Folha de S. Paulo


Bananas e maçãs

Pelo menos duas novidades devem fazer diferença, neste ano, em relação à divulgação de pesquisas eleitorais.

Até 2000, a regra era que a Folha tinha a exclusividade para divulgação dos levantamentos do Datafolha, por exemplo. A não ser que "vazassem" por algum canal irregular, seus resultados só eram conhecidos quando o primeiro exemplar saía das rotativas.

Já a pesquisa divulgada no último dia 10 saiu simultaneamente nos jornais concorrentes. Mais do que isso: por decisão do próprio instituto, estava na internet e nos telejornais na noite anterior.

Da mesma maneira, a Folha, que antes costumava registrar os números de outros institutos apenas em pequenas notas ou na seção Painel, passou a divulgá-los mais visivelmente, como notícia.

Assim, do ponto de vista jornalístico, a questão das pesquisas eleitorais passa a requerer neste momento um novo enfoque. Não mais o do "furo", da exclusividade -todos divulgarão ao mesmo tempo, em tese, as mesmas estatísticas básicas-, mas o da capacidade de detalhamento, análise e aprofundamento dos dados coletados.

Aumenta, então, a responsabilidade de cada veículo, em especial a da própria Folha.

IBOPE

Na terça-feira passada, os jornais publicaram a última pesquisa presidencial do Ibope, com um cenário que excluía a ex-governadora Roseana Sarney. Foi a primeira desde a retirada oficial de sua pré-candidatura.

O título da reportagem, na Folha, foi: "Pesquisa Ibope registra empate técnico entre Serra e Garotinho" (veja ao lado).

Na crítica interna, questionei se o mais adequado não teria sido destacar no título que Ciro Gomes (PPS), com 11%, e Lula (PT), com 35%, haviam crescido, pois tinham 8% e 27% respectivamente no levantamento anterior (março). Essa seria a novidade, posto que Serra e Garotinho já apareciam empatados no mês passado.

Defendendo sua opção, a Redação ponderou que seria errado comparar os dois levantamentos, pois se trata de simulações diferentes. Havia um cenário sem Roseana na pesquisa de março, mas ele incluía Itamar Franco (PMDB) e Enéas (Prona), entre outros, agora retirados. Contrapor uma pesquisa à outra seria misturar banana com maçã.

Concordo que evitar tal mistura é, até mesmo, questão de bom senso.

TRANSPARÊNCIA

A mesma pesquisa foi divulgada pelo "Globo", mas com outra apresentação: pegaram-se os dados de dezembro e março para formar uma curva de queda ou ascensão dos pré-candidatos. E aí reside um problema.

Não fica claro, na publicação, mas o cenário escolhido para retratar nessa curva a situação em meados de março, por exemplo, inclui Roseana (13%), Itamar (5%), Enéas (2%), entre outros (peguei os dados no site do Ibope), todos limados, com os respectivos números, na confecção do gráfico.

Não por acaso, a soma de Lula, Serra, Garotinho e Ciro atinge ali só 60%, ante os 81% de agora.

Pode-se argumentar que o que fez o jornal do Rio foi simplesmente comparar o retrato "real" anterior (quando Roseana e Itamar estavam na corrida) com o quadro "real" das atuais pré-candidaturas, não havendo lei da estatística que o proíba. Não seria misturar banana com maçã, mas apenas comparar duas situações de momento, uma tão "real" quanto a outra.

Pode ser. Mas, nesse caso, faltou, no mínimo, expor com transparência os cenários de pré-candidatos usados para fazer aquelas curvas. Os especialistas em estatística certamente debaterão muito o assunto.

Afastado até segunda ordem o trunfo do "furo", o desafio dos jornais no que toca às pesquisas na campanha eleitoral estará aí: no tratamento dos dados, na sua interpretação e na transparência, que deveria ser radical, com que eles serão veiculados.

Se destaco o tema desde já, é para alertar os leitores: toda atenção será pouca, nos próximos meses, para não se deixar levar por números ou interpretações ilusórias.

GOLPE E CONTRAGOLPE

Muito se discutiu ao longo da semana a respeito da cobertura dada na imprensa ao golpe contra Hugo Chávez e sua volta à Presidência da Venezuela.

Penso que a velocidade e a complexidade dos eventos pós-golpe, os horários desfavoráveis, em especial no sábado (as edições de domingo são fechadas mais cedo do que as edições de dia de semana), afora as dificuldades de análise política e a ausência de correspondentes permanentes em Caracas -tudo isso em nada contribuiu para que os jornais conseguissem retratar fielmente tudo o que aconteceu.

Particularmente, não ficou clara, nos textos, por exemplo, a composição social majoritária dos manifestantes que se reuniram na semana do golpe contra o governo e, em especial, na própria quinta-feira, diante do Palácio presidencial de Miraflores.

Ainda assim, não detectei precipitações sérias no noticiário. Se houve equívocos, não creio que disseram respeito a esse tipo de problema.

Uma falha, que persistiu até os últimos dias, diz respeito à discussão sobre a responsabilidade pelas 15 mortes ocorridas no dia do golpe, assunto essencial ao qual a Folha pouco se dedicou.

Sem dúvida, porém, clara precipitação se evidenciou em análises e editoriais comemorativos da queda de Chávez.

Basta lembrar editoriais do "Estado de S.Paulo" e a cobertura enviesada, nos primeiros dias, do "Jornal do Brasil" e, entre as revistas semanais, da "Veja".

A esse propósito, vale citar a retratação assumida em editorial na última terça-feira pelo "New York Times", considerado o mais influente diário do mundo, que festejara no sábado a deposição de Chávez:

"Essa reação, com a qual nós havíamos concordado, desconsiderou a maneira não-democrática pela qual ele foi removido (...) Depor à força um líder democraticamente eleito, não importa quão mal ele tenha se saído, é algo que não deveria jamais ser comemorado".

Belo exemplo, que, até o fechamento desta coluna, não vi seguido por outro órgão.

Houve, registre-se, um outro tipo de pedido de desculpas, dessa vez por parte do canal venezuelano Globovision, na mesma terça-feira:

"Se cometemos um erro, nós assumimos. Peço desculpas pessoalmente a qualquer telespectador que sinta que tenhamos falhado naquele dia", afirmou no ar um representante da TV, conforme relato publicado no jornal "Valor" quinta-feira.

Ele se referia ao fato de as TVs não terem noticiado sábado as manifestações pró-Chávez.

No domingo passado, critiquei a Folha por não ter "cravado" claramente, e em manchete, na edição de sexta-feira, a queda de Chávez.

Alguns leitores questionaram se o retorno do militar da reserva ao poder não mostrava que eu errara e que o jornal acertara, por ter agido com "cautela". Não creio.

A volta de Chávez levou 48 horas, como poderia ter levado dez dias -ou, até mesmo, 24 horas. E a própria Folha deu no sábado, com todas as letras, acertadamente, a deposição.

O que comentei na coluna dizia respeito aos eventos da noite de quinta para sexta e à capacidade de captar o que ocorreu ali, naquelas horas.

Em termos puramente jornalísticos, a volta de Chávez já foi um outro momento.


Endereço da página: