Folha de S. Paulo


É preciso aproveitar a inflação baixa para acabar com a indexação

Alan Marques/Folhapress
Presidente do BC, Ilan Goldfajn, comanda a reunião do Copom
O presidente do BC, Ilan Goldfajn (esq.), comanda a reunião do Copom

Os mais jovens não se lembram, mas devem ter lido que, no fim dos anos 1980, quando a inflação alcançou quase 7.000% em 12 meses, os preços subiam diariamente.

Quem podia comprava hoje, porque amanhã o produto poderia estar custando o dobro. As famílias faziam estoques de itens de supermercados.

Para atenuar um pouco essa maluca corrida de preços, havia a correção monetária. Os salários eram corrigidos todos os meses, com base na inflação do mês anterior. Vários outros preços, como aluguéis, escolas, tarifas públicas etc., também subiam mensalmente.

Não era fácil viver nesse ambiente. Havia, porém, um certo discurso que aplaudia a correção monetária como sendo uma dessas "geniais" soluções brasileiras, que hoje chamamos de "jabuticabas".

Dizia-se que a correção monetária funcionava como um amortecedor da inflação. Como preços e salários eram corrigidos rapidamente com base no índice da inflação passada, os efeitos da alta dos preços não eram tão sentidos, argumentavam alguns teóricos.

Parecia um ovo de Colombo, uma fórmula perfeita para neutralizar os efeitos da inflação. Alguns economistas vinham do exterior para conhecer o sistema, mas, na verdade, a correção monetária levou o país à hiperinflação.

Tornou-se um poderoso estimulador da alta de preços, criando uma inércia que foi elevando cada vez mais a inflação, até atingir 82%, em março de 1990.

Tudo isso acabou em 1994, com o Plano Real. Mas, mesmo com a inflação muito mais baixa de hoje, alguns mecanismos de indexação da economia permanecem sendo usados.

Com uma taxa anual abaixo de 3% ao ano, não dá para entender por que não se aproveita a oportunidade para extirpar de vez a indexação da economia brasileira.

Aluguéis são reajustados anualmente com base no IGP-M da FGV.

O salário mínimo é aumentado de acordo com o INPC mais a taxa de crescimento do PIB.

Tarifas de ônibus, metrô e outros serviços públicos sobem indexados à inflação passada.

Contratos de governos com a iniciativa privada são firmados com reajustes atrelados a índices de preços.

Salários das diversas categorias, embora negociados diretamente entre empregados e empregadores, levam em conta a inflação passada.

Escolas aumentam mensalidades sempre em janeiro com base na inflação do ano anterior.

Muitos outros resquícios da velha correção monetária dos anos da hiperinflação precisam ser eliminados. No mês passado, acredite se quiser, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos colocou em sua pauta a indexação dos preços na cobrança da água usada pelos produtores rurais. O tema foi retirado da pauta pela intervenção da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, mas tem previsão de voltar à discussão em dezembro.

O próprio Orçamento teve seus gastos atrelados à inflação na famosa PEC do Teto. Embora nesse caso o objetivo tenha sido o de conter a expansão dos gastos, trata-se de uma indexação.

Com uma inflação tão baixa, o governo já deveria ter pensado em avançar na desindexação ampla da economia. É muito mais fácil fazer isso com inflação de 2,5% ao ano do que quando ela atinge dois dígitos.

Estima-se que 60% dos preços da economia ainda sejam reajustados com base na inflação passada ou na variação do dólar. Se a desindexação não for feita agora, será impossível fazê-la um pouco mais à frente, quando a economia voltar a crescer, gerando demanda e puxando preços.

O combate à inflação não pode ser feito só com elevação absurda e atroz dos juros, um filme que já vimos demais e sabemos ter final infeliz.


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