Folha de S. Paulo


Inflação baixa é bem-vinda, mas recessão profunda é uma desgraça

Ueslei Marcelino - 20.dez.16/Reuters
Brazil's Central Bank President Ilan Goldfajn speaks during a news conference in Brasilia, Brazil December 20, 2016. REUTERS/Ueslei Marcelino ORG XMIT: UMS02
Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central, responsável pela definição da taxa básica de juros

Dominaram o noticiário econômico na semana passada as informações sobre o aumento do deficit primário do governo até 2020. O tema é indigesto e até enfadonho, mas muito importante. Trata-se, na verdade, do acompanhamento daquilo que se chama de responsabilidade fiscal do governo.

Pena que a mesma atenção não seja dada à responsabilidade monetária, sobre a qual praticamente não tem havido cobrança no país. Com constrangimento, integrantes da própria equipe econômica admitem que houve um erro lamentável na condução da política monetária nos últimos anos e que as consequências desse equívoco foram gravíssimas para o país.

Em síntese, o erro agravou a recessão. Ao fixar a taxa de juros básica, a autoridade monetária no Brasil tem como único objetivo o combate à inflação. Quando a inflação está alta, aumenta a taxa. Quando ela começa a baixar, reduz a taxa.

Ocorre que a redução da taxa se deu com vacilação e atraso nos últimos dois anos. Ou seja, os juros básicos ficaram durante muito tempo acima do nível necessário, e isso teve consequências: a inflação caiu abaixo da meta e a recessão foi além da expectativa, o que reduziu a arrecadação pública. Inflação baixa é bem-vinda, mas recessão profunda é uma desgraça para o país.

Quantos pontos da recessão de 7,5% nos últimos dois anos podem ser atribuídos ao erro na condução dos juros? Três pontos?

Admitamos por hipótese que sejam três. Nesse caso, a perda de produto bruto teria sido da ordem de R$ 210 bilhões, considerado um PIB nominal de R$ 7 trilhões. Quantos milhões de empregos foram perdidos e poderiam ter sido poupados se essa recessão adicional tivesse sido evitada? Quantas famílias caíram na pobreza ou na miséria em razão desse erro?

Houve de fato um equívoco na fixação da taxa de juros? Quando se coloca essa pergunta, até alguns monetaristas mais ortodoxos balançam a cabeça para baixo e para cima.

"Mas fazer essa avaliação retrospectivamente é mais fácil do que no calor da batalha", respondem. Sem dúvida, é mais fácil, porém vale observar que a maneira natural de avaliar os equívocos é depois que as consequências se manifestam.

As responsabilidades por essa horrível recessão brasileira precisam ser assumidas. Houve, obviamente, erros medonhos decorrentes de irresponsabilidades fiscais e de condução da economia no governo anterior, além de um impacto muito forte da crise política na confiança geral dos agentes econômicos. Mas há erros recentes, que ainda hoje estão sendo cometidos.

De janeiro a outubro do ano passado, quando a inflação já era nitidamente descendente, a taxa Selic foi mantida em absurdos 14,25% ao ano. Só então começou uma tímida redução da taxa.

Hoje, com quase 14 milhões de desempregados e uma inédita redução de renda e consumo, a taxa básica continua em 9,25% para uma inflação oficial abaixo de 3% ao ano e até deflação em alguns índices de preços.

Tamanha aberração se sustenta sem indignações nem cobranças. Promete-se para setembro uma nova redução, mas que ainda manterá a taxa entre as mais altas do mundo. Por que deixar essa decisão para quando setembro vier? Por que não se ajusta isso desde já? Qual crença sustenta essa lentidão?

Nos EUA, o banco central (Fed) tem a dupla missão de preservar o valor da moeda e estimular a criação de empregos. Aqui, a missão única é combater a inflação. Isso, porém, não pode servir de pretexto para a irresponsabilidade monetária.


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