Folha de S. Paulo


O mestre

Lá se vai 2014. Mais duas semanas e estaremos todos no clima de Natal. O ano passou voando, mas foi turbulento e vai deixar algumas lições importantes para o país.

A realização da Copa no Brasil era um sonho dos brasileiros. Desde menino, como todos de minha geração, esperava por esse momento, ao ouvir os comentários dos mais velhos sobre o Mundial de 1950 e a frustrante derrota na final contra o Uruguai.

Mas veio outra grande decepção, maior que a do Maracanazo de 1950: a seleção foi eliminada pela Alemanha em vergonhosa derrota por 7 a 1 em Belo Horizonte.

A principal lição da derrota na Copa é que a soberba, a improvisação e a tradição não garantem resultados -aliás, não só no esporte. O país do futebol não se preparou com humildade para enfrentar o estilo envolvente praticado na Europa, especialmente na Alemanha e na Espanha. Achou que na hora, no campo, como nos tempos de Pelé e Garrincha, tudo seria resolvido com a criatividade brasileira. Deu no que deu.

Fora do campo, ficou a sensação de que o país escapou por pouco de um grande vexame internacional. Os estádios, todos muito bonitos, ficaram prontos em cima da hora, revelando aqui também nossa tendência de improvisação e a mania de deixar tudo para a última hora. Mas muitas obras de mobilidade urbana e infraestrutura, que seriam um legado importante da Copa, perderam-se no emaranhado da falta de planejamento e foram abandonadas ou não concluídas.

O segundo grande evento do ano, as eleições presidenciais, mostrou um país dividido quase ao meio ideologicamente. As oscilações do voto, que ora privilegiavam Dilma Rousseff, ora Marina Silva ou Aécio Neves, identificaram um Brasil inseguro sobre seus próprios rumos.

Uma parcela dos que perderam a eleição atribui a derrota ao marketing agressivo dos vencedores. Mas há certamente razões mais profundas, até porque a agressividade foi geral na campanha. Uma delas é que a maioria da população não aceita propostas conservadoras, que imponham grandes sacrifícios em nome de possíveis benefícios futuros.

Mesmo com o pífio crescimento da economia, o nível de emprego e da renda no país se manteve nos últimos anos e essa realidade certamente pesou na hora do voto.
Entre parêntesis, é bom observar que a manutenção do nível de emprego já começa a preocupar -em outubro, houve corte de 30 mil vagas, pela primeira vez nesse mês desde 1999.

A indústria, especialmente, está muito debilitada, dispensa mão de obra e precisa urgentemente de um sério programa para recuperar competitividade. É um problema que não se pode empurrar com a barriga. Os custos de empreender se tornaram absurdos. Não dá para continuar com crédito escasso e caro, nem com tributação tão complexa e elevada, nem com o pesado ônus da infraestrutura ineficiente.

De qualquer forma, uma clara lição do processo eleitoral é a de que, apesar da ansiedade por mudanças, a maioria continua preocupada em preservar conquistas, principalmente na área social. Essa maioria, por pequena margem, não estava convencida de que tais conquistas seriam mantidas em caso de alternância de poder e resolveu não arriscar.

As discussões eleitorais, que atingiram altas voltagens nas redes sociais, dividiram amigos e criaram conflitos até dentro das famílias. Mas, no meio das discussões -e essa é talvez a mais importante lição deste ano atribulado-, emergiu um claríssimo consenso: o país precisa retomar rapidamente o crescimento, antes que a apatia econômica comece a ter graves consequências no emprego.

Não haverá estabilidade social sem a abertura de oportunidades de trabalho que permita a inclusão social continuada no país. E não haverá essa expansão do emprego sem crescimento econômico. Cito aqui o mestre Antonio Delfim Netto, em entrevista à Folha, para reforçar uma ideia fundamental: "O crescimento brasileiro caiu porque murchou a indústria nacional". Por várias razões bastante conhecidas, entre elas a política cambial, a indústria perdeu competitividade, que precisa ser restabelecida a qualquer custo.

Esses são alguns ensinamentos que todos os brasileiros precisam aceitar com humildade no momento em que o tormentoso ano de 2014 vai chegando ao fim.


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