Folha de S. Paulo


Política de autoflagelo monetário é empecilho para a retomada

Ueslei Marcelino - 20.dez.16/Reuters
Brazil's Central Bank President Ilan Goldfajn speaks during a news conference in Brasilia, Brazil December 20, 2016. REUTERS/Ueslei Marcelino ORG XMIT: UMS02
O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn; Copom reduziu juros na semana passada para 11,25%

Nas últimas semanas, os ministros da área econômica fizeram malabarismos para cortar R$ 42,1 bilhões de gastos do governo em 2017. Foi um corte mais ou menos linear, pelo qual a tesourada atingiu em cheio investimentos e gastos correntes.

Além disso, em busca de receitas, o governo reverteu a desoneração da folha de pagamentos de dezenas de setores —apenas três foram mantidos. Essa reoneração contraria a lógica. Quando os setores tiveram a folha de pagamentos desonerada, no governo anterior, as empresas passaram a calcular o pagamento à Previdência sobre o faturamento. Antes pagavam 20% sobre o total dos salários de seus funcionários. Depois, passaram a pagar de 2% a 4,5% sobre o faturamento.

O argumento que justificou aquela mudança tinha lógica. Se a taxação é sobre a folha, quanto mais empregos a empresa cria, mais alta será a conta da Previdência. Ou seja, os maiores empregadores são punidos por abrir vagas de trabalho, o que é um contrassenso. Se a taxação é sobre o faturamento, essa punição não se dá.

A reclamação da atual equipe econômica é sobre a perda de receita da Previdência decorrente da alteração. Ora, para evitar essa perda de receita —se ela de fato existe—, seria melhor aumentar a alíquota aplicada sobre o faturamento. Não seria necessário voltar ao sistema de cobrança com base na folha de pagamentos, pela simples razão de que é iníquo, porque pune os maiores empregadores.

O problema é que o governo não queria dar a impressão de que está aumentando impostos —o brasileiro não aceita mais pagar o pato da elevação de carga tributária. Se a alíquota máxima fosse elevada de 4,5% para 5,5%, por exemplo, não seria possível manter o discurso de que se está evitando aumentar impostos.

Na prática, porém, a volta ao sistema que onera a folha de pagamentos implica alta de impostos. Os custos das empresas vão aumentar da mesma forma.

O mais curioso, para dizer o mínimo, é que todo esse esforço fiscal para cortar gastos poderia ser aliviado se o governo se preocupasse em cortar despesas com juros da dívida pública. Os números divulgados recentemente são impressionantes.

A conta de juros nos 12 meses encerrados em fevereiro atingiu R$ 388 bilhões —só em fevereiro, o gasto com juros foi de R$ 30,7 bilhões, bem maior que o deficit primário, de R$ 23,4 bilhões.

Mais curioso ainda é que o próprio governo determina esse custo dos juros, porque fixa a taxa básica, a Selic. Na semana passada, a taxa foi reduzida de 12,25% para 11,25%.

Basta fazer um cálculo simples para perceber que esse simples corte de um ponto percentual significa redução de quase R$ 4 bilhões na conta anual de juros, valor quase tão grande quanto o ganho esperado com a reoneração da folha de pagamentos.

A atual taxa Selic ainda é absurdamente elevada. Ela seria justificável se o país estivesse ameaçado por uma explosão inflacionária decorrente de uma forte demanda na economia. Ocorre exatamente o contrário: a inflação está em queda livre, caminhando para uma taxa anual de 4%, e a economia enfrenta recessão superior a 3% em 12 meses.

Está obviamente equivocada a política de autoflagelo monetário. Se ela persistir, será um empecilho poderoso para a retomada do crescimento econômico e a criação de empregos, que começam a dar os primeiros sinais positivos.


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