Folha de S. Paulo


Sem crédito a juro civilizado, país não sairá da enrascada em que se meteu

Alan Marques/Folhapress
Presidente do BC, Ilan Goldfajn, comanda a reunião do Copom
O residente do BC, Ilan Goldfajn, comanda reunião do Copom

Há um debate aguerrido, técnico e civilizado entre economistas brasileiros acerca do impacto da política de juros na inflação, lançado por dois importantes artigos de André Lara Resende no "Valor Econômico".

A tese que está no ar é a de que os juros elevados, ao contrário do que professam as teorias convencionais dominantes, aumentariam a inflação no longo prazo.

Para explicar a tese aos leigos, lançou-se mão de um exemplo simples, de um paciente que tem há décadas uma doença crônica, e que, para debelá-la, os médicos aplicam seguidamente nessa pessoa doses maciças do mesmo remédio, sem resultado. A pergunta óbvia, então, seria: deve-se continuar a receitar esse medicamento ou seria o caso de adotar uma nova terapia?

Todos obviamente concordam com a ideia de que a inflação brasileira é elevada e altamente resistente, apesar dos juros exorbitantes vigentes no país há décadas. Mas muitos economistas argumentam não haver evidências de que a redução abrupta dos juros resultaria em queda da inflação. Ao contrário, acham que daria ainda mais impulso ao aumento de preços, como teria ocorrido na experiência recente, adotada pelo governo a partir de 2011.

O debate é naturalmente bem-vindo. Pensamento único, em qualquer área, leva à acomodação –nas últimas décadas, prevaleceu praticamente sem contestação, com raras e honrosas exceções, a tese de que o país, por várias razões, entre elas o real desequilíbrio fiscal, não tem condição de conviver com taxas de juros civilizadas.

Não vou entrar nesse debate teórico, mas, na minha opinião, não há mais espaço para juros imorais no Brasil. Faço observações como empresário, que sofre há décadas, operando no setor produtivo, com os efeitos colaterais insuportáveis das taxas de juros exorbitantes.

É inglória a tarefa de produzir de um empresário, principalmente o pequeno e médio, quando depende de crédito. Por isso, mesmo quando tem recursos em caixa para fazer investimentos, ele pensa dez vezes.

Qualquer pessoa pode entender o dilema desse empresário. Imagine que ele tenha em caixa R$ 50 milhões. Por que razão investiria esse dinheiro para aumentar a produção de sua fábrica, ainda que vislumbrasse algum aumento de demanda no médio prazo? Esses recursos, aplicados no mercado financeiro, com as altas taxas de juros atuais, poderiam render pelo menos R$ 5 milhões limpos por ano.

Quem o convenceria a ampliar seu negócio produtivo, expondo-se a penosas discussões de preços com fornecedores e clientes, à elevada carga tributária, às infindáveis burocracias contábeis e a problemas trabalhistas? Adicione-se a isso o contexto atual de recessão e crise política, que tira o ânimo de qualquer empresário, mesmo os mais nacionalistas e mais otimistas com o futuro do país.

A história fica ainda mais clara no caso de o pequeno empresário estar endividado, o que é normal no Brasil ou em qualquer outra economia. Se em vez de R$ 50 milhões em caixa ele tiver uma dívida nesse valor com os bancos, terá de sacar do caixa uns R$ 15 milhões por ano para honrar seus compromissos com os bancos, esses sim os beneficiários da situação atual.

Por isso, o debate teórico e técnico sobre os juros é bem-vindo. Sem mudança de mentalidade e sem crédito a juros civilizados, o país não sairá da enrascada em que se meteu.


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