Folha de S. Paulo


Rearranjos

Definida a passagem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de José Serra (PSDB) para o segundo turno, um dos principais desafios lançados à mídia, semana passada, era tão óbvio quanto trabalhoso: mostrar como será "o país indicado pelas urnas".

Os jornais priorizaram em suas manchetes o rearranjo de apoios e alianças locais, regionais e nacionais, com preocupação dirigida principalmente para o próximo dia 27.

A Folha também noticiou essa movimentação, mas adotou um comportamento diferenciado. Sua manchete na terça-feira foi "Oposição sai fortalecida das urnas". No dia seguinte, "Eleitor troca 47% dos deputados".
Claramente, o enfoque escolhido pelo jornal foi o de privilegiar o registro dos resultados eleitorais (com a publicação de listas de eleitos, tabelas e estatísticas) e interpretá-los, procurando exibir a nova "radiografia" política do país, em especial no Legislativo (Assembléias estaduais, Câmara dos Deputados e Senado).

Não foi o único veículo a fazê-lo, mas, corretamente, foi o que mais chamou a atenção para o tema nos primeiros dias da semana.

Constatação inicial: mudanças significativas e surpreendentes aconteceram, com destaque para o crescimento extraordinário da bancada do PT na Câmara, mas também dos evangélicos e da oposição em geral; a redução dos ruralistas; o avanço da presença feminina no Parlamento; a derrocada de velhos caciques regionais, entre outras.

Ainda mais relevante: nem Lula nem Serra, na nova formatação, terão, em tese, maioria garantida no Congresso -e, como se sabe, são enormes as consequências disso para aquilo que os analistas chamam de "governabilidade", ao menos num ambiente democrático.

Segunda constatação, derivada da anterior: mantendo um vício de eleições anteriores, a imprensa errou nitidamente, Folha inclusive, ao deixar de lado ao longo do ano a cobertura das disputas legislativas para priorizar, quase com exclusividade, a corrida pela Presidência.

Não fosse assim, vários dos fenômenos agora registrados -a começar, por exemplo, pela polêmica e histórica eleição das bancadas nacional e paulista do Prona, puxadas por Enéas Carneiro e Havanir Nimtz- não teriam pego tão de surpresa jornalistas e leitores.

A rigor, numa situação em que classificações ortodoxas do tipo direita/esquerda, reformistas/ conservadores tendem a ser simplistas, a nada explicar de fato, em que diferenciações expressivas se ampliam no interior de bancadas partidárias supostamente homogêneas, em que se formam regional e nacionalmente alianças das mais estapafúrdias ou imprevisíveis, numa situação como essa, a verdade é que o diagnóstico apenas começou a ser definido.

Muito ainda precisa ser esmiuçado e detalhado nesse terreno pela mídia, por analistas e cientistas políticos. Estão todos devendo, e bastante.

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A Folha penou, durante a semana, ao rearranjar seus instrumentos para tentar cobrir com isenção o segundo turno da disputa pelo Planalto.

Duas edições, ao menos, foram afetadas por desequilíbrios.

Na quarta-feira (9), uma chamada na Primeira Página trazia o seguinte título: "Serra promete cargos para atrair ex-aliados".

A reportagem interna, porém, noticiava o desejo do tucano de governar com os partidos que o ajudarem -o que, diga-se, parece óbvio-, mas não registrava nenhum dado concreto que justificasse a conotação negativa, fisiológica daquele título.

Essa conotação, aliás, se ressaltava no contraste com a chamada mais "limpa" dedicada também na capa do jornal às articulações do adversário: "PT faz acordo com PPS e PDT para apoio a Lula".

O "troco" veio em dobro na sexta (11), quando o jornal mudou a manchete neutra do caderno Eleições da edição nacional ("Serra usa dólar para desafiar Lula; PT aponta "terrorismo eleitoral'") por uma nada imparcial na edição SP ("Serra ataca e diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer").

Além disso, reservou todas as "cabeças" das páginas dedicadas no caderno à disputa Lula-Serra para títulos direta ou indiretamente favoráveis ao tucano:

"Serra usa alta do dólar para desafiar Lula", "Ermírio ataca "covardes" que mudam de lado" e "PTB alega "ódio" a Serra para apoiar Lula".

Todas as três chamadas da capa do jornal para eleições, nesse dia, continham esse mesmo tom.

Como comentei em crítica interna, priorizar, sob a forma de manchetes, declarações provocativas do tipo "Serra diz isso de Lula..." ou "Lula diz aquilo de Serra...", trocas de acusações ou insultos entre os candidatos não parece ser a melhor forma de cobrir a disputa eleitoral.

Se optar por uma linha como essa, privilegiando o declaratório, a retórica, o jornal corre o risco de contribuir para um rebaixamento do nível da campanha, ficar refém do marketing dos candidatos, além de, tecnicamente, construir uma armadilha para si próprio.

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Um registro curioso, talvez resultante de atos falhos jornalísticos: com o que saiu na última sexta-feira, já são cinco, desde fevereiro, os "Erramos" publicados no jornal para corrigir o partido a que pertence o ex-candidato à Presidência da República Anthony Garotinho (PSB).

Nas páginas da Folha, ele já foi do PPB (correções publicadas em 2/2 e em 1/4), PPS (26/4), PSDB (21/9) e PL (11/10).

E ainda falta sair mais um, relativo à edição de quarta (10), na qual o ex-governador do Rio apareceu, de novo, como integrante do PPS.


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