Folha de S. Paulo


Trunfo no front

É cedo para avaliar a cobertura da guerra dos EUA contra o Iraque.

De imediato, chama a atenção a inclinação da mídia norte-americana a apoiar a ação de George W. Bush ou a ela se resignar -ainda que criticamente.

Da mesma forma, com exceção do Reino Unido (onde há divisão), a imprensa européia condena com veemência a operação Liberdade Iraquiana.

Não deixa de ser curioso o fato de que não foi a CNN, mas sim a RTP, TV estatal de Portugal, a primeira rede a exibir a imagem dos ataques iniciais.

No Brasil, os principais jornais têm sido desde o início, em editoriais, contrários ao conflito e ao unilateralismo de Bush.

O "chapéu" adotado pela Folha para a cobertura ao longo da semana vai nesse sentido: "Ataque do império". O do "Globo", mais ainda: "A guerra de Bush". Resta ver até que ponto essa opinião irá comprometer a isenção jornalística e o equilíbrio nas reportagens e análises publicadas.

A Folha tem, aí, um grande trunfo: é o único diário brasileiro, até o momento, a ter conseguido visto de entrada no Iraque a seus enviados especiais (o repórter Sérgio Dávila e o repórter-fotográfico Juca Varella).

Conforme relato da Secretaria de Redação, o pedido foi feito em 21 de janeiro, mas só em 3 de fevereiro, após vários contatos, a embaixada iraquiana em Brasília aceitou analisá-lo -exigindo o perfil dos repórteres.

Um sinal positivo foi dado em 13 de março, mas o visto só foi concedido em conversa "ao vivo" com os jornalistas pelo embaixador Jarallah al Obaidy no dia 15.
Dávila e Varella fizeram dois dias de curso de sobrevivência em situações de guerra e embarcaram para Londres, onde compraram coletes à prova de balas, capacetes, máscaras contra poeira radioativa e armas químicas e biológicas, além do equipamento de comunicação.

Chegaram à Jordânia na terça (18). Após 11 negativas, conseguiram que um motorista os levasse, por US$ 200, para o Iraque, pela rodovia Amã-Bagdá, a 140km/h.

Que o jornal, para o bem de seus leitores, faça um bom uso desse trunfo.

COM PITO, SEM PITO

Em duas reportagens, uma na segunda e outra na quarta, a Folha informou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva usaria a reunião ministerial da Granja do Torto, na quarta, para "chacoalhar" sua equipe, cobrar mais resultados e melhor desempenho.

Uma reportagem sobre os "bastidores" do encontro, na quinta, noticiava, no entanto, que "um esperado sermão light aos ministros não foi passado". Não teria havido, então, o anunciado "puxão de orelhas".

O fato poderia significar só uma mudança de rota no comportamento presidencial não fosse o contraste entre a informação da Folha e a do "Estado de S.Paulo" sobre o mesmo evento.

Sob o título "Lula pede a ministros mais ação e menos futrica", o jornal concorrente informava que, "durante a reunião, o presidente também passou um "pito" nos colaboradores que não resistem aos holofotes...".

Qual dos jornais se teria deixado induzir a divulgar notícia errada por uma ou outra versão de participantes da reunião?

Como é que veículos de comunicação sérios chegam a informações tão nitidamente opostas sobre um único evento?

O pano de fundo do desencontro parece estar no modo de apuração das informações, no grau de confiabilidade das fontes e na checagem de suas revelações.

Um dos grupos de leitores (o da Folha ou o do "Estado") saiu mal-informado. Quem lê os dois jornais ficou no mínimo confuso.


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