Folha de S. Paulo


Neblina no canal

"Neblina no canal -Continente fica isolado". A velha manchete de jornal diz muito sobre as relações entre Reino Unido e Europa. A ilha sempre gostou de se ver como o centro do mundo –no mínimo, um patamar acima dos vizinhos.

Os britânicos afirmaram seu poder com vitórias militares sobre França e Alemanha. As guerras passaram, o império passou, mas o sentimento de isolacionismo continua. Isso ajuda a explicar por que os súditos da rainha optaram por sair da União Europeia, numa decisão que contraria a lógica econômica e geopolítica.

O Reino Unido nunca se encantou pelo projeto europeu. Demorou a entrar no mercado comum, esnobou a negociação de tratados e se recusou a trocar a libra pelo euro.
Mesmo em Londres, onde 60% dos eleitores votaram pela permanência, a União Europeia tem menos prestígio que em Paris ou Berlim. A Union Jack é onipresente na capital britânica. A bandeira azul do bloco só tremula em prédios oficiais.

Falar mal da Europa sempre deu voto na ilha. O primeiro-ministro David Cameron pensou nisso quando propôs o plebiscito, em janeiro de 2013. O Partido Conservador buscava um antídoto contra o crescimento do Ukip, sigla nacionalista de direita que aposta no ódio aos imigrantes.

O premiê foi criticado por ceder ao populismo, mas colheu frutos no curto prazo. A ala eurocética do seu partido ficou satisfeita, e ele garantiu a reeleição no ano passado.

Depois de incentivar o discurso da ruptura, o conservador passou a fazer campanha pela permanência no bloco. Faltou combinar com o eleitorado. A alquimia fracassou, e Cameron se tornou a primeira vítima do plebiscito que ele mesmo inventou para permanecer no poder.

A queda do premiê deve servir de exemplo a outros políticos moderados que cedem ao populismo xenófobo para ganhar votos. O britânico se julgou mais esperto que a esperteza, mas agora deve desaparecer como um barco na neblina.


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