Folha de S. Paulo


Sem vacina

Assim como não há vacina contra o vírus do Aedes aegypti, também a Folha demonstrou, semana passada, que não está imune a pressões que usam a epidemia da dengue como arma na guerra política. Vulnerabilidade, essa, ainda mais grave em ano eleitoral.

No sábado 23, a seção Painel -especializada em notícias curtas sobre os bastidores do "mundo político"- publicou três notas sequenciais segundo as quais o governo FHC reduziu drasticamente nos últimos anos a verba dirigida para o combate ao mosquito. De R$ 248,5 mi em 1997 para R$ 70,9 mi em 2001.

A primeira nota levava o título de "Tragédia anunciada". A segunda informava que o levantamento dos gastos fora feito pelo gabinete do deputado Doutor Rosinha (PT-PR) a partir de dados oficiais.

Lembre-se que dois dias antes o presidenciável José Serra (PSDB) deixava o ministério da Saúde, justamente em meio à trágica epidemia, para se atirar de vez no lago ainda turvo da campanha eleitoral.

Em dossiê de balanço de sua gestão, publicado no dia seguinte, o jornal abordava as causas do retorno fulgurante da doença, mas, com exceção do valor relativo a 1997, mencionado isoladamente, não endossava os números publicados um dia antes.

PERGUNTAS

Pois na terça-feira (26) uma carta no Painel do Leitor, assinada por Mauro Ricardo Machado Costa, presidente da Funasa (Fundação Nacional da Saúde), órgão do ministério, vinha desmentir aqueles dados.

Nada disso, dizia. "Entre 1996 e 2001, os gastos com a dengue aumentaram de R$ 190 milhões para R$ 568 milhões".

Na mesma página, embaixo, um "Erramos":

"O "Painel" errou, em sua edição de 23 de fevereiro, ao informar que o governo reduziu entre 1996 e 2001 os gastos com o projeto de erradicação do Aedes aegypti. A nota "Tragédia anunciada" não incluiu na contabilidade os recursos repassados aos Estados e municípios por meio de projeto de "incentivo financeiro às ações de epidemiologia e controle de doenças". Segundo o governo, os gastos contra a dengue foram de R$ 568 milhões em 2001".

Primeira pergunta: como é que um jornal como a Folha -ainda mais em sua seção especializada em bastidores nos quais, como alguns costumam dizer, os mais ingênuos tiram a meia sem tirar o sapato-, como é possível que esse jornal tenha publicado tal informação sem antes confrontá-la com o "outro lado"? Não teria sido um procedimento elementar?

Segunda pergunta: como se comete um equívoco desses, ainda mais, em ano eleitoral?

Mais do que isso: dados muito parecidos já haviam sido divulgados dois dias antes, na quinta-feira, pelo "Correio Braziliense" -com a diferença de que esse jornal publicou, na mesma edição, a contrapartida de Serra e seu ministério, explicitando as divergências.

Por que a Folha ignorou o fato ao reeditar os números no sábado?

VESPAS

O editor do Painel, Rogério Gentile, admitiu ter havido um desvio e deu ao ombudsman uma explicação coerente com o "Erramos".

"Houve um erro grave que serve de lição para se tomar mais cuidado com os detalhes do orçamento federal", afirma.

"Ao levantar os dados sobre os gastos da União com o combate à dengue, a coluna considerou apenas a rubrica orçamentária específica, quando deveria ter trabalhado também com os dados relativos aos recursos utilizados para o controle de endemias de um modo geral (que incluem verbas para a dengue)", conclui Gentile.

Mas o jogo não termina aí.

Pois na última sexta-feira o deputado Doutor Rosinha procurou o ombudsman para manifestar sua contrariedade com o "Erramos" publicado pela Folha. "Ele é injusto", diz o parlamentar petista. "A Folha não errou, nem eu errei".

Além disso, ele questiona os números apresentados pela Funasa no Painel do Leitor, na sua opinião superdimensionados.

Como é evidente, a disputa dentro das páginas do jornal deve prosseguir.

Uma coisa é certa: com ou sem o tumulto causado pela recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral, de "verticalizar" as coligações, a campanha já está nas ruas -e na imprensa- há bastante tempo.

Se a Folha quer enfrentar o processo eleitoral com vigor, dentro de sua linha de busca da imparcialidade e do equilíbrio, é bom que se vacine o quanto antes contra os lobbies que, direta ou indiretamente, intencionalmente ou não, invadirão como vespas, vindas de todo lado, os corredores da Redação.

Talvez um começo seja buscar responder, ela própria, com investigação, à pergunta: afinal, quanto o governo gastou nos últimos cinco anos no combate à dengue?

PONTO, ESTRELA

Em seus roteiros a Folha costuma atribuir uma avaliação a cada filme que divulga, de uma bolinha a quatro estrelas. Referência útil aos leitores.

Por isso mesmo, um deles, da Folha Campinas, queixou-se de que no "Acontece" do último domingo (na edição regional) só oito das 23 produções de cinema apresentadas traziam cotação.

As outras vinham com um "s" (sem avaliação).

"Se é para fazer assim", reclama o leitor, "melhor não trazer avaliação alguma".

Rubens Linhares, editor dos cadernos regionais, afirma que, "por uma falha de atualização dos roteiros de cinema, os filmes citados estavam sem a avaliação já feita pela editoria de Ilustrada. O problema já foi corrigido e não irá se repetir."

Já um leitor de Juiz de Fora (MG) estranhou que no dia 12 a Ilustrada desse duas estrelas para um filme ("Jeremias") com o seguinte comentário: "A emissora não fornece sinopse do filme, presumivelmente centrado na figura do profeta Jeremias".

Ora, diz o leitor, se é "presumivelmente", o comentarista não viu o filme. Então, pergunta, "como dar a cotação duas estrelas?".

A Secretaria de Redação diz ao ombudsman que a orientação é de que só devem receber notas ou estrelas as obras (filmes, livros, peças de teatro etc.) que tenham sido assistidas pelo crítico.

SECURA

Ribeirão Preto (SP) sofreu um temporal histórico na madrugada do sábado (23). Decretou-se estado de calamidade pública. Mais de 600 famílias foram desalojadas. Duas pontes caíram. A área central foi interditada. Prejuízo estimado pela prefeitura: R$ 2,5 milhões; pelos comerciantes: R$ 20 milhões.

A Folha Ribeirão de domingo, porém, não deu nada sobre o assunto. O registro ficou numa foto no primeiro caderno.

"Tive de comprar um jornal local para poder ter as notícias que a Folha só trouxe na segunda-feira", queixa-se uma leitora. "Como assinantes da Folha, ficamos felizes com a iniciativa dos cadernos regionais. Mas não consigo imaginar uma razão plausível para a demora da Folha na cobertura da grave situação por que passamos."

Há uma razão de ordem industrial, segundo o editor de regionais, Rubens Linhares:

"A edição dominical da Folha Ribeirão é fechada até as 3h do sábado, o que inviabiliza qualquer atualização. A alternativa é publicar fatos importantes do sábado em Brasil no domingo".

Só não sei se a leitora a considerará "plausível".


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