Folha de S. Paulo


Opinião e notícia

A opção do jornal, exposta em editoriais, por esse ou aquele lado num debate sobre tema polêmico não deve contaminar o noticiário nem dirigir a seleção de textos opinativos. Esses dois elementos, ao contrário, exigem pluralismo e equilíbrio, para permitir que o leitor forme sua opinião.

Ao reler o que se publicou sobre a necessidade de mudança ou não da maioridade penal a partir da morte de Liana Friedenbach e Felipe Caffé, cheguei à avaliação de que, nos últimos dias, a Folha incorreu nesse erro.

O tema, recorrente, voltou à tona quando a polícia apresentou um menor (R., 16) como o principal acusado pela morte do casal. Isso ocorreu na segunda-feira (10) e foi notícia nos jornais do dia seguinte.

Na quinta, a Folha expôs, no editorial "Maioridade penal", o seu ponto de vista: "...não será reduzindo a maioridade penal que o envolvimento de jovens em crimes deixará de existir".

Na mesma edição, Cotidiano publicou entrevistas com o pai de Liana e a mãe de Felipe em que ambos defendiam a redução da maioridade.

Na sexta, um texto -sem menção na capa e sem ser manchete na página interna- registrava a posição do arcebispo de Aparecida (SP), dom Aloísio Lorscheider, também pela redução. No pé, a do ministro Márcio Thomaz
Bastos, da Justiça, contrária a mudança.

Dia seguinte, um sábado, a capa de Cotidiano destacava: "Crime reabre debate sobre maioridade penal". Resumiam-se, ali, de modo equilibrado, diversas opiniões, contra e a favor, além da reprodução daquilo que a legislação estipula, hoje, com relação ao problema.

Na seção "Tendências/Debates", dois artigos respondiam, sob diferentes enfoques, à pergunta "Devem ser revistas as penas impostas aos menores que cometem crimes?". Cabe observar, aqui, que mesmo o articulista que respondia "sim" fez questão de repudiar a tese da redução da maioridade.

Até ali, entendo que a cobertura, nesse aspecto, andava bem.

VIÉS

No domingo passado, a polêmica se limitou a alguns colunistas e a cartas de leitores. Na segunda, foi "esquecida" (nesse dia, aliás, o jornal não noticiou a ocorrência de uma missa realizada na catedral da Sé com familiares de vítimas da violência, inclusive os pais de Felipe).

Mas um viés contra a redução começou a se manifestar a partir de terça-feira (18), quando o jornal publicou, agora na parte superior da Primeira Página, o seguinte título: "Cristovam afirma que mudar lei só ajuda elite".

Dentro, a opinião do ministro da Educação ocupou toda a parte de cima da pág. C3.

Nenhuma opinião favorável à redução da maioridade recebeu, nem antes nem depois desse dia, tamanho destaque.

Abaixo dela, uma reportagem expunha críticas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a uma proposta do governador de SP, Geraldo Alckmin (PSDB), que, sem pregar a redução, defende mais rigidez nas punições aos menores infratores.

Quarta-feira, 19: o jornal publica uma reportagem sobre a proposta de Alckmin, na qual o governador deixa claro ser contrário à redução da maioridade e defende, sim, aperfeiçoar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Ao lado, uma outra, sobre a recusa da apresentadora Hebe Camargo, procurada pelo jornal, a comentar o "desabafo" feito no programa de segunda à noite, no qual ela disse que, se a deixassem entrevistar R., ela o mataria.]

Só ao pé do texto há a informação de que as famílias de Liana e Felipe organizavam para sábado (ontem) uma passeata.

Em material sobre os candidatos à presidência da OAB-SP, noutra página, uma reportagem se intitulava "Maioria defende atual idade penal".

Na quinta, no alto da página C5, um procurador de Justiça, um promotor da Infância e Juventude e um coordenador da OAB atacam as propostas de Alckmin, mas um deles, ao final, ressalta um ponto positivo dela:

"Com essa iniciativa do governador, está praticamente descartada a possibilidade de redução da maioridade penal."

Por fim, na sexta, publica-se, com foto, o texto "Criado comitê contra a redução da maioridade". Apenas ao pé, de novo, conforme observei na crítica interna, menciona-se algo sobre a passeata planejada pelos familiares do casal; ainda assim, sem precisar em que ponto da avenida Paulista ela começaria. Somente na própria edição de ontem, em cima da hora, a mobilização recebeu o devido destaque.

Em defesa da linha adotada pelo noticiário do jornal, o editor de Cotidiano, Nilson de Oliveira, argumenta ao ombudsman que "entre os setores mais expressivos da sociedade civil, é diminuto o número daqueles favoráveis à redução da idade penal, e todas as suas vozes de expressão foram registradas pela Folha".

Além disso, afirma o jornalista, "entre os integrantes desse grupo, não existe um discurso similar, como ocorre entre os opositores da redução".

São argumentos fortes, sem dúvida. Penso, porém, que eles não explicam o reduzido destaque dado às ações dos familiares (missa de domingo passado e anúncio de passeata ao longo da semana) e a ênfase inferior na divulgação das (poucas) opiniões "de expressão" favoráveis à redução da maioridade em comparação com as que são contra.

O debate prossegue. Acredito que o jornal contribuirá melhor para ele se propiciar mais visibilidade aos diferentes pontos de vista, inclusive àqueles que divergem do seu.

POR E-MAIL

Tem sido comum em algumas cartas de leitores nos suplementos semanais da Folha o registro, apenas, do nome do remetente e, em seguida, algo como "por e-mail", "enviada por e-mail" ou "via e-mail".
Ocorre, por exemplo, no Folhateen ou na Folhinha.

Pergunta um leitor, que me escreveu sobre o assunto:

"Para quê o termo após o nome do leitor? Para quem lê, isso nada significa. Não importa se a mensagem foi enviada pelo correio, por fax, por telegrama, por telex, por pombo-correio, em mão ou por e-mail. O nome da cidade é informação. Cabe à editoria obtê-lo. Se não houver essa capacidade, é melhor deixar só o nome".

Assino embaixo essas observações e acrescento que o Painel do Leitor, na pág. A3, onde isso não ocorre, deveria, ao menos nesse aspecto, servir como modelo.


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