Folha de S. Paulo


O 'day after'

Infelizmente, o Brasil vive um momento de enorme tumulto. Ninguém dá ouvidos a nada, a não ser à discussão do impeachment presidencial e à eventual mudança de governo.

Apesar da decisão de domingo (17), favorável ao andamento do processo de afastamento da presidente, pairam enormes dúvidas sobre o que deve acontecer no curto prazo. Qualquer que seja o caminho a ser definido pelo Senado, com Dilma ou sem Dilma, o país vai precisar de tolerância entre as partes envolvidas nessa batalha política.

Não haverá ganhadores se a disputa descambar para a radicalização e a violência. Seremos todos vítimas. Esse é um lado da questão. Mas também seremos todos perdedores se, após a definição do Senado, o governo sucumbir à ideia de que a correção de rumos da economia pode se dar apenas com a adoção de um plano de austeridade.

Ressalve-se, desde logo, que o controle de gastos e o equilíbrio das contas públicas é absolutamente essencial. Sem controle gastos, não é possível baixar a carga tributária e pensar em prosperidade.

Será, porém, um grave erro se no "day after" da crise o governo resultante ignorar medidas há décadas reivindicadas pela sociedade brasileira. A necessidade de reformas é uma unanimidade no país. Nem é necessário detalhá-las mais, porque o leitor já as conhece de cor: tributária, trabalhista, previdenciária e política.

Talvez esse governo pós-crise, entretanto, não seja capaz de fazê-las no curtíssimo prazo. Será compreensível se isso ocorrer, dada a enorme dificuldade de acordo político para aprová-las no Congresso.

Mas não será aceitável que a nova gestão deixe de adotar medidas emergenciais para a retomada do crescimento da economia, do emprego e da renda.

Não podemos cair na armadilha de que as políticas de estímulo ao consumo não funcionam mais para aquecer a economia só porque falharam nos últimos anos.

Grande parte dos problemas que enfrentamos hoje, com a recessão, decorre de erros cometidos na área monetária e cambial. Políticas de estímulo ao consumo não funcionaram também porque foram tomadas com câmbio fora do lugar e juros em níveis absurdamente elevados.

As políticas públicas buscaram incentivar o consumo com créditos especiais e com redução de impostos, por exemplo, enquanto mantinha-se o dólar abaixo de R$ 2. E isso foi uma dádiva para a China e outros países exportadores. Ou seja, essas políticas ajudaram a criar empregos no exterior, enquanto a indústria brasileira perdia competitividade e espaço no mercado interno. Basta observar o valor do deficit comercial da indústria brasileira de transformação, que passou de US$ 50 bilhões em 2014.

Com juros civilizados e câmbio no lugar, o estímulo ao consumo, num país de mais de 200 milhões de habitantes, pode funcionar, sem dúvida nenhuma, para puxar o crescimento. Tome-se o exemplo do vizinho Chile, talvez o país mais elogiado da América do Sul pela sua política econômica consistente. Para tentar escapar da recessão, esse país manteve em 3,5% sua taxa de juros na semana passada, embora a inflação esteja em 4,5%, acima da meta de 4%.

Não podemos cair na esparrela de achar que as regras do mercado são leis divinas. Bons governos agem para estimular os indutores da produção, do crescimento e do emprego, e não os que vivem da especulação financeira.


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