Folha de S. Paulo


O automóvel

Com toda a certeza, o leitor está confuso sobre o ritmo de crescimento da economia. Todas as indicações do início do ano eram para um ritmo mais lento em 2014 do que no ano passado. Mas, terminado o primeiro bimestre, houve indicadores positivos, criando a expectativa de que a expansão poderia estar sendo mais rápida do que se imaginava.

A produção industrial, por exemplo, segundo dados do IBGE, apresentou um crescimento de 3,8% em janeiro e de 0,4% em fevereiro. A expansão média do primeiro bimestre ficou em 1,3%.

A expectativa geral, porém, é que, em março, não foi mantido o mesmo ritmo produtivo do primeiro bimestre. Fato relevante é que a atividade em janeiro e fevereiro, embora tenha atingido um grande número de segmentos da indústria, foi impulsionada principalmente pelo ramo automobilístico. Em fevereiro, a produção de veículos cresceu 7% em relação a janeiro, e, no acumulado do bimestre, quase 17%. Esse índice foi suficiente para que o setor recuperasse parte da queda forte verificada no último trimestre do ano passado, de 23,4%.

A julgar pelas informações dos fabricantes, o setor automobilístico deixou de colaborar em março para a recuperação da indústria.

Os números do mês passado são preocupantes. A associação das empresas do setor, Anfavea, informou que a queda de produção atingiu 17,6% na comparação com março de 2013. Isso fez com que o trimestre terminasse com um índice negativo de 8,4%.

O que se passa na indústria de veículos? Há vários problemas. O primeiro diz respeito à produção de caminhões, que foi fortemente afetada pela redução das exportações para a Argentina. Além disso, ocorreu uma queda sensível nas vendas de caminhões no mercado interno em relação a 2013, um ano de reação do mercado.

Em razão desses problemas, algumas montadoras de caminhões já estão com milhares de trabalhadores excedentes e planejam férias coletivas, reduções de jornada e até a abertura de programas de demissões voluntárias, os PDVs. O mesmo problema já atinge montadoras de automóveis.

No geral, a indústria automobilística encerrou março com um volume de estoques nunca visto no setor nos últimos seis anos, suficiente para abastecer o mercado por 48 dias. Havia, no fim do mês passado, 387 mil unidades estocadas, volume superior ao das vendas de março, de 241 mil unidades.

Parte do péssimo desempenho no setor de veículos em março pode ser atribuída ao fato de o Carnaval ter caído no mês, o que diminuiu o número de dias úteis do período. Mas há o fator Argentina, e o setor já sente também o impacto da retirada parcial dos estímulos fiscais (IPI), a partir de janeiro -um novo aumento de IPI está previsto para julho.

É lamentável que se apresente neste momento um novo cenário difícil para o setor. Em razão dos estímulos do programa Inovar-Auto, muitas montadoras estão trazendo sua produção para o país e a previsão é de ampliação da capacidade instalada para até 5 milhões de unidades por ano -hoje, o volume é 3,5 milhões.

Ainda que o automóvel tenha sido escolhido como o vilão do século 21, uma visão a meu ver pouco pragmática, o certo é que ele continua a ser um importante meio de transporte, extremamente confortável em viagens de média duração e mesmo em deslocamentos nas cidades, a despeito dos enormes engarrafamentos. O caminhão, dada a deficiência do setor ferroviário no país, é indispensável no transporte de cargas.

Não são razoáveis atitudes a favor do abandono radical dos estímulos à produção de veículos. Mais recomendável seria estimular a inovação e a busca de eficiência no setor, para que o país possa participar do longo período de transformação que fatalmente se dará nessa área.

Quando os veículos motorizados começaram a virar realidade nas cidades, no início do século passado, as pessoas festejaram a novidade. Não adianta odiar e execrar o automóvel. A indústria de veículos vai viver uma revolução em matéria de tecnologia e inovação nas próximas décadas. É mais sensato tentar participar dessa busca do automóvel do futuro. Alguém sabe como ele será?


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