Folha de S. Paulo


São Paulo, meu amor!

A cidade de São Paulo vai comemorar 460 anos no dia 25. Poderia fazer aqui uma dezena de elogios a essa maravilhosa metrópole. Neste momento, porém, prefiro citar alguns presentes que ela mereceria ganhar e não ganhou em seus tantos aniversários.

Não tenho a intenção de apontar responsabilidades de governos por omissões, sejam eles federais, estaduais ou municipais. Mas há coisas injustificáveis em nossa grande metrópole.

Ninguém pode encontrar justificativa, por exemplo, para que os dois principais rios da cidade, o Tietê e o Pinheiros, continuem a desfilar seu horrível leito fedorento de leste a oeste, de norte a sul.

A despoluição desses dois rios poderia ter sido feita há muitos anos. Existem dezenas de exemplos de rios que foram recuperados depois de terem sido "mortos" por esgotos da Revolução Industrial ou da explosão habitacional urbana.

O Tâmisa, em Londres, o Sena, em Paris, o Reno, na Alemanha, o Cheong Gye Cheon e o Han, em Seul, o Don, em Toronto, e muitos outros são a evidência de que a despoluição é algo difícil, porém possível, tanto financeira quanto tecnologicamente. O projeto que limpou o Cheon e ainda construiu um parque linear de cinco quilômetros em suas margens custou só US$ 380 milhões. O que despoluiu o Reno, US$ 15 bilhões.

São Paulo jamais ganhou essa faxina, esse presente. Seus dois rios, nos quais a geração de nossos avós nadou e pescou no início do século 20, continuam sendo, em pleno século 21, dois esgotos a céu aberto, uma vergonha para todos nós.

Entre as coisas injustificáveis está também a falta de ligação do centro da cidade ao maior aeroporto do país, o de Cumbica, em Guarulhos. Inaugurado em 1985, é um dos raros mega-aeroportos do mundo com acesso apenas rodoviário. Na América Latina, é o que mais recebe passageiros, 35 milhões por ano.

Nada pode explicar por que Cumbica espera há quase 30 anos por um trem rápido que possa livrar os passageiros do desconforto dos congestionamentos nos 25 quilômetros de rodovias e avenidas que o separam do centro de São Paulo. Nem Congonhas, no coração da cidade, é servido por metrô -só agora uma linha do monotrilho está chegando ao segundo aeroporto da metrópole, com inauguração prevista para este ano.

É difícil falar de carências de São Paulo, porque são muitas. Pessoas certamente vão se lembrar de vários presentes que a cidade jamais ganhou, como creches e escolas para todas as crianças e adolescentes, hospitais e bom atendimento de saúde pública, segurança para a população que trabalha e muitos outros. As pessoas têm razão. Essas são carências básicas.

A São Paulo que vai completar 460 anos precisaria também de um plano ambicioso para debelar as enchentes que anualmente destroem vidas e propriedades, principalmente nas regiões mais pobres da cidade. Precisaria de uma política habitacional eficiente para acomodar 35% de sua enorme população que vive em moradias precárias, favelas, cortiços ou debaixo de pontes e viadutos. Precisaria de uma política de manejo do lixo urbano de modo que esse material pudesse ser todo coletado e reciclado e não ficasse nas ruas para entupir bueiros no verão. Precisaria de um sistema de transporte coletivo mais amplo, por ônibus e metrô, e da modernização do sistema de controle de trânsito, hoje um dos mais retrógrados entre as capitais brasileiras.

Como já disse acima, não se trata de acusar este ou aquele governante pelas carências da cidade. Trata-se de constatar que, ao longo de décadas e por n razões, não apenas por falta de recursos, São Paulo foi ficando atrasada em relação às megalópoles mundiais e também na comparação com outras grandes cidades brasileiras. Não há como explicar, por exemplo, por que a maior cidade do país, com mais de 7,5 milhões de veículos, praticamente não tem um sistema moderno de semáforos inteligentes, algo banal até em cidades médias.

Todas essas carências denunciam nossos fracassos como munícipes, eleitores ou eleitos, ao longo de décadas. No dia do 460º aniversário da cidade, não tendo como oferecer a ela os presentes que mereceria ganhar, podemos apenas pedir desculpas. São Paulo, você não merece tanto descaso.


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