Folha de S. Paulo


Fazer o óbvio

Permita-me, caro leitor, recordar um trecho de um artigo que escrevi aqui na Folha em 12 de abril de 2005. Eu havia participado de um encontro em Porto Alegre com executivos e empresários gaúchos, no qual fiz uma palestra sobre siderurgia.

Durante os debates, um diretor de uma grande multinacional pediu a palavra e fez a seguinte pergunta: "Como posso convencer meu acionista lá no exterior a fazer novos investimentos no Brasil? Não tenho como concorrer com meus colegas globais, de outras unidades de minha companhia".

Tive que concordar com ele. Disse que o Brasil não era mais um país de baixo custo quando comparado com outros emergentes, principalmente China e Índia. Curioso é observar as explicações que dei para concordar com o diretor: a carga tributária brasileira imposta sobre a atividade produtiva é muito elevada e o governo tenta sempre aumentá-la ainda mais; as taxas de juros internas são excessivamente altas, as maiores do mundo em nível real (descontada a inflação); a política cambial está muito desfavorável aos exportadores de manufaturados; a Justiça é lenta e faltam marcos regulatórios para dar segurança aos investimentos.

Quase dez anos se passaram. E as explicações dadas em 2005 ainda se parecem muito atuais.

Certamente houve enormes avanços no país, em especial na área social, com melhoria no emprego e na distribuição de renda. O ciclo de alta das commodities agrícolas e industriais também ajudou a mascarar a falta de competitividade brasileira durante a década passada. Mas aqueles problemas apontados para o diretor gaúcho só se aprofundaram. A indústria brasileira perdeu exportações e está perdendo também, ano a ano, largas fatias do mercado interno de manufaturados para os concorrentes estrangeiros.

Recordar essa conversa de 2005 é muito útil neste momento por uma razão simples: no limiar de 2015, o Brasil continua precisando fazer o óbvio. E óbvio não quer dizer necessariamente fácil.

Há um razoável consenso no país sobre o que precisa ser feito, seja qual for a tendência ideológica do proponente. As divergências se dão, na verdade, quando se trata de decidir a forma de fazer. Os mais conservadores defendem um modelo truculento, que promova os ajustes sem preocupações com o impacto das medidas na vida das pessoas. Os menos conservadores preferem fórmulas que atenuem esse impacto e promovam um ajuste mais suave.

Basicamente, fazer o óbvio significa criar instrumentos para aumentar a competitividade brasileira.

Nesse quesito, o Brasil perde hoje para todos os principais emergentes e para muitos países desenvolvidos. Na prática, isso quer dizer que custa mais barato produzir lá fora que no Brasil, seja na China, seja na Índia, seja nos EUA, seja na Alemanha, seja em muitos outros países.

Fazer o óbvio exige que, junto com o ajuste fiscal, promova-se uma importante desvalorização cambial, que vai baratear o produto brasileiro de exportação e encarecer o importado. Desde os tempos do Plano Real, o câmbio vem sendo sistematicamente usado não como instrumento de desenvolvimento, como fizeram muitos países que enriqueceram, mas como ferramenta de controle da inflação, uma lástima para a competitividade dos manufaturados brasileiros.

Fazer o óbvio significa retomar os investimentos para reduzir o custo Brasil na área da infraestrutura. Até agora, embora tenha se mostrado consciente da importância disso, o governo não conseguiu manejar adequadamente os instrumentos que impulsionam os investimentos públicos e privados.

Fazer o óbvio significa articular, junto com o corte de gastos supérfluos, uma corajosa redução geral de impostos sobre o setor produtivo, na certeza de que eventuais perdas de receita provenientes dessa atitude poderão ser compensadas pelo natural aumento de produção.

Por fim, mas não menos importante, fazer o óbvio exige também civilizar o custo do crédito. Enquanto persistir a ideia de que é normal o Brasil ter sempre taxas de juros abusivas, nada vai entrar nos eixos.

No momento em que mudamos de ano, mudam também as cabeças que vão pensar a economia no governo. Que tenham perícia, sorte e sucesso. Feliz 2015 ao Brasil e aos brasileiros.


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