Folha de S. Paulo


É possível fazer reforma da Previdência sem mexer com direitos

Marcos Santos/USP Imagens
Governo aprovou uso do FGTS como garantia para crédito consignado
Carteira de trabalho

Eu era uma criança, mas me lembro da época em que foram criados o 13º salário, em 1962, e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, em 1966. O assunto ficou marcado em minha memória pois fazia parte de conversas frequentes entre meu pai e minha mãe, até porque o autor do projeto do 13º foi o senador e primo Aarão Steinbruch.

A criação do FGTS, que substituía o sistema da estabilidade no emprego, teve enorme resistência das lideranças de trabalhadores. Estávamos em pleno regime de exceção, mas mesmo assim o governo teve dificuldade para modificar a lei trabalhista. Tanto que o FGTS foi estabelecido como um sistema opcional para os já empregados. Quem quisesse optava, quem não quisesse ficava no sistema da estabilidade.

Grosso modo, a estabilidade garantia aos que tinham mais de um ano de emprego uma indenização de um salário por ano trabalhado em caso de demissão sem justa causa. Para o empregado que atingisse dez anos de trabalho na mesma empresa, a indenização era dobrada. Ou seja, alguém com 15 anos de emprego receberia 30 salários de indenização em caso de demissão.

Esse regime provocava dois graves problemas. Primeiro, era muito oneroso para as empresas. Segundo, impedia a permanência dos trabalhadores por muito tempo no mesmo emprego, porque as empresas procuravam demiti-los antes que completassem o décimo ano de casa.

Foi então que se pensou em criar um fundo, com recursos dos empregadores, para indenizar os empregados em caso de demissão sem justa causa. A reação dos trabalhadores foi forte, porque entendiam que o fundo era apenas um pretexto para acabar com a estabilidade.

A saída foi tornar o FGTS opcional, o que permitiu gradual adaptação e convencimento de todos a respeito das vantagens do novo sistema. Até que a estabilidade foi finalmente extinta na Constituição de 1988, exceto, para o funcionalismo.

No dia 13, o FGTS fez 50 anos. A despeito de imperfeições, como a baixa remuneração, o fundo cumpre bem dupla finalidade: de um lado ampara financeiramente o trabalhador demitido sem justa causa, em caso de doença, no casamento, na compra da casa própria ou na aposentadoria; de outro, financia obras de habitação, saneamento e infraestrutura. Neste ano, seu orçamento é de R$ 119 bilhões e seu ativo total está próximo de R$ 500 bilhões.

Lembro essa história do FGTS porque o país vive um momento em que precisa de novas atitudes corajosas. Não há como adiar mais a reforma da Previdência —em breve faltarão recursos para manter os benefícios. Novas mudanças são necessárias para dar flexibilidade à legislação trabalhista e com isso reduzir o custo Brasil. E a simplificação tributária é inadiável.

Como no caso do FGTS e também do 13º salário, é possível promover essas mudanças sem mexer com direitos adquiridos, gradualmente e via entendimento nacional, com jeito e coragem. Além do governo (executivo), o legislativo tem grande responsabilidade para dar agilidade à tramitação desses avanços.

Por falar em mudanças corajosas, passou muito da hora de alterar a forma de conduzir a política monetária, porque ela impõe custos absurdos aos setores públicos e privados. A taxa de juros básica, de 14,25% ao ano, está claramente fora de lugar e tem de ser ajustada imediatamente, sem esperar a aprovação de reformas ou do necessário teto para gastos públicos. É uma aberração com a qual os brasileiros lamentavelmente se acostumaram, sem se dar conta de que ela é um empecilho, tão ou mais grave que a falta de reformas, à volta da confiança e à retomada do crescimento da economia e do emprego.


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