Folha de S. Paulo


A sala vazia

O fato, grave, passou despercebido para a maioria dos leitores, mas certamente não para uma que, conhecendo Brasília e algumas repartições, mandou ao ombudsman um e-mail que começava assim: "Levei um susto hoje ao pegar o jornal na porta da minha casa de manhã: a foto que "ilustrava" a adesão da greve dos funcionários do Banco Central. Aquela não é uma sala onde trabalham funcionários do BC. Aquela é a sala do comitê de imprensa do BC."

Trata-se da imagem, publicada no alto da Primeira Página de quarta-feira (9), de uma sala que estaria vazia, conforme o jornal dá a entender, por causa da greve dos servidores -a primeira sob o governo Lula.

O vazio, porém, nada tinha a ver com a paralisação. A tal sala é usada, na verdade, por jornalistas (da Folha, inclusive) quando vão ao BC fazer reportagens relacionadas ao banco.

Eis, portanto, um episódio preocupante, que faz lembrar, inevitavelmente, ao menos num primeiro momento, as falcatruas criadas pelo agora célebre ex-repórter do diário "The New York Times" Jayson Blair.

Na sexta-feira, um "Erramos" registrava que a legenda da foto "...não informou que no local funciona o comitê de imprensa do órgão, no qual não trabalham funcionários públicos".

É correto, mas burocrático e evasivo. Claro que o erro não foi apenas deixar de dar uma informação. Foi pior: usar uma foto como exemplo de êxito de uma greve enganando (com uma omissão) objetivamente o leitor.

Consultada, a Secretaria de Redação (SR) afirma que nem a direção da Sucursal de Brasília nem o editor de Fotografia tinham sido avisados pelo fotógrafo de que a sala era do comitê e não de funcionários públicos. Nega, ao mesmo tempo, a hipótese de ter ocorrido armação.

O autor da imagem, Lula Marques, argumenta que havia ali outras salas vazias, mas que aquela era a que possibilitava a melhor visão do lado externo (a rua), onde funcionários em greve estavam parados ao sol.

"Minha intenção foi mostrar as pessoas de dentro do BC. Meu lapso foi não ter garantido que a legenda fosse transmitida a SP [sede do jornal] com a descrição correta da sala", diz Marques.

O secretário de Redação da Sucursal, Igor Gielow, e o editor de fotografia, Eder Chiodetto, observam que Marques é um dos fotógrafos mais preocupados com a precisão das informações.

Para eles, o currículo do jornalista, "premiado diversas vezes e respeitado como um dos mais éticos fotógrafos de Brasília", faz crer que "esse grave erro não foi intencional ou movido a má-fé".

Para a SR, "isso não o torna menos grave, e nos alerta para reforçar o controle sobre as imagens que oferecemos ao leitor".

Já a leitora que me enviou o e-mail, indignada, concluía-o assim: "Espero que haja, pelo menos, uma discussão profunda sobre que procedimentos o jornal espera de seus profissionais".

Criar mecanismos capazes de garantir que as fotos sejam acompanhadas de legendas precisas e responsáveis -qualquer que seja o currículo do fotógrafo- seria um bom começo.

O SARRO DE SILVIO

A mídia toda se viu obrigada a registrar (e a especular sobre) a entrevista com Silvio Santos publicada na quinta-feira pela revista "Contigo", dirigida principalmente ao público de TV.

Falando de Orlando (EUA), o empresário dizia ali, em resumo, ter vendido o SBT, estar sob severo tratamento médico, em cadeira de rodas, com doença gravíssima e prognóstico de, no máximo, seis anos de vida.

Uma bomba, obviamente, dada a celebridade do personagem.

As reportagens sobre a entrevista, assim como o bom-senso, indicavam que tudo podia não passar de marketing, uma "pegadinha" de Silvio.

A revista, que disponibilizou para a mídia a fita da conversa, tomara precauções no sentido de checar as afirmações, publicando, com elas, as respectivas negativas de várias pessoas envolvidas, além de fotos que mostram o empresário em boa forma. Sustentou a autenticidade da conversação, embora admitindo o absurdo de seu conteúdo.

A mexicana Televisa -uma das empresas que já teriam comprado o SBT, segundo Silvio- negou, em reportagens de sexta, que o negócio tenha sido fechado. Depois, em nota, esclareceu que tem apenas intecâmbio de programação e prioridade na compra de ações caso Silvio decida mesmo vender a rede.

Em reportagem no "Boa Noite Brasil", na TV Bandeirantes, sexta à noite, Silvio -sem saber que estava sendo filmado- desmentiu o que dissera à "Contigo" e afirmou que, da parte dele, tudo não passara de "gozação".

E aí entra um aspecto, dentre outros relevantes, deste que já virou um "case" jornalístico.

Na última pergunta editada na revista, a jornalista indagava a Silvio Santos: "Mas não vai ser verdadeira essa notícia, não é? Me diz que o senhor não está doente e também que não vai morrer tão cedo?"

Ao que ele respondia, ironicamente: "Qual é o problema? Você falou comigo, gravou, foi essa a informação que eu te dei, coloca na capa, vai vender um monte de revistas. Depois, se eu não morrer, é milagre."

O apresentador, ele próprio um empresário de comunicação, parece ter resolvido tirar um sarro do jornalismo, na linha de que "o papel aceita tudo".

E o pior é que ele tem razão: aceita mesmo.


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