Folha de S. Paulo


Uma cabeça para a multidão

É difícil encontrar quem defenda, com sinceridade, que a presidente deva ser cassada pelos motivos alegados no pedido de impeachment. Créditos suplementares e pedaladas serviram de pretexto para a abertura do processo na Câmara. Dilma foi ao cadafalso por razões como a crise econômica, a indignação geral com o petrolão e o instinto de autopreservação dos políticos.

A economia, como sempre, está na origem dos problemas. A inflação disparou, o desemprego voltou a crescer e o rombo nos cofres públicas explodiu. A presidente semeou o estrago no primeiro mandato e colheu seus frutos podres no segundo.

Depois de assegurar a reeleição, Dilma rasgou promessas de campanha e adotou o programa liberal dos rivais. A guinada sem aviso prévio não equilibrou as contas e ainda minou as bases do petismo. Até Lula se juntou ao coro dos descontentes.

A crise derrubou o apoio popular à presidente, mas não ameaçaria seu mandato sem a Lava Jato, que revelou desfalques bilionários na Petrobras. Embora ninguém questione sua honestidade pessoal, Dilma não conseguiu se desviar da lama que soterrou o PT. O escândalo levou a classe média às ruas e passou a ameaçar a sobrevivência de outros partidos que sustentavam o governo no Congresso, como PMDB e PP.

Com dezenas de pescoços na berlinda, o sistema intuiu que poderia cortar uma só cabeça e saciar a multidão faminta por punições. A aposta será testada no domingo, quando uma presidente que cometeu erros graves, mas não é acusada de embolsar dinheiro público, poderá ser derrubada em nome do combate à corrupção.

A sessão do impeachment será comandada por Eduardo Cunha, um dos pivôs do petrolão. Ele é réu no STF, dono de contas na Suíça e aliado do vice-presidente. Até ontem à tarde, a votação seria iniciada pelo deputado Afonso Hamm, que também é suspeito de receber propina do esquema. Em defesa da pátria, ele já anunciou que vai dizer "sim".


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