Folha de S. Paulo


O juiz e o capoteiro

BRASÍLIA - Na manhã em que a polícia bateu à porta do ex-presidente Lula em São Bernardo, o juiz Sergio Moro se sentou em Curitiba para tomar o depoimento de uma testemunha. O magistrado advertiu que o homem, de aparência humilde, seria alvo de um processo caso tentasse mentir na audiência.

Depois do aviso, Moro passou a palavra ao procurador Diogo Castor de Mattos, da força-tarefa da Lava Jato. Seguiu-se o seguinte diálogo:

Procurador: "O senhor pode esclarecer a sua atividade profissional durante o ano de 2009?"

Testemunha: "Eu sou capoteiro."

Procurador: "Capoteiro?"

Testemunha: "É."

Depois de mais duas perguntas frustradas, Moro declarou que o homem foi "chamado por engano, por alguma questão de homônimo". Sem pedir desculpas, dispensou a testemunha e encerrou a audiência.

Não foi o único erro do juiz na sexta-feira. Ele forçou a mão ao mandar a Polícia Federal para a casa de Lula às seis da manhã. "Só se conduz coercitivamente o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado", criticou o ministro Marco Aurélio Mello, do STF.

O juiz não deu o braço a torcer. Em nota, alegou que sua intenção era preservar a imagem do ex-presidente e evitar manifestações violentas. É difícil imaginar que uma decisão tão polêmica desse em outra coisa.

A Lava Jato presta um serviço ao país ao combater a corrupção, mas isso não justifica atropelos contra qualquer investigado. Moro poderia aproveitar o episódio para fazer uma autocrítica e atuar com um pouco mais de humildade. Lula não tem lições a dar nesse campo. Talvez seja o caso de o juiz marcar outra conversa com o capoteiro.

*

Marina Silva disse que a antecipação das eleições de 2018 permitiria ao povo "reparar o erro que cometeu". Ao que parece, a ex-senadora acha que o erro do povo foi não elegê-la.


Endereço da página: