Folha de S. Paulo


Como é enganosa a objetividade jornalística

Você sabia que desde quarta-feira passada os deputados federais ganharam o direito líquido e certo de trabalhar apenas um dia por semana até o fim da campanha eleitoral? Você sabia que comparecendo uma vez por semana ao Congresso eles garantem a integralidade do salário mensal de NCz$ 22 mil?

Poucos leitores sabem disso porque a notícia foi dada com descaso pela imprensa. Na Folha ela mereceu apenas duas colunas no meio da página A-4 da edição de quarta-feira. No "Jornal do Brasil", ficou restrita a uma coluna, no alto da página dois. Em "O Estado de S.Paulo" e "O Globo" ela sequer apareceu quando se tornou fato consumado. Na tevê, o comentarista política indignado com a história -talvez o único-foi Villas-Boas Correa, da rede Manchete.

Esta semi-omissão reflete um desleixo quase histórico da imprensa com um dos direitos básicos do cidadão, o de saber como os homens públicos tratam do dinheiro que sai do bolso do contribuinte na forma de impostos, o mesmo dinheiro que paga o salário dos deputados.

Pior, a própria maneira como foi dada a notícia é mistificadora. Basta pegar os títulos dos textos publicados pelos dois grandes jornais que registraram o evento: "Deputados vão perder NCz$ 5,5 mil por falta", escreveu a Folha. "Deputado que faltar a votação hoje perde os NCz$ 3,5 mil da semana", lançou o JB. (Releve a discrepância dos números; a Folha dividiu por quatro o salário bruto, o JB reproduziu a cifra dada pela mesa da Câmara).

A manobra foi simples. Os deputados não estavam mais indo a Brasília e a mesa da Câmera resolveu "moralizar" o negócio. Com o acordo das lideranças partidárias, inventou então a "semana um". O deputado comparece na quarta-feira para bater o ponto (votar) e leva a grana da semana toda.

Ficou parecendo medida viril, punição aos faltosos. Se gazetear na quarta, perde um quarto do salário! Os dois textos, da Folha e do JB, explicam que o expediente foi adotado por causa da eleição. Os deputados teriam que viajar muito em função das campanhas eleitorais.

Você que acompanha o horário político, o noticiário na tevê ou as fotos e notícias em jornais, pode contar nos dedos quantos dos 487 deputados federais estão presentes nas campanhas. Se eles somarem 10% do total -conforme anotou Villas-Boas Correa-será muito.

Publicada da maneira que foi, a notícia é um exemplo acabado de como a objetividade jornalística pode ser também enganadora. O fato palpável é, sem dúvida, que os deputados vão perder dinheiro se faltarem na quarta-feira. No entanto, objetivamente, ao invés de serem punidos, os faltosos são contemplados com o direito de gazetear nos outros dias e ganhar por apenas um dia de trabalho no Congresso. Os deputados acabam de inventar a semana de trabalho de apenas um dia.

RETRANCA

- Nesta primeira semana de trabalho, o ombudsman da Folha atendeu a 89 telefonemas (17 por dia, em média), recebeu 108 cartas (21 por dia) e conversou pessoalmente com cinco leitores.

- Prevaleceu um assunto nesses contatos, o da candidatura de Fernando Collor de Mello. Leitores -como Maurício Polari, de São Paulo, o Claudinei Nacarato, de Ribeirão Preto-reclamam do excesso de notícias sobre Collor na Primeira Página. A cobertura está na base do "falem mal mas falem de mim", diz Nacarato, para embasar sua tese de que a Folha colloriu. Outros, como José Carlos Siqueira, de Juiz de Fora, elogiam a maneira crítica como o jornal tem acompanhado a campanha de Collor. Ou outra -Terezinha Vieira Couto, de São Paulo-que ameaça cancelar sua assinatura caso a Folha não pare esse "massacre" contra Collor.

- Por falar em apoio e atitude critica, leia alguns títulos do jornal "O Globo", em sua edição de quarta-feira. Todos se referem a Collor: "Candidato consegue reunir até rivais em Natal"; "Collor quer reunir 450 mil em três comícios"; "Collor quer empolgar São Paulo e Minas"; "À procura de mais sintonia com o povo"; "Voz firme, coração de mãe". Este último é sobre Leda Collor, a mãe do candidato.

- A segunda bateria de telefonemas e cartas veio de funcionários do Banco do Brasil -como Valdomiro Maciel, de São Paulo. A maioria dos funcionários reclamou da comparação que a Folha fez do salário médio de um bancário do BB (NCz$ 6,3 mil) e do salário médio de um bancário americano (o equivalente a NCz$ 7,2 mil). O salário da "maioria" dos funcionários, dizem os reclamantes, não passa de NCz$ 1,5 mil.

- O ombudsman atende o telefone das 14h às 18h (de segunda a sexta-feira), recebe cartas e visitas na sua sala, no quinto andar do prédio da Folha. Aos que pretendem conversar pessoalmente, é conveniente marcar horário com antecedência.

- Todas as reclamações e sugestões recebidas pelo ombudsman são encaminhadas aos responsáveis a quem cabe examinar e dar sequência ao problema. As cartas são respondidas pelo ombudsman e algumas, selecionadas para publicação no "Painel do Leitor". Muitas das queixas e sugestões de leitores já estão fazendo parte de leitores já estão fazendo parte da crítica diária do jornal (de circulação interna) feita pelo ombudsman.

- O jornalista Mauro Lopes, da Folha, autor da reportagem sobre Collor e Pelé criticada aqui na semana passada, enviou a seguinte resposta a esta coluna: "Ao contrário do que afirma Caio Túlio Costa na sua coluna de estreia na função de ombudsman, o leitor da Folha que respeite as opiniões de Pelé pode levar em conta o noticiário publicado há duas semanas. Mais que isso. Deve. A primeira frase da reportagem, 'Pelé colloriu mesmo', retrata com fidelidade o acontecimento. Outros jornais não publicaram essa informação porque dela não dispunham. A Folha, sim, os repórteres de outros jornais contentaram-se em registrar declarações de Collor numa entrevista coletiva. O da Folha, não. A notícia foi 'precipitada', como afirma Caio Túlio Costa? Não. A crítica, sim. Caio Túlio Costa cometeu um elogio -tenho certeza que involuntário-à preguiça jornalística. Aplaudiu repórteres que se bastaram a recolher declarações numa coletiva. Criticou a reportagem da Folha que se constituiu num furo jornalístico." Assinado: Mauro Lopes.

-Derradeiro registro: jornalistas de "O Estado de S.Paulo" foram convidados para participar da entrevista com o ombudsman da Folha no programa "Imprensa na TV", levado ao ar hoje às 23h na Record. "O Estado" se recusou a participar.


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