como o candidato reage contra a divulgação de irregularidades a seu respeito.

É simples. Quando procurado antes de sair a notícia ele evita declarações. Espera a coisa vir a público para fazer sua defesa. Não importa se ele responde convincentemente às reportagens. Importa que ele dá uma resposta sempre mais agressiva do que a denúncia. O tom das suas cartas é desafiador. E o jornal tem que dar destaque à resposta. É sua obrigação.

Foi o que aconteceu esta semana. A versão de Collor só apareceu no dia seguinte. Teve menção na primeira página, foi publicada na íntegra na parte redacional do caderno Diretas 89 e repetida como informe publicitário no mesmo caderno. Do jeito que saíram -denúncia e resposta-só se reforçou a opinião da parcela dos leitores que acham o jornal disposto a "massacrar" o candidato.

Muito mais do que perseguição ou espírito crítico, está em jogo o princípio básico do "outro lado" da notícia. Como a Folha não o ouviu no dia certo, teve que dar sua versão no outro, com igual destaque. Collor sabe disso e maneja este princípio com maestria. Certa ou errada a notícia, Collor consegue passar aos leitores a impressão que está sendo perseguido.

Ingênua a Folha de não ter sacado a artimanha. Collor acaba conquistando mais espaço no jornal do que a posição de líder nas pesquisas eleitorais normalmente lhe daria. A ingenuidade foi ao extremo nesta semana porque o jornal sequer informou que o candidato fora procurado para se explicar. Pior, a Folha nem o procurou, cansada de não acha-lo em casos desse tipo.

Dessa maneira, a Folha optou por desrespeitar a parte do seu leitorado que não está contra Collor. Publicou a reportagem da herança sem ouvir o candidato. Sem dizer que procurou. Sem mostrar que pelo menos tentou informar melhor. Levou chumbo no dia seguinte. E aí -a maior ironia nessa história toda-reforçou a opinião dos leitores que acham que a Folha dá espaço demais para Collor.

RETRANCA

- Algo que se imaginava erradicado na "grande imprensa" brasileira era a reprodução literal do "press release", o texto preparado pelas assessorias de imprensa para servir de base para as reportagens, pautas, um instrumento de indicações para o jornalista. Pois o hábito continua. Veja os fac-símiles publicados nesta página. O suplemento de Turismo de "O Estado" publicou na sua edição de terça-feira um release do Departamento de Relações Públicas da Lufthansa. Na íntegra.

- Dois grandes jornais se movimentam em função dos resultados das últimas pesquisas eleitorais. Em "O Globo", a orientação é no sentido de elogiar Afif Domingos enquanto ele puder ameaçar Leonel Brizola. Se ele um dia puder ameaçar Collor será um nome ideal. Por enquanto a preocupação é evitar alusões à queda real de Collor. Veja o que "O Globo" deu na sua primeira página de terça-feira: "Pesquisa Ibope: quadro da sucessão se mantém estável".

- Em "O Estado de S.Paulo" a preocupação é saber quais as chances reais de Afif. Foi providenciada uma reunião com o pessoal do Gallup mais a análise feita pelo instituto não agradou. Depois de todas as contas possíveis e imagináveis Afif não apresenta, ainda, chances de passar dos 10% no primeiro turno.

- O "DCI" (Diário Comércio & Indústria) é um jornal econômico de São Paulo. Leia sua manchete desta sexta-feira: "Brasília decreta uma nova camisa-de-força para impedir a queda dos preços..." Seria muito gozado se os preços estivessem em queda...

-Sempre que há um sequestro de repercussão nacional -como o de Luiz Sales-vem à baila a discussão ética sobre o bloqueio da notícia nos meios de comunicação. Você acha correto que a imprensa deixe de noticiar um sequestro enquanto ele está em andamento? Cartas para o ombudsman.

- O ombudsman deu um número errado na coluna de domingo passado. A Câmara dos Deputados tem na realidade 495 deputados. O número aumentou com a criação do Estado de Tocantins. Isto posto, são portanto 495 os deputados que têm o direito líquido e certo de trabalhar um dia por semana e ganhar por sete!


Endereço da página: