Folha de S. Paulo


Quando alguém é pago para defender o leitor

Começa aqui a coluna semanal do ombudsman da Folha. O nome pode parecer esquisito mas indica uma função que tem dado certo em outros países. Tanto na área pública (como na Suécia onde o ombudsman é uma espécie de ouvidor geral) quanto no jornalismo (como nos EUA, onde ele serve de advogado do leitor).

No caso do ombudsman do "The Washington Post" (EUA) a sua coluna virou obrigatória. Ele anota os erros e às vezes até rescreve reportagens. Também aponta acertos e não se contenta em analisar apenas o "Post". Fala dos outros jornais e dos veículos. Faz "média criticam" a crítica da mídia.

Na Folha esta coluna irá no mesmo passo. Vai comentar as notícias da semana e a maneira como a imprensa tratou os assuntos com um único objetivo: ler o jornais e escutar as notícias com olhos e ouvidos de leitor exigente. Informação correta é requisito para se ter opinião e decidir as coisas da vida.

Nesta semana, por exemplo, o leitor da Folha que respeite as opiniões de Pelé não pode levar em conta o noticiário publicado na quarta-feira. Segundo a Folha, Pelé não só entrou na campanha política como "colloriu", Ou seja, estaria apoiando a candidatura de Fernando Collor de Mello à presidência da República. Isto está dito no primeiro parágrafo da noticia: "Pelé resolveu aderir ao candidato do PRN".

Enquanto isto, outros jornais e a própria Rede Globo (que apóia Collor) foram devagar. O "Jornal Nacional" noticiou a conversa entre os dois, ocorrida em São Paulo, e afirmou que não houve adesão. "Pelé conversa com candidato mas não adere", titulou o "Jornal do Brasil". "O Estado de S.Paulo" chegou a dizer que Collor "alardeou" a reunião o que seria uma prova do apoio à candidatura, mas anotou que Pelé saiu pelo elevador da cozinha do hotel Maksoud (o local do encontro) "para não ter de assumir, perante os jornalistas, a adesão".

O texto da Folha ressalva que Collor foi cuidadoso e evitou contar que a Folha baseou-se numa afirmação do secretário de Pelé conforme a qual o craque se engaja na campanha de Collor em meados de outubro.
Pelé evitou os jornalistas e não deu declarações. Saiu pela cozinha, segundo o "Estado". Ficou trancado numa suíte do hotel (Folha). Depois do encontro, Collor foi discretíssimo quanto à possibilidade de apoio. Daí, a afirmação de que Pelé "colloriu" é precipitada. Mas este é um exemplo menor de informação mal redigida pega aleatoriamente num rápido folhear de jornais.

Há casos piores praticados diariamente pela imprensa brasileira contra os leitores. Como informar sem nenhum distanciamento crítico que o Brasil iria pedir mais US$ 4,8 bilhões aos bancos credores. A notícia foi destaque pelo menos na Folha e em "O Globo" de quarta-feira. As duas redações limitaram-se a reproduzir os textos que receberam de suas sucursais de Brasília sem incluir uma menção - na forma de uma checagem junto ao ministério da Fazenda uma repercussão com banqueiros credores, ou mesmo na forma de um texto analítico - de que o atual governo não tem mais condições técnicas de pedir dinheiro aos banqueiros para "rolar" uma dívida que sequer foi negociada. Isto é uma coisa que qualquer jornalista que se ocupa do assunto sabe de cor.

A desinformação não para por ai. Uma carta publicada no "Painel do leitos" da Folha de sexta-feira com o singelo título de "Queda do Boeing" mostrava o quanto uma cabeça atenta pode perceber de bobagens num jornal. O leitor Rubens Junqueira Villela apontou erros crassos de tradução e reprodução de nomes próprios. Anote, por favor, a publicação da carta fruto do hábito da Folha em corrigir seus erros, algo que aos poucos vão incorporando à grande imprensa. O "Estado", agora concede algumas "correções". Reconhecida na quinta-feira, que errara na reprodução dos resultados de uma pesquisa eleitoral e dera a Ulysses Guimarães intenções de voto que ele não tem... Casos menores.

Há muito o que falar da imprensa brasileira, das maquinações editoriais, das necessidades logísticas e empresarias de cada grupo ou mesmo das neuroses e idiossincrasias dos profissionais da área. Há muito o que falar também da própria qualidade desta imprensa, que na realidade pouco deve à melhor imprensa estrangeira - que é a inglesa e americana. Qualquer cidadão viajado pode conferir também que os jornais brasileiros ganham de longe em objetividade dos congêneres franceses, italianos e espanhóis. Ali campeia ainda o opinionismo senil.


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