Folha de S. Paulo


Dá para fazer ajuste fiscal e pensar em crescimento e emprego ao mesmo tempo

Teve pouco destaque no Brasil uma decisão dos chefes de Estado da Alemanha, da França e da Itália. Há duas semanas, na Itália, eles avaliaram o impacto da saída do Reino Unido da União Europeia e decidiram mudar os rumos do bloco. A partir de agora, as lideranças da UE vão reduzir a ênfase dada a temas técnicos, como Orçamento, finanças e austeridade, e dar mais atenção a crescimento, emprego e educação.

O presidente da França, François Hollande, propôs que os recursos do plano traçado pela Comissão Europeia, que prevê o estímulo à criação de empregos no continente entre 2015 e 2018, sejam duplicados, de € 315 bilhões para € 630 bilhões.

A Europa tem problemas específicos, como as migrações. Mas o exemplo poderia servir de inspiração para o atual momento brasileiro. Desde o início do ano passado só dá ênfase no país a ajuste fiscal, austeridade, corte de gastos etc.

A recessão atual é também consequência dessa arenga depressiva acompanhada do corte de despesas, que corrói a confiança dos empreendedores.

A austeridade fiscal e a contenção da dívida pública são fundamentais para o país. As reformas tributária, da Previdência e da legislação trabalhista são urgentes. Mas o discurso depressivo faz muito mal, às vezes mais mal do que as próprias medidas recessivas.

É preciso virar o disco, tomar iniciativas para estimular o crescimento e falar delas. É balela essa história de que primeiro precisamos fazer o ajuste fiscal e depois pensar em crescimento e emprego. As duas coisas podem ser feitas ao mesmo tempo.

As previsões indicam que chegaremos ao fim do ano com 14 milhões de desempregados —hoje temos 12 milhões. Isso exige providências urgentes da nova administração que assumiu o governo na semana passada, após o impeachment de Dilma Rousseff.

É tolice insistir em algo que está dando errado. A austeridade acompanhada de uma taxa de juro real crescente –era de 3,5% no início no ano e agora é de quase 7%– não vai levar ao crescimento. Só há uma saída: fazer investimentos em infraestrutura e construção, por meio de concessões e também com recursos do próprio governo. É possível reduzir gastos correntes e aumentar investimentos, o que trará novas receitas fiscais.

Nos anos 1920, a Inglaterra enfrentou um grave problema de desemprego. O economista John Maynard Keynes (1883-1946) sugeriu então que o governo aumentasse o gasto público com investimentos para gerar novos empregos. Ao ser contestado pelo Tesouro, que achou "míope" a sua proposição em um momento de dificuldades, Keynes observou: "Entramos num círculo vicioso. Não fazemos nada porque não temos dinheiro. Mas é precisamente porque não fazemos nada que não temos o dinheiro".

Não sou economista, mas posso dar palpites e acho que é hora de parar de buscar culpados para a crise e arejar o debate sobre como o país pode sair dessa recessão em que se meteu. Será que vamos superá-la só com mais cortes de gastos? Com juros de 14,25% ao ano? É difícil acreditar nisso, mas o pensamento único atual espalha essa ideia. No prefácio de sua "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", Keynes escreveu: "São espantosas as coisas tolas em que se pode acreditar temporariamente quando se pensa sozinho durante muito tempo".


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