Folha de S. Paulo


Indústria em frangalhos

O mercado em geral gostou muito dos nomes indicados para compor a nova equipe econômica –Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa no Planejamento e Alexandre Tombini na presidência do Banco Central.

O mercado também gostou das primeiras declarações dos três, que deram indicações de que farão um ajuste fiscal imediato. O país precisa disso. É inadiável uma arrumação das contas públicas e, principalmente, a adoção de uma gestão 100% transparente nas finanças.

Mas, não custa lembrar, ajuste fiscal significa basicamente corte de gastos públicos e/ou aumento de impostos. Nada disso é muito agradável, principalmente porque a carga tributária já é bastante elevada e os cortes nem sempre são feitos de forma a preservar investimentos.

É importante observar que o ajuste fiscal está longe de representar um remédio para todos os males da economia. Há outros problemas igualmente relevantes, não totalmente desvinculados do ajuste, que precisam ser resolvidos com igual urgência. O principal deles: a indústria brasileira está em frangalhos.

A estagnação e a ameaça de recessão econômica são fundamentalmente um reflexo da crise do setor industrial, que vem perdendo poder de competição com concorrentes estrangeiros e tem participação decrescente no PIB.

Este moribundo 2014 é um ano para ser esquecido pela indústria. As estimativas mais otimistas dizem que a produção manufatureira deve cair cerca de 2% em relação a 2013, ritmo recessivo que tende a prevalecer no início de 2015. As pessimistas falam em queda de 3,5%. O setor enfrenta redução sistemática de empregos há pelo menos três anos. Com estoques elevados, grande parte das empresas vai entrar no Ano-Novo em férias coletivas mais longas do que as costumeiras.

O setor manufatureiro vem sendo caprichosamente destruído durante longos anos por uma taxa de câmbio apreciada, por uma carga tributária elevada e, sobretudo, por uma inexplicável política que mantém as taxas de juros internas sempre entre as mais altas do mundo.

Com essa trindade maligna, à qual poderiam ser agregados os problemas de custos trabalhistas, energia cara e burocracia infernal, as margens de lucro e os investimentos se reduzem e, ano a ano, a indústria perde exportações e o próprio mercado interno para seus concorrentes internacionais. Para sair dessa espiral, o setor precisa investir pesada e urgentemente em inovação/modernização, mas o que se vê é uma queda constante no investimento produtivo no país.

Por incrível que pareça, há quem atribua ao BNDES a responsabilidade por esse quadro. Ao oferecer crédito de longo prazo com juros adequados, ele estaria inibindo o surgimento de um sistema privado de financiamento de longo prazo no país. A pergunta que faço é: Como seria a situação atual se não houvesse o apoio do BNDES? Com toda a certeza, muito mais tenebrosa.

As projeções da nova equipe econômica não preveem nenhum repasse de recursos do Tesouro para o BNDES nos próximos três anos e sinalizam com um provável aumento da TJLP, taxa de juros cobrada nos empréstimos do banco. Desidratar o BNDES sem oferecer alternativas para o financiamento de investimentos no país será um equívoco monumental. Em qualquer parte do mundo, há crédito barato para investimentos produtivos –em alguns Estados americanos, os governos pagam às empresas que investem um valor que varia de acordo com o número de empregos criados.

É provável que o aperto fiscal determine o fim dos programas de desonerações e isenções fiscais oferecidos a vários setores industriais, que custaram R$ 85 bilhões ao governo só nos primeiros dez meses deste ano. Esses incentivos já não produzem os mesmos efeitos de antes na economia, mas sua retirada elevará custos das empresas, na contramão do caminho desejável para a recuperação do setor industrial.

Ajuste fiscal e controle de gastos públicos são muito bem-vindos –disciplina nessa área é uma atitude obrigatória e geradora de confiança em toda a parte, seja nos lares, seja nas empresas, seja nos governos. Mas será preciso muito mais do que isso. Será preciso recolocar a economia em um novo ciclo de crescimento, o que não se dará sem a recuperação da indústria.


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